SÁBADO

Carlos Rodrigues Lima

A venda da sede icónica do partido ilustra como o caso Bárcenas continua a minar a direita con servadora espanhola, que está perto de ser engolida pelos radicais do Vox.

- Por Bruno Faria Lopes

Quando procurou uma sede nova para a grande força política da direita espanhola, em 1982, o líder Manuel Fraga estava num bom momento. O resultado eleitoral favorável da Aliança Popular, que Fraga fundara e que sete anos mais tarde refundaria com o nome de Partido Popular (PP), criava a necessidad­e de deslocar a sede para um espaço mais apropriado à dimensão do partido. A escolha recaiu no edifício no número 13 da rua de Génova, em Madrid, onde décadas antes se erguera o palácio de uma família aristocrat­a. A sede tornou-se o palco e o símbolo das maiores vitórias do PP, até se tornar palco e símbolo da doença que ainda mina a vida do partido: a corrupção. Tal como há 38 anos, a decisão recente de mudar de sede reflete uma mudança na dimensão do partido, mas em sentido inverso: o PP surge nas sondagens com menos de um terço da votação que recebeu há apenas 10 anos na maioria absoluta de Mariano Rajoy.

Dois dias depois de mais um desaire

A SEDE FOI REABILITAD­A COM DINHEIRO DA “CAIXA B” DO PARTIDO. A VENDA É UM CORTE SIMBÓLICO

eleitoral, em meados de fevereiro na Catalunha, Pablo Casado confirmou a decisão de romper simbolicam­ente com o passado e de vender a sede. “Não devemos continuar num edifício cuja reabilitaç­ão está a ser tratada esta mesma semana nos tribunais”, afirmou o líder do PP. Casado refere-se ao julgamento em curso sobre o caso Bárcenas, o terramoto batizado com o apelido do gestor das finanças do partido ao longo de 34 anos, Luis Bárcenas.

A investigaç­ão expôs um esquema de contabilid­ade paralela com milhões de euros de financiame­nto partidário não declarados – doações em dinheiro de empresário­s – que pagaram prémios ao topo da hierarquia do PP, campanhas eleitorais e outras despesas do partido. Nestas incluem-se as obras de reabilitaç­ão da icónica sede, que contaram com 1,5 milhões da chamada “caixa B”. A um quarteirão de distância, do outro lado da rua, fica o tribunal onde corre o caso.

Abandonar a sede, algo que já havia sido ponderado pela liderança do partido, não é apenas uma necessidad­e de corte simbólico e de lavagem de imagem. Há, também, a questão do dinheiro. O encolhimen­to eleitoral significa maior pressão sobre um partido que terminou o ano passado com uma dívida de 38 milhões de euros, quase metade de curto prazo. A imprensa espanhola cita um valor de mercado entre 38 e 51 milhões de euros pelo edifício de nove andares na zona nobre de Madrid, que o partido acabou por comprar à seguradora Mapfre em 2006. A venda traria mais conforto financeiro do que político a um partido que não para de se afundar numa direita dividida com o radical Vox, perto de ultrapassa­r o PP nas sondagens, e o centrista-liberal Ciudadanos.

No poder, dói mais

A 24 de março, o próprio ex-líder José María Aznar tinha audição marcada para depor por videoconfe­rência como testemunha no julgamento em curso sobre o financiame­nto do PP. Aznar tem respon

dido que nunca soube dos atos de Bárcenas e tem atribuído a existência de uma “caixa B” a “alguns indivíduos” e não ao partido. Foi a primeira vez, contudo, que foi forçado a responder perante um juiz sobre o caso (à data do fecho desta edição, Aznar não tinha ainda sido ouvido).

O prolongame­nto de investigaç­ões na justiça – do já julgado caso Gürtel ao caso Bárcenas, passando pela operação Kitchen que investiga uma tentativa de roubo de documentos a Bárcenas quando este estava preso preventiva­mente – continuará a minar a direita conservado­ra. “Todos os partidos sofrem com casos de corrupção e sofrem especialme­nte quando estão no poder”, aponta Diogo Noivo, consultor de risco político e autor de vários textos sobre Espanha, incluindo um livro sobre a história da organizaçã­o terrorista ETA.

O caso Bárcenas rebentou em 2013 nos jornais com o PP de Rajoy ainda no poder e o país marcado pelas políticas de austeridad­e e as revelações tocaram num nervo coletivo e tiveram implicaçõe­s além do PP. “Parte da razão do cresciment­o dos extremos em Espanha deve-se à perceção de que a corrupção é sistémica nos partidos do costume”, explica Diogo Noivo.

Os socialista­s do PSOE experiment­aram, à escala regional, o efeito letal da corrupção no poder quando perderam em 2018 o controlo histórico que tinham na Andaluzia à conta do

“OS PARTIDOS SOFREM MAIS COM CASOS DE CORRUPÇÃO QUANDO ESTÃO NO PODER”, DIZ DIOGO NOIVO

caso ERE. Este é o maior caso de corrupção da democracia espanhola: o desvio de pelo menos 680 milhões de euros, ao longo de uma década, de apoios públicos a empresas em dificuldad­es e a desemprega­dos. Noutra ponta do país, a Catalunha, a família do líder histórico Jordi Pujol surgiu no centro de um esquema de tráfico de influência­s e cobrança de comissões, entre outros crimes, que levou em 2015 à dissolução da aliança que dominou a política catalã durante mais de 30 anos.

O problema da corrupção é sistémico, mas para o PP o dano foi maior. O caso Bárcenas contribuiu para afundar o partido ainda mais na Catalunha no mês passado, o populista de direita radical Vox (com quem tem um casamento de conveniênc­ia preso por arames no governo regional andaluz) está a meros três pontos nas sondagens ao nível nacional e os barões do PP receiam que um Casado sob pressão radicalize mais à direita. A sede do PP pode mudar, mas os problemas estão para ficar.

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A justiça investiga a ligação entre as doações em dinheiro de empresário­s ao PP e os negócios com o Estado
Subornos A justiça investiga a ligação entre as doações em dinheiro de empresário­s ao PP e os negócios com o Estado
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O megacaso de corrupção entre empresário­s e o PP, julgado em 2018, expandiu a investigaç­ão ao caso Bárcenas
Gürtel O megacaso de corrupção entre empresário­s e o PP, julgado em 2018, expandiu a investigaç­ão ao caso Bárcenas

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