Séries Análise das estreias de março, pelo crítico Pedro Marta Santos
O mês tem sido farto em estreias de séries nas plataformas de streaming, mas serão de qualidade? O crítico analisou e chegou a um veredicto: há boas surpresas.
DESDE O ADVENTO das soap operas na década de 60 que é sabido que a quantidade audiovisual não é sinónimo de qualidade. O que não significa que, na enxurrada competitiva que é o streaming, mais de meio século depois, não se encontrem fungos apetitosos no terreno.
The One (na Netflix, desde 12 de março) não é propriamente uma trufa branca, mas o conceito é de um pequeno cogumelo alucinogénio, e vicia: Rebecca Webb (Hannah Ware) e o amigo cientista James Whitting (Dimitri Leonidas) descobrem um teste genético que funciona como a dating app do paraíso dos amantes: através dele, fica a conhecer-se o par ideal, determinado pelos genes. É uma disrupção para acabar com a valsa do engate, mas a dança do destino vence, em atmosfera de thriller policial – Rebecca e James levaram à morte de Ben Naser (Amir El-Masry) antes de se tornarem mais famosos que Stephen Hawking (terá sido acidente ou assassinato?); pelo caminho, ela descobre que a sua alma gémea é Matheus Silva
The One, na Netflix, não é propriamente uma trufa branca, mas o conceito é de um pequeno cogumelo alucinogénio, e vicia. Está lá Albano Jerónimo
(Albano Jerónimo), tuga porreiraço que passa por espanhol a residir em Tenerife.
Também na Netflix, O Bando (estreia a 26 de março), produção da inglesa Drama Republic, substitui a premissa sci-fi pela realidade alternativa e sobrenatural, com um grupo de miúdos – alguns com superpoderes – a auxiliarem Sherlock Holmes
(Henry Llloyd-Hughes) e o Dr. Watson (Royce Pierreson) no esclarecimento de sombrios segredos da Londres vitoriana.
A plataforma Disney+ é a mais prolixa nestes idos de março, com séries para vários públicos. Godfather of Harlem (desde o dia 12) lança-se aos apetites criminais dos espetadores mais maduros, numa intriga rotineira mas bem executada do subgénero mafioso. Baseado em factos, é o percurso truculento e homicida de Ellsworth ‘Bumpy’ Johnson (o grande Forest Whitaker), um barão da droga do Harlem nova-iorquino no início dos anos 60 – trata-se do facínora que serviria de mentor a Frank Lucas, retratado por Denzel Washington no Gangster Americano de Ridley Scott em 2007 –, graças à pena de Chris Brancato (criador de Narcos)
e de uma milícia de veteranos das fitas sobre a Cosa Nostra, aqui adversária de Johnson (Paul Sorvino, Chazz Palminteri, Vicent D’Onofrio, a lista é longa). Black Narcissus (Disney+, desde 5 de março) serve os nostálgicos da ficção histórica com matizes exóticas e é uma nova variante da novela de 1939 de Rumer Godden, já adaptada em 1947 pelo duo Michael Powell/Emeric Pressburger na obra prima homónima, com Deborah Kerr à frente de um grupo de freiras perturbado pela sensualidade primordial de um convento nos Himalaias. O produtor Andrew McDonald é neto de Pressburger e esta minissérie de três episódios, com Gemma Arterton como cabeça de cartaz, não é medíocre, mas não deixa de ser idiota; é como ensaiar um remake de E Tudo o Vento Levou. Ainda da mansão do Rato Mickey surge The Falcon and the Winter Soldier (desde 19 março), um projeto mais caro que uma tonelada de trufas – o orçamento destes primeiros seis episódios saldou-se nos 150 milhões de dólares – e ideal para maluquinhos do
Universo Marvel, acompanhando-se Sam Wilson (Anthony Mackie) e Bucky Barnes (Sebastian Stan) na luta contra o Mal após o desfecho de Avengers: Endgame. Dirigido por Kari Skogland (The Handmaid’s Tale), será mais visto que a final do Super Bowl.
Já Genera+ion (estreou a 12 de março) é uma tentativa enérgica mas falhada da HBO de superar duas das suas melhores séries coming of age: It’s a Sin,
de Russell T. Davies (Years and Years), acerca da crise no crescimento sentimental e sexual da geração marcada pelo flagelo da sida nos anos 80, e We Are Who We Are de Luca Guadagnino (Call me By Your Name), sobre a mesma geração Z que agora vagueia em busca de significado na série em estreia, por Daniel Barnz, capaz do bom (Nunca Desistas) e do péssimo (Beastly).
Correndo-se o risco de overdose com tantos narcoléticos televisivos no mercado, talvez seja melhor optar-se pela estranheza quase experimental de Calls (Apple+, desde 19 de março), um pacote de nove chamadas telefónicas, em episódios de 12 minutos com recurso mínimo a elementos gráficos – é uma espécie de novela áudio de temor pré-apocalíptico – pelas vozes de Pedro Pascal, Lily Collins e Rosario Dawson, sob a direção do aconselhável Fede Álvarez (Don’t Breathe), ou pela rugosidade analógica de Vernon Subutex (Filmin, desde 5 de março, produzida pela Canal+), espécie de thriller da sarjeta em VHS a partir da trilogia literária de Virginie Despentes, baseado na figura anacrónica (interpretada por Romain Duris) do ex-proprietário de uma loja de discos – hoje conhecidos por vinis – que vive entre os sofás dos amigos e a rua. Sempre se respira ar fresco.
O melhor é optar-se pela estranheza quase experimental de Calls, na Apple+, um pacote de nove chamadas telefónicas, em episódios de 12 minutos