SÁBADO

Pedro Marta Santos

- Jornalista Pedro Marta Santos Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfic­o

JÁ VI A DOIS PALMOS, com estes olhos que a terra há-de comer, Di Caprio, Liv Tyler, Eva Herzigova, Simon Le Bon, Bruce Willis, Prince, Marion Cotillard. Mas além do sol e de Lauren Bacall aos 68 anos, numa visita da princesa regente do film noir a Troia em 1993, a única vez que observei uma estrela diurna foi quando vi Sharon Stone. Uma estrela tem um brilho ensurdeced­or, proibido aos mortais, e uma qualidade intangível, que impele ao culto e ao sacerdócio. Nisso, Stone era – e é – igual a Carole Lombard, Grace Kelly, Kim Novak, ou a Nicole Kidman, antes de esta transforma­r o rosto num congresso de cirurgiões plásticos. A actriz estava numa conferênci­a de imprensa em Cannes, era Maio de 1998. Sharon Yvonne Stone, olhos de azul Big Sur, o cabelo cor de trigo da Pensilvâni­a, apanhado como a hidra Catherine Tramell de Instinto Fatal, acabara de fazer 40 anos. Ao vivo, a três metros, continuava a despertar a temerosa cobiça dos homens e a agressiva inveja das mulheres.

Não deve ser fácil ser Sharon Stone. Segundo trechos, antecipado­s na Vanity Fair, da sua autobiogra­fia, The Beauty of Living Twice, à venda a partir de 30 de Março, foi alvo de

bullying logo no liceu – era bonita demais, esperta demais (tem um QI de 154), directa demais. A sua vagina tornou-se mais famosa do que ela, na cena do interrogat­ório policial do

thriller de Paul Verhoeven. Mas, revela agora, o descruzar de pernas tal como veio ao mundo foi arrancado à má fila: Verhoeven disse-lhe que as cuequinhas brancas faziam reflexo com as luzes fortes da mise en scène. Quando viu a primeira cópia do filme, Stone esbofeteou o director, disposta a tudo para remover o plano da versão final. Mas Sharon é Sharon: estando o mal feito, percebeu depressa que a cena rimava com o desplante gélido de Catherine Tramell, e a ajudaria a transforma­r-se em astro. Foi depois chantagead­a, sem êxito, a dormir com coprotagon­istas para “melhorar a química no ecrã”. Tentaram abusar dela, ela cilindrou os abusadores, ganhou fama de “difícil”, e a estadia no céu estrelado foi curta. Os homens nunca aguentaram a força de Sharon (devolveu por FedEx o anel de noivado que um deles lhe oferecera), sofreu vários abortos, teve um derrame cerebral de que demorou sete anos a recuperar, perdeu agora a avó e a madrinha para a Covid-19 e, aos 63 anos, está na paz dos anjos guerreiros. Foi sempre uma lutadora de voz firme, como Bette Davis nos anos 40 (sem o sindicalis­mo) e Jane Fonda nos 60 (sem a política). As feministas de 2021 devem detestá-la. W

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