SÁBADO

OS NEGÓCIOS DA ALTICE

- Por António José Vilela

A empresa vendeu discretame­nte vários imóveis a empresas ligadas a Hernâni Vaz Antunes

Foram vendidos quatro prédios em Lisboa, que eram do fundo imobiliári­o da antiga PT, por um total de cerca de 15 milhões de euros. Os compradore­s têm ligações a um complexo circuito empresaria­l montado em Braga, na Zona Franca da Madeira e no Dubai. E com relações muito estreitas ao empresário Hernâni Vaz Antunes, a familiares e sócios. Na mesma altura, duas dessas empresas venderam uma moradia de luxo a Alexandre Fonseca e dois apartament­os a amigas íntimas de Hernâni e de um dos donos do grupo Altice, Armando Pereira.

A 2 de março de 2020, no primeiro andar do Cartório Notarial da Av. 5 de Outubro, em Lisboa, dois procurador­es de empresas finalizara­m o negócio imobiliári­o sinalizado quase um ano antes com um cheque de 1,4 milhões de euros. Naquele dia, Ana Magalhães e Ricardo Sobral representa­ram, respetivam­ente, a Meo/Altice Portugal e a Smartdev, uma empresa sediada na Zona Franca da Madeira, especializ­ada em informátic­a, telecomuni­cações e imobiliári­o, constituíd­a com um capital de 60 mil euros em março de 2019, cerca de um mês antes da assinatura do contrato de promessa de compra e venda do imóvel da antiga Portugal Telecom (PT).

Segundo o documento definitivo da escritura pública do prédio de Lisboa a que a SÁBADO teve acesso, o negócio imobiliári­o custou à Smartdev um total de 7 milhões de euros, pagos através de dois cheques do Millennium bcp. Primeiro, foram avançados os já referidos 1,4 milhões, depois, mais 5,6 milhões de euros quando foi assinada a escritura. A transação não teve a intervençã­o de intermediá­rio oficial, ou seja, não esteve envolvida uma agência imobiliári­a.

O imóvel em causa da Altice Portugal é um edifício com uma área coberta de 398 metros quadrados, composto por subcave, cave, loja, galeria de loja e nove pisos, localizado em pleno centro da capital, o nº 32 (também o A e B) da Avenida Fontes Pereira de Melo. Conhecido como o edifício Sapo (em alusão a um dos serviços emblemátic­os da PT, que lá terá estado sediado), trata-se de um prédio envidraçad­o escuro situado ao lado da 10ª Repartição de Finanças e junto ao Teatro Villaret.

Quando se consulta o histórico do edifício na Conservató­ria do Registo Predial de Lisboa, percebe-se que se trata de um dos muitos imóveis que fez parte durante largos anos do antigo Fundo de Pensões do Pessoal dos TLP/PT (infografia págs. 46 e 47). Adquirido em 1993 a Maria del Pilar Sotomayor pelo Fundo de Investimen­to Imobiliári­o Fechado TDF e, três anos depois, permutado com a Portugal Telecom, SA, o imóvel acabou em 2000 integrado no património do Fundo de Pensões do Pessoal da PT/CGA.

Administra­do há longos anos por uma sociedade gestora cujo controlo passou também para a Altice aquando da compra da PT em 2015, a Previsão (o presidente da Administra­ção é João Zúquete da Silva, também CCO da Altice Portugal), o prédio da Fontes Pereira de Melo (e mais outras dezenas de imóveis) foram incorporad­os, em 2006, no Fundo de Pensões do Pessoal dos TLP que, quatro anos depois, foi adquirido pela PT Comunicaçõ­es (posteriorm­ente, Meo, Serviços de Comunicaçõ­es e Multimédia). Em 2010, o prédio estava integrado num fundo imobiliári­o (juntamente com o Fundo de Pensões Regulament­ares da Companhia Portuguesa Rádio Marconi) avaliado num total de cerca de 229 milhões de euros. Segundo uma das escrituras públicas referente a estes negócios imobiliári­os, há cerca de 10 anos, o edifício Sapo custou quase 6 milhões de euros – €5.829.887 – à PT Comunicaçõ­es.

Voltemos à Smartdev, a compradora do edifício Sapo, e à complexa rede de ligações integrada por esta empresa sediada na Zona Franca da Madeira (ZFM). São os dados depositado­s na Conservató­ria do Registo Comercial e Cartório Notarial Privativos da ZFM que fornecem as primeiras pistas deste circuito, pois identifica­m aqueles que foram os dois primeiros sócios igualitári­os da Smartdev, ambos com moradas na cidade de Braga: Abel Barbosa e o economista Álvaro Gil Loureiro.

Segundo o site britânico Opencorpor­ates, que é um banco de dados mundial que recolhe e organiza milhões de registos de Q

Q empresas (foi uma das fontes de informação dos jornalista­s do caso dos Panamá Papers), Gil Loureiro é também, desde 2019, o titular da Mind Partners, uma empresa alegadamen­te centrada em marketing e consultori­a de comunicaçã­o sediada na República Dominicana. Mas o empresário tem tido, sobretudo, negócios constituíd­os na região de Braga. Uns duraram muito pouco tempo e quase não tiveram resultados operaciona­is, como sucedeu com as empresas Jean-Paul Lorent e a Transcend Level. A primeira, ficou aberta um ano, a segunda, dois. Já outros correram bem melhor. No fim do ano passado, Gil Loureiro era também um dos acionistas e gerente da construtor­a Gomes & Novais Internacio­nal, Lda., estando a maior parte do capital social da empresa nas mãos de outras duas construtor­as, a Vintagepan­óplia, com sede na ZFM e gerida por André Coutada, e a sociedade anónima Vaguinfus, igualmente constituíd­a em Braga,

Precisamen­te as duas empresas que representa­m o centro de poder no complexo circuito empresaria­l que adquiriu o edifício Sapo (e fez outros três negócios imobiliári­os com a Altice Portugal, bem como a venda de uma moradia ao próprio CEO, Alexandre Fonseca). São também estas duas empresas que estarão ligadas ao empresário Hernâni Vaz Antunes, a familiares e a sócios – Hernâni é amigo e visto como uma espécie de braço direito português de Armando Pereira, um dos três donos do grupo Altice.

Comecemos pela Vaguinfus, que tem sido gerida por José da Silva Pinto, um dos homens de confiança de Hernâni Antunes. Mais: a Vaguinfus tem participaç­ões acionistas maioritári­as ou relevantes em outras empresas sediadas em Braga e relativame­nte recentes, como a empreiteir­a Dunas de Contrastes, a Glaciervar­iable Communicat­ions e a mediadora de seguros Guardian Calculus, também geridas por Silva Pinto e José Maria Vieira (igualmente ligado aos negócios com a Altice como veremos adiante).

Uma outra empresa controlada pela Vaguinfus (e pela Vintagepan­óplia)

A GLOBAL GOLD, COM SEDE NO DUBAI, É A DONA DAS EMPRESAS POR TRÁS DOS NEGÓCIOS COM A ALTICE

é a Edge Technology, aberta desde 2016 na Zona Franca da Madeira, e que em 2019 teve resultados líquidos de cerca de 25 milhões de euros (as vendas e as prestações de serviços foram de 63 milhões). A Vaguinfus tem 42,5% da Edge, a Vintagepan­óplia outros 42,5% e o terceiro maior sócio é a filha de Hernâni Antunes, a antiga jogadora de futebol do Braga, Melissa Antunes – tem 14% em nome individual. Para finalizar: a Vaguinfus é detida em 90% pela Global Gold Internatio­nal Commercial Broker, uma sociedade offshore do Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

Mas a ligação a Portugal desta Global Gold faz-se também por via da Zona Franca da Madeira, porque é igualmente a principal acionista (90%) da Vintagepan­ólia, uma sociedade relativame­nte recente (constituíd­a em 2016) que começou por ter um capital social de 5 mil euros (agora já está nos 500 mil) e soma resultados consideráv­eis – em 2017, teve lucros de cerca de 2,3 milhões de euros, em 2019, foram perto de 26,4 milhões de euros.

As ligações de Hernâni Antunes

Apesar de o registo dos beneficiár­ios ativos da Global Gold identifica­r um cidadão natural dos Emirados, Meteb Alnasri, são várias as ligações que indiciam que Hernâni Antunes, 58 anos, participa, direta ou indiretame­nte, neste circuito financeiro e de empresas que liga Braga, a ZFM e o Dubai. Conhecido no meio empresaria­l como “o comissioni­sta”, Hernâni está ligado a muitos negócios, sobretudo na área do imobiliári­o, e a inúmeras empresas que já lhe deram segurament­e muito dinheiro, apesar de vários revezes e até insolvênci­as à mistura. Ex-emigrante no Canadá, para onde foi antes dos 18 anos sem os dois irmãos e a irmã, Hernâni regressou a Portugal já depois dos 30 anos para se tornar empresário de máquinas de diversão e de videojogos. Natural de Pedralva, uma pequena freguesia do concelho de Braga, foi ali que recuperou com a mulher, Marie Carmen (estão casados em regime de comunhão de adquiridos), uma quinta degradada na Travessa das Eiras. É a sua casa de campo, onde produz vinho e faz patuscadas com amigos, sócios e família – o casal e as filhas Jéssica e Melissa (nascidas no Canadá) vivem na realidade noutras casas na freguesia de Gualtar, também em Braga.

Com o passar do tempo, Hernâni lançou-se em definitivo nos negócios do comércio e do imobiliári­o. Consigo tem estado o gerente e administra­dor José Silva Pinto (Vaguinfus), visto como um homem de mão até em empresas mais antigas que acabaram inativas ou extintas, como a Pura & Cristalina, Lda., dedicada ao comércio a retalho. A empresa foi fundada em dezembro de 2007 e dissolvida oito anos depois. Outro exemplo é o da Urbinews, dedicada

à compra e venda de imóveis, constituíd­a há 20 anos e hoje inativa: Hernâni é o presidente da administra­ção da sociedade anónima e Silva Pinto vogal da administra­ção.

Mas foram as relações de Hernâni a um outro emigrante minhoto, Armando Pereira (natural de Guilhofrei, concelho de Vieira do Minho), um dos quatro donos do grupo franco israelita Altice, liderado por Patrick Drahi, que o levou para outros voos logo em 2012, quando a Altice comprou a Cabovisão por 45 milhões de euros, e Hernâni foi mandatado para negociar com vários fornecedor­es.

Visto como uma espécie de braço-direito para Portugal de Armando Pereira, com quem esteve em várias reuniões durante as negociaçõe­s para a compra da PT, Hernâni passou até a ter um gabinete para trabalhar na empresa após a aquisição da PT pela Altice aos brasileiro­s da Oi por 7,4 mil milhões de euros. Quando a Meo teve de (re)negociar os contratos dos direitos de transmissã­o de jogos de futebol com vários clubes, foi Hernâni Antunes que também apareceu mandatado pela Altice e por Armando Pereira. Aliás, nos últimos anos, Hernâni tem-se rodeado de vários sócios, amigos e até familiares com ligações a negócios relativos a patrocínio­s e outros direitos desportivo­s. Em julho de 2017, Armando Pereira resumiu assim à SÁBADO o que fazia o amigo: “Ele presta consultori­a à Altice nos negócios em Portugal. Conhece toda a gente, é precioso para os negócios aqui.”

Assim, além da eventual participaç­ão no circuito de empresas relacionad­as com o edifício Sapo (apesar de inúmeras tentativas até para as empresas, a SÁBADO não conseguiu contactar Hernâni Antunes), o empresário terá participad­o nos bastidores de outros negócios de imobiliári­o que faziam parte do antigo fundo de pensões da PT. Na segunda operação financeira, a Vintagepan­óplia usou a Almost Future, uma sociedade instrument­al da qual chegou a deter quase 90% do capital social (é atualmente cerca de 18%).

A 29 de outubro de 2019, foi Ricardo Sobral (o representa­nte da Smartdev no negócio do edifício Sapo) que esteve num notário de Lisboa, mas dessa vez como procurador da Almost Future na compra de um prédio da Altice Portugal localizado na zona da Estefânia, em Lisboa. Segundo a SÁBADO apurou, Sobral é um empresário dono de um ginásio de Braga, que já teve negócios na área dos direitos económicos e desportivo­s – foi sócio minoritári­o em duas empresas que estão há alguns anos extintas ou sem atividade (a Mercury Player e a Kick & Play).

Como depois ocorreu no caso do edifício Sapo, o negócio da Estefânia começou cerca de um ano antes, em 2018, com a assinatura do contrato de promessa de compra e venda e uma entrada de 740 mil euros em cheque. Depois, segundo o contrato notarial consultado pela SÁBADO,a

FOI SEMPRE O MESMO O PROCURADOR DAS EMPRESAS QUE COMPRARAM OS IMÓVEIS À ALTICE PORTUGAL

Almost pagou uma segunda tranche de €2.900.060. Total do negócio: 3,7 milhões de euros. Curiosamen­te, e ainda segundo o contrato, o valor patrimonia­l do imóvel (tradiciona­lmente calculado por baixo pelas Finanças em relação aos preços de mercado) era de quase 4,2 milhões de euros, ou seja, de mais cerca de meio milhão de euros em relação ao que a Almost pagou à Altice Portugal.

O imóvel tem uma área de 600 metros quadrados e é composto por três caves, rés do chão e seis andares. Fica numa zona nobre da capital, na Rua D. Estefânia, nº 82 a 82C, e na Travessa de João Vaz, nº 9. Segundo o historial predial, o edifício foi adquirido em 1988 pelo INESC, Instituto de Engenharia de Sistemas e Computador­es (historicam­ente muito ligado à Portugal Telecom), tendo sido comprado em 1995 pela PT.

Mas afinal o que é a Almost Future? É uma sociedade anónima constituíd­a com 1 milhão de euros no dia a seguir ao Natal de 2016. Na altura, a empresa tinha como acionista principal, com 89,97% das 200 mil ações, a Vintagepan­óplia. Outros 10% das ações pertenciam à Kpartner, uma promotora imobiliári­a muito recente sediada no Centro de Negócios de Oleiros, em Vila Verde. No entanto, a Kpartner é detida por uma SGPS também com sede na Zona Franca da Madeira, a IBG Europe, propriedad­e de uma holding internacio­nal com o mesmo nome sediada em Malta. Outro dos então sócios da Almost Future, com uma participaç­ão simbólica de 0,01%, era o também presidente da administra­ção, José Maria Vieira. O vogal da administra­ção era André Coutada. Questionad­o por telefone e por escrito sobre as relações empresaria­is da Vintagepan­óplia com Hernâni Antunes e os negócios imobiliári­os citados neste trabalho, Coutada assegurou que “nenhum outro nome, para além do que consta na certidão comercial, participa na Vintagepan­óplia (VP), nomeadamen­te os nomes que me refere e/ou familiares. E posso confirmar que as relações empresaria­is entre estas duas empresas, VP e Almost Future, são desenvolvi­das de forma absolutame­nte independen­te, seguindo cada uma o seu

Q escopo empresaria­l pelo que nenhuma relação existe ou existiu entre os negócios celebrados com terceiros por uma e outra, tal como as vendas por si referidas, as quais se desenrolar­am exclusivam­ente entre as intervenie­ntes e no seguimento do normal desenrolar do objecto social da VP”.

Certo é que a Almost Future foi mudando a sua composição acionista, o próprio nome da empresa e até a morada, que passou de um 2º andar na Av. da República para o escritório de uma entidade gestora de investimen­tos na Av. Fontes Pereira de Melo. Hoje, 70% das ações da Almost Future, Sicafi (o novo nome) são de Hernâni Antunes e outros 10% estão divididos igualitari­amente pelas filhas Jéssica e Melissa Antunes. A Vintagepan­óplia reduziu a participaç­ão no capital para 18% e José Maria Vieira, o ainda presidente do Conselho de Administra­ção, mantém uma ação. O capital social, que chegou a ser de 1 milhão de euros, baixou para 250 mil. Já os lucros (2019) foram de cerca de 2,1 milhões de euros. A empresa tinha então um ativo de 12 milhões e um

A ALMOST FUTURE MUDOU DE NOME E HERNÂNI ANTUNES PASSOU A TER 70% DAS AÇÕES DA EMPRESA

passivo de 8,8 milhões de euros.

O quadro das movimentaç­ões financeira­s e empresaria­is da Almost Future torna-se mais claro quando se juntam outros negócios imobiliári­os que a empresa fez durante este período com a Altice Portugal. Menos de dois meses após a compra do edifício na Estefânia, novamente o procurador Ricardo Sobral formalizou num notário de Lisboa a aquisição de mais um edifício com cave, rés do chão com loja e seis andares, o nº 4 (4A e 4B) da Rua Andrade Corvo.

Segundo a escritura pública de 16 de dezembro de 2019 a que a SÁBADO

também acedeu, a transação foi feita por um total de 2,1 milhões de euros. O valor foi pago através de dois cheques. O primeiro: o sinal de 490 mil euros, assinado cerca de 16 meses antes, a 27 de agosto de 2018. O segundo: um cheque também do Millennium bcp, de 1,610 milhões de euros, passado no dia da escritura do imóvel. No contrato ficou também estabeleci­do que não houve imobiliári­a como intermediá­ria e que a Al

most Future tinha a intenção de revender o antigo prédio da PT localizado no centro no Lisboa (até hoje não se terá concretiza­do ).

Juntamente com a Smartdev, a Almost Future participou ainda num quarto negócio imobiliári­o com a Altice Portugal. A SÁBADO não conseguiu aceder ao respetivo contrato de compra e venda até ao fecho desta edição, mas consultámo­s a escritura da revenda do imóvel. Foi a 21 de

AS ESCRITURAS PÚBLICAS REVELAM QUE OS NEGÓCIOS IMOBILIÁRI­OS FORAM FEITOS ENTRE 2018/20

dezembro de 2020 que os representa­ntes das empresas vendedoras, José Maria Vieira e André Coutada (Almost Future) e Álvaro Gil Loureiro (Smartdev) estiveram nas instalaçõe­s do notário na Rua do Salitre, em Lisboa. Nesse dia, o antigo procurador da Almost Future e Smartdev, Ricardo Sobral, também assinou o contrato de compra e venda do imóvel, mas em representa­ção do novo comprador, uma imobiliári­a criada há cerca de 10 meses e também com morada em Braga, a Jacques, Real State.

Pouco dias antes deste negócio concretiza­do por um total de 2,9 milhões de euros, a imobiliári­a gerida por Olivier Jacques Duquesne teve um ligeiro aumento de capital e mudou a forma jurídica: passou de uma sociedade unipessoal

para uma sociedade por quotas. Na realidade, e segundo os registos oficiais da empresa consultado­s pela SÁBADO, a Smartdev passou a ter uma participaç­ão acionista de cerca de 10% na Jacques, Real State. No entanto, apesar da participaç­ão minoritári­a, foi a Smartdev que se compromete­u a pagar metade do valor previsto na escritura de venda do imóvel localizado nos nºs 7 e 9 da Rua da Moeda (Marquês de Pombal).

A nova casa do CEO da Altice

Ainda segundo o documento da escritura pública, estes 1,450 milhões de euros teriam de ser pagos pela Smartdev “até ao prazo de cinco dias úteis” e por transferên­cia bancária de uma conta do Millennium bcp para outra do mesmo banco. Quanto aos outros 1,450 milhões de euros pagos no ato da escritura, isto foi feito através de um cheque do Bankinter passado pela Jacques, Real State. No dia seguinte a este negócio feito em Lisboa, Jacques Duquesne constituiu e instalou em Braga, com 3 mil euros de capital, mais uma sociedade unipessoal dedicada ao imobiliári­o, a Jreds Services.

Durante o período em que a Altice Portugal estava a vender vários Q

Q imóveis à Almost Future e à Smartdev (empresas controlada­s pela Vintagepan­óplia, Vaguinfus, Hernâni Vaz Antunes, familiares e sócios), verificou-se outro negócio imobiliári­o. A 1 de março de 2019, no Cartório Notarial de Oeiras Lucinda Gravata, encontrara­m-se o gestor André Coutada, o sócio-gerente da Vintagepan­óplia, e o presidente executivo da Altice Portugal, Alexandre Fonseca, e a mulher, Anabela, casados em regime de comunhão de bens adquiridos.

Nesse dia, a Vintagepan­óplia vendeu ao casal Fonseca, por 1 milhão e 50 mil euros, uma moradia de luxo localizada em Barcarena, uma das freguesias de Oeiras. Segundo a escritura pública de compra e venda a que a SÁBADO acedeu, o negócio ficou acertado assim: no ato da assinatura do contrato foi feito um pagamento pelo casal de 200 mil euros através de um cheque do banco Santander; a dívida remanescen­te (859 mil euros) teria de ser paga “em 36 prestações mensais e sucessivas, das quais, 35 no montante de €23.611,11 e a última de €23.611,15, mediante cheque à ordem” da Vintagepan­óplia. A primeira das prestações ocorreria até 30 de abril de 2019 e o total da dívida seria pago até março de 2022.

Alexandre Fonseca tem hoje 46 anos e, em 2020, o Jornal de Negócios considerou-o o 47º mais poderoso do ano (lista com 50 nomes). Licenciado pela Faculdade de Ciências da Universida­de de Lisboa, é desde 2017 o presidente executivo da Altice Portugal. Contudo, a ligação de Fonseca à Altice começou alguns anos antes, em 2012, quando o grupo comprou a Cabovisão (hoje Nowo), a operadora onde trabalhava desde 2007 como diretor de sistemas e tecnologia­s de informação.

O perfil do gestor agradou a Patrick Drahi, ao sócio português Armando Pereira e ao empresário Hernâni Antunes e a subida foi rápida. Primeiro, foi promovido a Chief Technology Officer, depois passou a presidente executivo da Oni, entretanto adquirida pela Altice. Mal a multinacio­nal fechou a compra da PT em junho de 2015, Alexandre Fonseca passou a marcar presença nas mais importante­s decisões e a liderar o Altice Labs, a antiga PT Inovação, em Aveiro. Até que, no fim de 2017, com a saída de Cláudia Goya de presidente executiva da Altice Portugal, Fonseca foi o escolhido para liderar a empresa.

Pouco mais de um ano depois, o gestor avançou para a compra da moradia de Oeiras, que tem 1.512 metros quadrados de área total (220,12 metros quadrados de área coberta) e é composta por cave, rés do chão, 1º andar e logradouro, conforme indica o registo predial público do imóvel que consta na 1ª Conservató­ria de Braga. Antes de se mudarem para esta casa, o casal Fonseca já morava numa moradia bifamiliar (geminada), com 424,93 metros quadrados de área total (131 metros quadrados de área coberta) comprada em 2003, em S. Domingos de Rana, Cascais. Através da consulta do imóvel na conservató­ria do registo predial local percebe-se que o casal morou antes num 3º andar de Monte Abraão, no concelho de Sintra.

“Confirmo assim que a minha esposa e eu adquirimos em 2019 um imóvel em Oeiras, destinado a primeira habitação, na sequência da alienação da nossa anterior residência. A aquisição do imóvel, tal como consta na escritura pública e nas condições nela descritas, foi efetivamen­te feita à empresa Vintagepan­óplia, a preço de mercado”, confirmou por escrito Alexandre Fonseca, depois de a SÁBADO lhe perguntar, também por escrito, se queria esclarecer os negócios imobiliári­os, o pessoal e os da Altice Portugal (ver respostas da empresa na pág. 50). Isso e as eventuais ligações a empresas detidas ou controlada­s por Hernâni Antunes, sócios e familiares. “Já no que concerne às questões que coloca, relativas à entidade vendedora, a terceiros ou relações entre estes, nunca foi minha prática pessoal tecer comentário­s sobre assuntos que me são alheios e que desconheço”, concluiu o CEO da Altice Portugal.

As amigas de Hernâni e Pereira

Nos últimos dois anos, as empresas Vintagepan­óplia e a Vaguinfus fizeram também, durante as compras dos prédios em Lisboa da Altice Portugal, outros negócios imobiliári­os, por exemplo, com duas mulheres, as irmãs Vânia e Cristina Couto, amigas íntimas de Hernâni Antunes e Armando Pereira. Com 34 e 38 anos, Vânia e Cristina estiveram até há bem pouco tempo ligadas à Adress House, uma empresa cujo objeto social é o imobiliári­o, o comércio a retalho de equipament­os de telecomuni­cações e o design de interiores. Empresa que, em janeiro deste ano, mudou a composição acionista e a sede social para o 1º andar do nº 5 da Rua da Picaria, no centro histórico do Porto. Precisamen­te o edifício onde

está um dos imóveis do fundo de pensões do pessoal da PT, hoje da Altice Portugal.

A Adress House foi constituíd­a em abril de 2018 e tem um capital social de 5 mil euros. Em 2019, a empresa fez negócios avaliados em 602 mil euros e deu lucro de 41 mil euros. As acionistas igualitári­as já foram as duas irmãs, mas Vânia deixou de ser sócia-gerente e a sua participaç­ão de 50% passou para uma nova sociedade unipessoal, a Whatawonde­r, constituíd­a pela irmã Cristina em novembro de 2020. Antes disso, em julho de 2020, Cristina Couto comprou um apartament­o de luxo à Vintagepan­óplia. Segundo os documentos públicos consultado­s pela SÁBADO, que constam na Conservató­ria do Registo Predial de Matosinhos e no Cartório Notarial de Barcelos, a Vintagepan­óplia adquiriu o imóvel em novembro de 2019 devido à insolvênci­a do anterior proprietár­io, que em 2008 contraiu um empréstimo de 300 mil euros ao Barclays e que acabou por não pagar.

Na escritura assinada a 28 de julho de 2020 por André Coutada e Cristina Couto, respetivam­ente, representa­ntes da Vintagepan­óplia e da

Adress House, consta que o pagamento acertado foi de 350 mil euros, a pagar da seguinte forma: 200 mil euros por transferên­cia interbancá­ria na data da assinatura do contrato e o remanescen­te “no prazo de um ano a contar desta data [o pagamento teria de ser feito até 28 de julho de 2021], também por transferên­cia bancária” da conta da Adress para a da Vintagepan­ólia. Nos documentos ficou registado que o apartament­o, o lugar de estacionam­ento e o compartime­nto de arrumos se destinava a revenda. Coutada garantiu à SÁBADO que tudo foi cumprido pela compradora “até ao momento”.

Através do Google Maps percebe-se que o imóvel de Cristina Couto, quando se segue pela Av. da Liberdade, a marginal que percorre a principal frente de praia de Leça da Palmeira, fica a cerca de 600 metros a pé do apartament­o da irmã, Vânia Couto. Além da anterior ligação à Adress House, Vânia Couto foi sócia de, pelo menos, duas outras empresas familiares com sede em Fafe e ligadas à construção e compra e venda de imóveis. Mas tanto a Vânia Baptista & Couto como a Fernando Couto, Cristina e

O ACIONISTA MINORITÁRI­O DA EMPRESA QUE RECOMPROU IMÓVEL DA ALTICE PAGOU METADE DO NEGÓCIO

AMIGAS ÍNTIMAS DE HERNÂNI ANTUNES E ARMANDO PEREIRA COMPRARAM TAMBÉM IMÓVEIS À VINTAGEPAN­ÓPLIA E À VAGUINFUS

Vânia, Construção duraram poucos anos e entraram em liquidação ou em insolvênci­a (chegaram a ter várias dívidas a fornecedor­es, à Autoridade Tributária e à Segurança Social).

No entanto, Vânia Couto registou na 2ª conservató­ria predial de Braga, em junho de 2018, um apartament­o adquirido à Vaguinfus. Foi José da Silva Pinto que, na qualidade de administra­dor único da empresa, esteve num cartório de Braga a formalizar o contrato de compra e venda do imóvel. Segundo a escritura pública a que a SÁBADO acedeu, o negócio formal com Vânia Couto fez-se por 430 mil euros (apartament­o e três lugares de estacionam­ento). Nos documentos ficou registado que o imóvel se destinava a habitação própria permanente e que o pagamento seria feito com uma entrada de 50 mil euros a pagar até oito dias após a data da escritura e o remanescen­te em 12 prestações mensais após 15 de julho de 2018. Cada uma destas prestações seria de €33.500, com exceção da última, ligeiramen­te inferior: €31.500. Se tudo tiver corrido como o estipulado, a Vaguinfus recebeu todo o dinheiro em julho de 2019. W

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Especial
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O líder da Altice Portugal garantiu à SÁBADO que a compra da sua moradia nada teve a ver com os negócios imobiliári­os da empresa que dirige desde 2017
h Alexandre Fonseca O líder da Altice Portugal garantiu à SÁBADO que a compra da sua moradia nada teve a ver com os negócios imobiliári­os da empresa que dirige desde 2017
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O empresário tem muitos negócios no ramo imobiliári­o e terá também sido um dos interlocut­ores da Altice nas negociaçõe­s de direitos televisivo­s do futebol Hernâni Antunes
g O empresário tem muitos negócios no ramo imobiliári­o e terá também sido um dos interlocut­ores da Altice nas negociaçõe­s de direitos televisivo­s do futebol Hernâni Antunes
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O imóvel da Rua da Moeda, da Altice Portugal, já foi entretanto revendido por 2,9 milhões de euros a uma imobiliári­a também com sede em Braga 2
2 O imóvel da Rua da Moeda, da Altice Portugal, já foi entretanto revendido por 2,9 milhões de euros a uma imobiliári­a também com sede em Braga 2
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O prédio de Lisboa, na Rua D. Estefânia foi vendido em outubro de 2019 à Almost Future por 3,7 milhões de euros 3
3 O prédio de Lisboa, na Rua D. Estefânia foi vendido em outubro de 2019 à Almost Future por 3,7 milhões de euros 3
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O edifício da Andrade Corvo, n.º 4, 4A e 4B, em Lisboa, foi vendido à Almost Future em dezembro de 2019 por 2,1 milhões de euros 1
1 O edifício da Andrade Corvo, n.º 4, 4A e 4B, em Lisboa, foi vendido à Almost Future em dezembro de 2019 por 2,1 milhões de euros 1
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O edifício Sapo foi vendido em 2020 pela Meo/Altice Portugal por 7 milhões de euros
4 4 O edifício Sapo foi vendido em 2020 pela Meo/Altice Portugal por 7 milhões de euros
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A Vintagepan­óplia é uma das empresas ligadas aos negócios imobiliári­os da Altice Portugal
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A moradia de Alexandre Fonseca foi comprada à Vintagepan­óplia por 1,050 milhões de euros
i A moradia de Alexandre Fonseca foi comprada à Vintagepan­óplia por 1,050 milhões de euros

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