JOÃO PEREIRA COUTINHO
AS FAKE NEWS SÃO UM PROBLEMA. Li algures que o Presidente da República anda tristonho porque o governo não avançou para uma nova lei de emergência sanitária, como gostariam Ana Gomes e André Ventura (les beaux esprits...). O objectivo da lei era dispensar o recurso ao estado de emergência, que se “banaliza” de tanto uso.
Confesso que ri. Se o estado de emergência se “banaliza”, isso tem bom remédio: deixar de o usar, até porque a situação sanitária mudou e as restrições em que vivemos já cheiram a paranóia. Mas em que mundo é que um Presidente prescinde dos seus poderes quando está em causa a suspensão de direitos fundamentais? E em que mundo é que um Presidente, ao arrepio da Constituição que jurou defender, cumprir e fazer cumprir, concede ao Governo um poder absoluto para pôr e dispor da vida dos portugueses sem dar contas ao vigário?
Verdade que, em teoria, uma lei dessas dispensaria o Presidente de ver o seu nome associado aos prodígios do Executivo; seria, por assim dizer, um alívio e uma carta de alforria. Mas, na prática, só por piada isto continuaria a ser uma democracia liberal. Seria, quando muito, uma democracia iliberal, daquelas que o sr. Orbán gosta de praticar lá na Hungria.
Belém que se imponha contra os farsantes. Maroteiras destas não se fazem a um Presidente.
AGORA QUE SE FALA DISSO, nunca pertenci a nenhum clube. Nem secreto, nem público. Se tivesse que escolher, talvez optasse pela Associação Portuguesa dos Amigos da Sesta, que tem feito um trabalho notável em prol da modalidade. Mas o meu marxismo, versão Groucho, sempre me afastou de clubes que me aceitariam como membro.
De resto, e em matéria de aventais, confesso que os uso: em casa. Não para obter tachos, mas precisamente para lidar com eles. Isto significa que políticos membros da Maçonaria, ou de outras agremiações semelhantes, devem ser obrigados a declarar onde passam as suas horas livres?
Absurdo. Perigoso e absurdo. Para começar, sempre olhei para a Maçonaria como uma nostalgia de infância: quem, na idade adulta, nunca sentiu saudades daqueles tempos heróicos em que havia uma casa na árvore, cumprimentos secretos e vestimentas bizarras?
Numa sociedade livre, cada um entretém-se como entende. E se o argumento do PSD é evitar a corrupção e o tráfico de influências, existem leis e tribunais para isso. Que ambos não sejam tão eficazes como o PSD gostaria, eis um problema a ser resolvido no parlamento – e não pela espiolhagem e pela difamação.
Até porque o espírito inquisitorial pode não parar na Maçonaria – e avançar sempre, e cada vez mais, para qualquer manifestação de privacidade que ocorra longe dos olhos do Estado.
QUEM DIRIA QUE AS CAMISOLAS POVEIRAS dariam tanto que falar? Uma estilista norte-americana andava a vendê-las, ou a imitá-las, por 695 euros à peça. Não ficou por aqui. Neste amor acrisolado pela Pátria, também tinha na montra as famosas louças Bordallo Pinheiro (mas não as congéneres das Caldas, talvez por temer represálias nestes tempos de MeToo).
Perante isto, não me espantaria que a fábrica Bordallo Pinheiro exigisse os direitos respectivos. Mas procurar punir a desgraçada mulher “por vias judiciais e extrajudiciais”, sobretudo por causa das camisolas?
Assim falou a ministra da Cultura, que deve ter na cabeça as últimas teorias da “apropriação cultural”. Segundo essa moda, as culturas são lugares fechados e estanques, sem abertura para imitar, experimentar ou até evocar culturas terceiras. Se eu sou branco e poveiro, não me assiste andar por aí vestido de mexicano, com um poncho e um sombrero. Não porque isso seria ridículo; mas porque não sou mexicano. Como poveiro, devo resumir-me às camisolas, ainda que faça a mesma figura.
Este raciocínio é a negação absoluta da história da arte e da cultura, que sempre se fez em diálogo permanente com tradições diversas. É, no fundo, regressar a concepções culturais “autênticas” e “purificadas”, longe da “degeneração”, que tão boas memórias nos deixaram. W