CUIDADOS INTENSIVOS
Agora, Bruxelas quer ir mais longe: bloqueando a exportação de vacinas para o Reino Unido – e até, quem sabe, quebrando as patentes para tentar acelerar a imunização. Especialistas vários, que não vivem neste mundo alucinado, recomendam prudência
Faca e alguidar
SEMPRE ME IMPRESSIONARAM aquelas histórias de faca e alguidar em que os amantes, depois da separação, desatam a infernizar a vida uns dos outros. Tudo vale: alienar os filhos, queimar a casa, às vezes queimar a mulher (ou o homem). Tudo, excepto aceitar que a vida em comum chegou ao fim e é hora de arrepiar caminho.
É esse o drama da União Europeia com o Reino Unido. Racionalmente, seria de saudar que uma relação disfuncional terminasse em divórcio amigável. Aqueles dois nunca foram feitos um para o outro e o Brexit foi uma bênção.
Mas Bruxelas nunca encarou as coisas dessa forma: com a fúria da amante rejeitada, ela não concebe que o parceiro inglês possa ter escolhido outra vida, distante dos seus calorosos braços. Pior ainda: o parceiro, longe do ninho conjugal, lá conseguiu virar a página com assinalável êxito (nas vacinas). A amante rejeitada não sai da cepa torta.
E, como não sai, prefere arruinar-se no processo. Sobre a Astrazeneca/Oxford, já disse cobras e lagartos, mesmo que isso destrua a confiança na vacinação. Agora, quer ir mais longe: bloqueando a exportação de vacinas para o Reino Unido – e até, quem sabe, quebrando as patentes para tentar acelerar a imunização.
Especialistas vários, que não vivem neste mundo alucinado, recomendam prudência: bloquear as vacinas da Moderna e da Johnson & Johnson traria diminuta vantagem para os países europeus. O dano reputacional, esse, seria imenso.
Além disso, será preciso lembrar que o roubo de patentes é coisa de países ditatoriais, como a Rússia ou a China, e não de uma associação de democracias liberais que ainda levam a sério a decência e a legalidade?
Palavras vãs. A guerra é emocional e não admite nenhuma trégua razoável. E mesmo que Boris Johnson esteja disposto a partilhar as pratas, nem isso é garantia de coisa alguma. Como se verá.
A nós, pobres cidadãos, está-nos reservado o destino dos filhos dos casais desavindos: assistir a tudo com horror e rezar para que a violência entre os adultos não sobre para as crianças.
O PSD ANDA ANIMADO: quer a figura de vice-primeiro-ministro e, já agora, se não fosse pedir muito, que o Ministério da Defesa ficasse sob a alçada deste vice. Querem ver que já houve eleições, já houve formação de bloco central, já tivemos Rio alçado a ministro (e a vice) e eu não dei por nada?
Verdade que havia sinais de uma concórdia celestial e íntima. Nos últimos dias, temos sabido que PSD e PS não gostam de juízes que se opõem à eutanásia. Razão pela qual, nas escolhas para o Tribunal Constitucional (cinco, ao todo), esses nomes mais cavernícolas têm sido afastados com uma eficácia verdadeiramente venezuelana, ou talvez húngara.
A ser verdade, tremo só de pensar em que posição “democrática” estaremos no próximo ranking da Economist. Com o processo de nomeação do presidente do Tribunal de Contas e com o fim dos debates quinzenais, a Pátria desceu um patamar. Se descermos outro, não se esqueçam de agradecer ao vice.
NÃO ASSISTI À CÉLEBRE entrevista de Harry e Meghan com a rainha Oprah. Mas fiquei abismado com a quantidade de portugueses que tem por hábito passar os serões no Palácio de Buckingham. Só assim se explica que, sobre as matérias glosadas na entrevista, eles tenham opiniões tão firmes sobre o racismo e a frieza emocional dos Windsor. Privilégios de quem é visita de casa.
Eu, humildemente o confesso, nunca passei dos portões, mas não perco a esperança: um dia, aproveito o render da guarda e esgueiro-me pelas cavalariças. Só para confirmar, com os meus próprios olhos, a matéria vil de que falam os nossos fidalgos. Se a humanidade não se une para defender duquesas milionárias de monarcas bilionárias, que mundo é este que estamos a deixar para os nossos filhos? W