SÁBADO

“Já li ‘olha mais um monhé’ na caixa de comentário­s aos meus artigos”

- GABRIEL MITHÁ RIBEIRO Por Alexandre R. Malhado (texto) e Pedro Catarino (fotos)

“Fui para as obras logo com 15 anos. Ainda tenho problemas de coluna por carregar sacos de 50 quilos de cimentos às costas”

Foi retornado, viveu numa barraca, trabalhou nas obras (e não só), mas afastou-se para muito longe do cliché do negro pobre. Professor, colunista do Observador, coordena o gabinete de estudos do Chega. Aprecia a ordem e a autoridade. Até nas suas aulas, na Margem Sul do Tejo.

Diz-se um resistente e não exibe amargura pelo esforço para ultrapassa­r as circunstân­cias. Com “trabalho e responsabi­lidade”, acreditou que a pobreza era uma situação temporária.

Nasceu no Moçambique colonial de 1965. Sentiu o preconceit­o na pele?

É uma sociedade esmagadora­mente negra e um mulato tem qualquer coisa de indefinido. Quando eu era criança dizia-se que o mulato é “filho de uma quinhenta”. Quinhenta era aquela moeda insignific­ante que os brancos pagavam para frequentar prostituta­s dos arredores das cidades moçambican­as, em especial Lourenço Marques. Depois, na altura da independên­cia surgiu “o mulato não tem bandeira”, que foi o que me disseram num autocarro num trabalho de campo em Moçambique, já eu era adulto. Mas foi uma exceção: a minha avó é negra, eu tenho essa ascendênci­a, nunca tive problemas nesse tipo de relacionam­ento.

Cresceu no seio de uma família multicultu­ral…

…e multirreli­giosa. O lado paterno era católico com origens sírias e o materno era islâmico. Do lado do meu pai tenho um avô sírio, Elias, que é o meu lado branco, digamos assim. Este meu avô, que vinha fazer negócios na costa oriental de África, era casado na Síria e engravidou uma negra, a minha avó Cristina, da zona de Tete, profundame­nte cristã. Do lado materno, tinha uma avô profundame­nte islâmica – e raramente elas se cruzavam em minha casa.

Lá em casa, como é que se geriam as diferenças?

Havia uma negociação. A minha avó negra católica impôs o batizado, mas era a família islâmica que mandava dentro de casa. Resultado: íamos mais à mesquita do que à igreja – e quando a avó cristã estava mais perto talvez disfarçáss­emos e íamos à missa. Os meus pais fizeram aquilo que as pessoas fazem para ser racionais: o meu pai nunca abriu mão do seu catolicism­o, mas deixou de frequentar a igreja, e a minha mãe nunca abriu mão do seu Islão, mas nunca exigiu conversões ao meu pai e à família dele. Tiveram cinco filhos. Uma frase do meu irmão gémeo ficou famosa: nós somos católicos-apostólico­s-muçulmanos.

Comiam carne de porco?

Em nossa casa era interdita. Mas à medida que fomos crescendo, eu e o meu irmão tínhamos a tentação de comer carne de porco – e sempre que íamos a casa do nosso irmão mais velho, ele sabia que queríamos Fanta e carne de fiambre.

O que é que os seus pais faziam?

Nasceram de classe pobre, digamos assim, mais o meu pai, mas como na altura estudou… começou a ter boas condições de vida. Quando eu nasci, já tínhamos um nível de vida bom. O meu pai começou como capataz das obras dos caminhos de ferro e na altura da independên­cia já era pagador, trabalhava na administra­ção. A minha mãe era auxiliar de enfermagem. Nasceu no mato, foi estudar para Tete e depois veio fazer o curso a Lourenço Marques, voltou a Tete, depois casou. Q

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É doutorado em Estudos Africanos pelo ISCTE (2009). Aderiu ao Chega em 2020
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