Os memes (e quem os faz) que brincam com a política
“PUBLICO ALGUMA COISA E DIZEM QUE SOU COMUNISTA OU FASCISTA”, DIZ ALEXANDRE MARTINS
Alguns dos melhores momentos de humor associado à política portuguesa acontecem online. Partilhados e comentados uma e outra vez, os memes entraram na rotina de grupos de WhatsApp, murais de Facebook ou feeds de Twitter. Geram discussão, ódios, amores e sorrisos. Ninguém fica imune.
Das sátiras de Rafael Bordallo Pinheiro no final do século XIX, contra o Rei e a favor da República, aos memes da Internet sobre tudo e mais alguma coisa, vão quase 150 anos de distância. A relação entre humor e política não mudou assim tanto, antes evoluiu naturalmente. Alexandre Martins tem 45 anos e começou a interessar-se, primeiro, pelo humor escrito, antes de se render às imagens. Woody Allen e Monty Python foram – são – as primeiras influências. O acesso à Internet há 20 ou 30 anos não era o mesmo de hoje, por isso começou por fazer algumas colaborações para o jornal humorístico Inimigo Público e para a revista GQ. “Não era para ganhar dinheiro, era pela piada da coisa. Há três anos comecei com as imagens, mas continuo sem ganhar nada com isto”, diz Alexandre, jornalista de profissão.
As imagens que refere são os famosos memes, “unidade de informação cultural difundida pela imitação”, segundo a Enciclopédia Britânica. A expressão vem do grego mimema, imitado. Cada meme que Alexandre Martins partilha no Facebook
é feito no telemóvel, com aplicações preparadas para montagens e tratamento de imagem. “Como estou muito atento à realidade, surge uma ideia e em 10 ou 15 minutos partilho. Não perco muito tempo”, garante. Começou por brincadeira com imagens do Presidente da República colado a obras de arte conhecidas de todos. “Senti que havia uma certa falta deste tipo de abordagem. Quando brinco com um político, não quero saber se ele vai perder as eleições, tento explorar aquele momento, não tenho uma agenda política.”
Com convicções políticas bem definidas na partilha de ilustrações nas redes sociais está Pedro Vieira. Ou Irmão Lúcia, como se assume na Net. É escritor, apresentador de
televisão, guionista, DJ e responsável pela comunicação do Cinema São Jorge, em Lisboa. Participou nas primárias do Livre, apoiou publicamente o candidato do PCP às presidenciais, João Ferreira, e quando desenha não despe a camisola: “É político, reflete as minhas convicções e é uma coisa consciente. Temos as nossas proximidades eleitorais e naturalmente vou escolher os adversários. Acho que é melhor as pessoas perceberem logo a minha linha política, para ser transparente. Ao mesmo tempo gosto que, a dado momento, seja desconcertante.”
Pedro sempre gostou de desenhar, de fazer ilustrações e foi com os blogues que começou a partilhar os seus trabalhos. “É uma maneira de me expressar porque às vezes funciona melhor do que escrever. Gosto de coisas com capacidade de síntese e as imagens fazem isso, gosto de brincar com referências visuais, deturpar obras de arte ou usar fotografias históricas e adaptar ao presente. As redes sociais acabaram por substituir a blogosfera. E o alcance é maior, como se acaba por perceber.”
Alexandre Martins vê muitos mal-entendidos nas redes sociais: “Publico alguma coisa e dizem que sou comunista ou fascista, mas faço-o sempre pela sátira. Não quero saber se o Marcelo andou 20 anos a treinar as pessoas pela TVI, foi eleito, é um facto. É um Presidente pop com abraços e beijinhos e aquilo tem um potencial humorístico enorme. Não é sobre a minha opinião do Marcelo.
Nas redes, as pessoas não entendem isso, é complicado.” O Presidente parece ter entendido, continua Alexandre: “Uma pessoa do gabinete do PR disse-me por mensagem que gostava muito e que o Presidente também gostava. Vale o que vale, não sei se é bom para os humoristas dizer que os visados gostam, mas eu não sou humorista.”
Pedro Vieira não teve tanta sorte. Um meme com o deputado do CDS Nuno Melo no mar Mediterrâneo (aquando do início da crise dos refugiados) valeu-lhe críticas: “Ele ficou um bocado chateado e ameaçou com um processo e umas ameaças no Twitter. Entretanto, não teve mais consequências. Se calhar, ficou mesmo chateado, mas prevalece o gozo.” Quanto a haters: “Há sempre dois ou três marretas que se vêm meter comigo e dizem que sou avençado do PS. Eu, que nunca votei no PS. É curioso que, quando faço coisas que visam o PS, há um silêncio. Haters não tenho, quando acontece algum comentário desses, não respondo porque é a lógica de alimentar o monstro e não quero dar relevância a disparates nem dar importância que não merecem.” Alexandre e Pedro não são casos raros. Insónias em Carvão, Salsaparrilha ou Rui Rocha são outros bons exemplos da criatividade digital aplicada à sátira política, como se pode também comprovar nestas páginas. Em comum, todos têm o condão de aproveitar o momento, de ser diretos e mordazes. Doa a quem doer. Ninguém escapa ileso, da direita à esquerda, do centro aos extremos. Hoje, tal como há 150 anos. W
“HÁ SEMPRE DOIS OU TRÊS MARRETAS QUE SE VÊM METER COMIGO”, CONFESSA PEDRO VIEIRA