SÁBADO

Ângela Marques

- ÂNGELA MARQUES

Eu queria ser como ela e descobrir as mil e uma maneiras de cozinhar acelgas, mas, para isso, tinha de começar por conseguir distinguir acelgas de espinafres, beterrabas, couve-toscana e do que mais se parecesse com acelgas (deixaria o alho-francês de lado, não deixando de colocar a questão central: porque é que ele se chama alho mas substitui a cebola no refogado?). Parecia coisa menor e até podia parecer inveja mas não era uma coisa nem outra: eu queria aprender com ela.

E então, naquele sábado, ela disse: “Vou ensinar-te a comprar couves, anda.” Eu fui e foi como se ela me ensinasse a andar de bicicleta outra vez: primeiro deu-me a panorâmica do mercado, depois falou-me da relação qualidade/preço com todas as suas nuances (como “Biológico: sim ou sopas?”), às tantas perguntou-me se eu estava a perceber tudo (porque parecia confusa?...) e depois, sem aviso, tirou-me as rodinhas e disse “agora vai”.

Com um saco de ráfia nas mãos (que eu posso não saber o que faço mas faço questão que nunca se note), preparava-me para pegar, com um certo orgulho – como se já pudesse fazer cavalinhos – num molho de acelgas quando o dono da banca se abeirou: “As acelgas são muito versáteis, sabe?”

Olhei por cima do ombro à procura de ajuda. A minha amiga-guru fumava distraída. O dono da banca olhava-me de sobrancelh­as mais arqueadas que um arco das marchas populares e parecia desejoso de me ouvir dizer que o mundo das acelgas me era inóspito. Eu (de acelgas nas mãos), só tive coragem de responder com a pergunta “Ai é? Conte mais...”

Cinco minutos depois, já com o saco a transborda­r de couves, aproximei-me da minha amiga a sentir-me profilátic­a. Tinha comprado molhos de saúde, estava no topo do mundo. À despedida, ela não resistiu: “E então, achas que vais conseguir cozinhar isso tudo sem ajuda?” Respondi-lhe que sim, claro, mas fui para casa a pensar numa frase que ouvi um dia destes sobre o Evel Knievel, louco que fez mais de 400 fraturas a tentar acrobacias em duas rodas: ele só era pago para tentar. Eu estou a tentar. W

COM UM SACO DE RÁFIA, PREPARAVA-ME PARA PEGAR NUM MOLHO DE ACELGAS QUANDO O DONO DA BANCA SE ABEIROU

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal