SÁBADO

Robina Asti (1921-2021)

- CARLOS TORRES

Nasceu homem e morreu mulher. Pilotou aviões na guerra, teve três filhos, trabalhou no mundo financeiro, foi ativista LGBT e ao dar uma aula de voo aos 99 anos entrou para o Guinness

Nunca soube explicar porquê, mas foi a morte do filho Pepe, de 8 anos, num acidente com uma mota de neve, que desencadeo­u o processo de mudança de sexo. “Talvez o choque me tenha feito perceber que não estava a viver a minha vida verdadeira­mente”, confessou em 2020 à revista Out.

Robina Asti, na altura um homem com mais de 50 anos, foi falar com Eva, com quem estava casado há 15 anos, para lhe dar conta da sua intenção. “Ela ficou em choque, mas acabou por aceitar ajudar-me com uma condição: íamos ter mais um filho.”

Em 1976, depois de ter sido pai de Eamonn (já tinha outra filha, Coca), divorciou-se e começou a tomar hormonas para se tornar mulher (a operação viria a seguir).

Robina, que morreu no passado dia 18, com 99 anos, acabaria por se tornar uma ativista da comunidade gay e transgéner­o (LGBT), tendo criado em 2019, com Coca e o neto Erik, a Cloud Dancers Foundation, disponibil­izando 1 milhão de dólares para ajudar jovens que, como ela, “sofrem para ter uma vida autêntica”.

Robina nasceu em Nova Iorque, EUA, a 7 de abril de 1921, sendo filho de um pugilista amador e de uma doméstica. Em adolescent­e, tinha muito jeito para equipament­os elétricos e montou um negócio caseiro para arranjar rádios. Com 20 anos tirou o brevet de piloto e alistou-se na Marinha (em 1942). Durante a II Guerra Mundial, foi para o Pacífico – a sua principal missão consistia em pilotar os hidroaviõe­s Catalina PBY, e a sua perícia levou-o a participar em salvamento­s no mar.

Terminada a guerra, voltou para Nova Iorque: deu aulas de voo, foi piloto comercial e fez carreira no mundo financeiro – tornou-se vice-presidente de uma empresa de fundos de investimen­to.

Foi por essa altura, após a morte do filho, que decidiu que queria ser mulher. “Foi complicado, porque sofri muitas discrimina­ções. Ao nível profission­al, era uma mulher num trabalho de homens, e as coisas não funcionava­m. Passei a ser secretária e a trabalhar em lojas. Senti

“O QUE EU DIGO AOS MAIS JOVENS É QUE ESTEJAM PREPARADOS PARA LIDAR COM A REJEIÇÃO”

-me abandonada pelos amigos e pela família”, contou ao site refinery29.

A filha mais velha, Coca, esteve 20 anos sem lhe falar. “O que eu digo aos mais jovens, nas TedTalks, é que estejam preparados para lidar com a rejeição, mas não se afastem em definitivo. Os vossos familiares vão perceber que vocês são a mesma pessoa com um sexo diferente.”

Aula de voo com 99 anos

Em 2004, casou-se com o artista plástico Norwood Patton, que conhecera num bar em Greenwich Village. Em 2012, quando ele morreu, Robina foi surpreendi­da com uma notificaçã­o da Segurança Social a dizer-lhe que não tinha direito à pensão de viuvez porque quando se casaram ela ainda não era legalmente uma mulher.

“Achei que tinha de lutar contra aquela injustiça, porque podia haver outras mulheres numa situação idêntica e que, ao contrário de mim, precisavam mesmo do dinheiro para viver.” Com a ajuda da ONG Lambda Legalize, venceu o processo, em 2014.

Em julho de 2020, com 99 anos, entrou para o Guinness como a instrutora mais velha do mundo. “Para mim, voar é a coisa mais incrível”, disse. “Sou uma felizarda e nem sei como ainda estou viva, porque na minha vida já tive de fazer 17 aterragens forçadas.” Robina deixou ainda uma promessa: “Aos 101 venho cá dar outra aula. Talvez nessa altura me retire.” W

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LUIS GRAÑENA

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