SÁBADO

CUIDADOS INTENSIVOS

Agora, Bruxelas quer ir mais longe: bloqueando a exportação de vacinas para o Reino Unido – e até, quem sabe, quebrando as patentes para tentar acelerar a imunização. Especialis­tas vários, que não vivem neste mundo alucinado, recomendam prudência

- Politólogo, escritor João Pereira Coutinho Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfic­o

Faca e alguidar

SEMPRE ME IMPRESSION­ARAM aquelas histórias de faca e alguidar em que os amantes, depois da separação, desatam a infernizar a vida uns dos outros. Tudo vale: alienar os filhos, queimar a casa, às vezes queimar a mulher (ou o homem). Tudo, excepto aceitar que a vida em comum chegou ao fim e é hora de arrepiar caminho.

É esse o drama da União Europeia com o Reino Unido. Racionalme­nte, seria de saudar que uma relação disfuncion­al terminasse em divórcio amigável. Aqueles dois nunca foram feitos um para o outro e o Brexit foi uma bênção.

Mas Bruxelas nunca encarou as coisas dessa forma: com a fúria da amante rejeitada, ela não concebe que o parceiro inglês possa ter escolhido outra vida, distante dos seus calorosos braços. Pior ainda: o parceiro, longe do ninho conjugal, lá conseguiu virar a página com assinaláve­l êxito (nas vacinas). A amante rejeitada não sai da cepa torta.

E, como não sai, prefere arruinar-se no processo. Sobre a Astrazenec­a/Oxford, já disse cobras e lagartos, mesmo que isso destrua a confiança na vacinação. Agora, quer ir mais longe: bloqueando a exportação de vacinas para o Reino Unido – e até, quem sabe, quebrando as patentes para tentar acelerar a imunização.

Especialis­tas vários, que não vivem neste mundo alucinado, recomendam prudência: bloquear as vacinas da Moderna e da Johnson & Johnson traria diminuta vantagem para os países europeus. O dano reputacion­al, esse, seria imenso.

Além disso, será preciso lembrar que o roubo de patentes é coisa de países ditatoriai­s, como a Rússia ou a China, e não de uma associação de democracia­s liberais que ainda levam a sério a decência e a legalidade?

Palavras vãs. A guerra é emocional e não admite nenhuma trégua razoável. E mesmo que Boris Johnson esteja disposto a partilhar as pratas, nem isso é garantia de coisa alguma. Como se verá.

A nós, pobres cidadãos, está-nos reservado o destino dos filhos dos casais desavindos: assistir a tudo com horror e rezar para que a violência entre os adultos não sobre para as crianças.

O PSD ANDA ANIMADO: quer a figura de vice-primeiro-ministro e, já agora, se não fosse pedir muito, que o Ministério da Defesa ficasse sob a alçada deste vice. Querem ver que já houve eleições, já houve formação de bloco central, já tivemos Rio alçado a ministro (e a vice) e eu não dei por nada?

Verdade que havia sinais de uma concórdia celestial e íntima. Nos últimos dias, temos sabido que PSD e PS não gostam de juízes que se opõem à eutanásia. Razão pela qual, nas escolhas para o Tribunal Constituci­onal (cinco, ao todo), esses nomes mais cavernícol­as têm sido afastados com uma eficácia verdadeira­mente venezuelan­a, ou talvez húngara.

A ser verdade, tremo só de pensar em que posição “democrátic­a” estaremos no próximo ranking da Economist. Com o processo de nomeação do presidente do Tribunal de Contas e com o fim dos debates quinzenais, a Pátria desceu um patamar. Se descermos outro, não se esqueçam de agradecer ao vice.

NÃO ASSISTI À CÉLEBRE entrevista de Harry e Meghan com a rainha Oprah. Mas fiquei abismado com a quantidade de portuguese­s que tem por hábito passar os serões no Palácio de Buckingham. Só assim se explica que, sobre as matérias glosadas na entrevista, eles tenham opiniões tão firmes sobre o racismo e a frieza emocional dos Windsor. Privilégio­s de quem é visita de casa.

Eu, humildemen­te o confesso, nunca passei dos portões, mas não perco a esperança: um dia, aproveito o render da guarda e esgueiro-me pelas cavalariça­s. Só para confirmar, com os meus próprios olhos, a matéria vil de que falam os nossos fidalgos. Se a humanidade não se une para defender duquesas milionária­s de monarcas bilionária­s, que mundo é este que estamos a deixar para os nossos filhos? W

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