Justiça Inquérito a procuradoras que vigiaram jornalistas foi arquivado
O instrutor do Ministério Público que investigou as procuradoras que mandaram vigiar jornalistas concluiu que elas violaram deveres funcionais. O Conselho Superior do MP concordou e… mandou arquivar.
OConselho Superior do Ministério Público (CSMP) arquivou a investigação às duas procuradoras que mandaram vigiar e levantar o sigilo bancário ao jornalista e subdiretor da SÁBADO, Carlos Rodrigues Lima, por considerar que não foram violados os “deveres funcionais”. Contudo, a decisão dos membros do CSMP foi contra as conclusões do instrutor do inquérito que defendia a existência de responsabilidades disciplinares por parte das magistradas Andrea Marques e Fernanda Pêgo.
A averiguação às duas procuradoras foi aberta em janeiro por ordem da procuradora-geral da
República, Lucília Gago, na sequência de um pedido de esclarecimentos apresentado pelo Sindicato dos Jornalistas que questionava a legalidade das vigilâncias realizadas pela PSP para descobrir as fontes de informação dos repórteres que publicaram notícias sobre o chamado caso E-Toupeira. O objetivo da investigação era determinar se as vigilâncias podiam ter sido feitas “sem autorização judicial”, se elas “violaram direitos fundamentais ou o direito de acesso às fontes de informação”, se a obtenção dos elementos bancários “padece de ilegalidade” e se a matéria era suscetível de constituir “infração disciplinar”.
SOBRE AS VIGILÂNCIAS POLICIAS
Depois de considerar que a vigilância policial a jornalistas na via pública é legalmente admissível, o instrutor do processo entendeu o seguinte:
“…o despacho inicial não se mostra claro sobre o tipo de diligência policial a executar, apenas contendo a sua finalidade, assim como não se disse expressamente a possibilidade da recolha de imagens e em que termos. Ora, face ao tipo de diligência que se estava a solicitar ao órgão de polícia criminal exigia-se da parte da magistrada titular e da Sra. Diretora do DIAP, que teve conhecimento do que ia
ser ordenado, um especial dever de cuidado.
Esta falta de clareza é inaceitável visto estarmos na presença de meio intrusivo, pelo que se impunha a prolação de despacho em termos bem distintos. Ademais não foram fixados quaisquer limites à atuação policial de modo a se acautelar o respeito pelo princípio da proporcionalidade.
Por outro lado, constata-se não haver referência nos autos à virtualidade do meio de prova utilizado para se alcançar o desiderato proposto, até porque os crimes em investigação já se tinham consumado. (…) Finalmente, após a realização de algumas vigilâncias, nada se consignou sobre a necessidade do seu prosseguimento e durante quanto tempo, assim como não existiu despacho a determinar expressamente o seu termo. Também nada se consignou sobre as razões porque elas só incidiram sobre um dos jornalistas, quando existiam dois suspeitos”.
Em resumo, o inspetor do Ministério Público concluiu: “o despacho em apreço será merecedor de reparo por enfermar de vícios de falta de fundamentação e de precisão dos termos e modo da execução das diligências determinadas – ao omitir a fundamentação de facto das suspeitas que o justificam, a ponderação da sua aptidão e necessidade probatórias, a proporcionalidade da mesma face aos interesses da investigação em apreço, a indicação da duração temporal e a permissão de recolha de imagens, indicia a existência de responsabilidade disciplinar, por violação do dever de zelo”.
Contudo, o plenário do CSMP – composto por 14 procuradores (incluindo a PGR, que preside), cinco membros eleitos pela Assembleia da República e dois nomeados pela Ministra da Justiça – entendeu de forma diferente: concordou com as dúvidas do inspetor do MP, mas entendeu que não havia qualquer violação do dever de zelo. Motivo: “se a definição da estratégia processual cai na esfera da autonomia técnica do magistrado, a qualidade dos despachos proferidos reveste natureza classificativa, não cabendo aqui sindicar nenhuma delas. (…) Independentemente desta divergência, sempre se dirá que o procedimento disciplinar quanto a esta factualidade se encontra prescrito”.
SOBRE A OBTENÇÃO DE ELEMENTOS BANCÁRIOS
No seu relatório, o inspetor do MP concluiu que a procuradora Andrea Marques teria violado o dever de zelo uma vez que não tinha sido “respeitado o princípio da proporcionalidade e de os despachos proferidos não terem sido devidamente fundamentados”.
Mais uma vez, o CSMP concorda com a avaliação do inspetor, que considerou que a magistrada não “agiu com o cuidado e a ponderação que o caso exigia, nem terá ponderado se o meio era indispensável e adequado ao fim pretendido”. Contudo, o CSMP entendeu que não houve qualquer violação do dever de zelo e que o pedido de levantamento do sigilo bancário estava dentro da sua “autonomia técnica”. Motivo: a falta de fundamentação “sendo desejável e aconselhável, não é líquido que seja imprescindível. Podendo ser reprovável o posicionamento processual da magistrada na vertente em análise, entendemos que não corporiza ainda infração disciplinar.”
Conclusão do CSMP: “a errónea atuação da magistrada visada não assume relevância disciplinar devendo ser analisada e ponderada em sede classificativa, por estar em causa o mérito da sua prestação funcional, o que se justifica se considerarmos que a magistrada não é avaliada há mais de oito anos.” A consequência deste arquivamento foi também o encerramento da investigação à diretora do DIAP de Lisboa, Fernanda Pêgo, porque no processo não há indícios de que tenha tido conhecimento prévio dos despachos que ordenaram o levantamento do segredo bancário. W
Queixa
O jornalista e subdiretor da SÁBADO Carlos Rodrigues Lima apresentou queixa-crime contra a procuradora Andrea Marques