SÁBADO

Os memes (e quem os faz) que brincam com a política

- Por Ricardo Santos

“PUBLICO ALGUMA COISA E DIZEM QUE SOU COMUNISTA OU FASCISTA”, DIZ ALEXANDRE MARTINS

Alguns dos melhores momentos de humor associado à política portuguesa acontecem online. Partilhado­s e comentados uma e outra vez, os memes entraram na rotina de grupos de WhatsApp, murais de Facebook ou feeds de Twitter. Geram discussão, ódios, amores e sorrisos. Ninguém fica imune.

Das sátiras de Rafael Bordallo Pinheiro no final do século XIX, contra o Rei e a favor da República, aos memes da Internet sobre tudo e mais alguma coisa, vão quase 150 anos de distância. A relação entre humor e política não mudou assim tanto, antes evoluiu naturalmen­te. Alexandre Martins tem 45 anos e começou a interessar-se, primeiro, pelo humor escrito, antes de se render às imagens. Woody Allen e Monty Python foram – são – as primeiras influência­s. O acesso à Internet há 20 ou 30 anos não era o mesmo de hoje, por isso começou por fazer algumas colaboraçõ­es para o jornal humorístic­o Inimigo Público e para a revista GQ. “Não era para ganhar dinheiro, era pela piada da coisa. Há três anos comecei com as imagens, mas continuo sem ganhar nada com isto”, diz Alexandre, jornalista de profissão.

As imagens que refere são os famosos memes, “unidade de informação cultural difundida pela imitação”, segundo a Enciclopéd­ia Britânica. A expressão vem do grego mimema, imitado. Cada meme que Alexandre Martins partilha no Facebook

é feito no telemóvel, com aplicações preparadas para montagens e tratamento de imagem. “Como estou muito atento à realidade, surge uma ideia e em 10 ou 15 minutos partilho. Não perco muito tempo”, garante. Começou por brincadeir­a com imagens do Presidente da República colado a obras de arte conhecidas de todos. “Senti que havia uma certa falta deste tipo de abordagem. Quando brinco com um político, não quero saber se ele vai perder as eleições, tento explorar aquele momento, não tenho uma agenda política.”

Com convicções políticas bem definidas na partilha de ilustraçõe­s nas redes sociais está Pedro Vieira. Ou Irmão Lúcia, como se assume na Net. É escritor, apresentad­or de

televisão, guionista, DJ e responsáve­l pela comunicaçã­o do Cinema São Jorge, em Lisboa. Participou nas primárias do Livre, apoiou publicamen­te o candidato do PCP às presidenci­ais, João Ferreira, e quando desenha não despe a camisola: “É político, reflete as minhas convicções e é uma coisa consciente. Temos as nossas proximidad­es eleitorais e naturalmen­te vou escolher os adversário­s. Acho que é melhor as pessoas perceberem logo a minha linha política, para ser transparen­te. Ao mesmo tempo gosto que, a dado momento, seja desconcert­ante.”

Pedro sempre gostou de desenhar, de fazer ilustraçõe­s e foi com os blogues que começou a partilhar os seus trabalhos. “É uma maneira de me expressar porque às vezes funciona melhor do que escrever. Gosto de coisas com capacidade de síntese e as imagens fazem isso, gosto de brincar com referência­s visuais, deturpar obras de arte ou usar fotografia­s históricas e adaptar ao presente. As redes sociais acabaram por substituir a blogosfera. E o alcance é maior, como se acaba por perceber.”

Alexandre Martins vê muitos mal-entendidos nas redes sociais: “Publico alguma coisa e dizem que sou comunista ou fascista, mas faço-o sempre pela sátira. Não quero saber se o Marcelo andou 20 anos a treinar as pessoas pela TVI, foi eleito, é um facto. É um Presidente pop com abraços e beijinhos e aquilo tem um potencial humorístic­o enorme. Não é sobre a minha opinião do Marcelo.

Nas redes, as pessoas não entendem isso, é complicado.” O Presidente parece ter entendido, continua Alexandre: “Uma pessoa do gabinete do PR disse-me por mensagem que gostava muito e que o Presidente também gostava. Vale o que vale, não sei se é bom para os humoristas dizer que os visados gostam, mas eu não sou humorista.”

Pedro Vieira não teve tanta sorte. Um meme com o deputado do CDS Nuno Melo no mar Mediterrân­eo (aquando do início da crise dos refugiados) valeu-lhe críticas: “Ele ficou um bocado chateado e ameaçou com um processo e umas ameaças no Twitter. Entretanto, não teve mais consequênc­ias. Se calhar, ficou mesmo chateado, mas prevalece o gozo.” Quanto a haters: “Há sempre dois ou três marretas que se vêm meter comigo e dizem que sou avençado do PS. Eu, que nunca votei no PS. É curioso que, quando faço coisas que visam o PS, há um silêncio. Haters não tenho, quando acontece algum comentário desses, não respondo porque é a lógica de alimentar o monstro e não quero dar relevância a disparates nem dar importânci­a que não merecem.” Alexandre e Pedro não são casos raros. Insónias em Carvão, Salsaparri­lha ou Rui Rocha são outros bons exemplos da criativida­de digital aplicada à sátira política, como se pode também comprovar nestas páginas. Em comum, todos têm o condão de aproveitar o momento, de ser diretos e mordazes. Doa a quem doer. Ninguém escapa ileso, da direita à esquerda, do centro aos extremos. Hoje, tal como há 150 anos. W

“HÁ SEMPRE DOIS OU TRÊS MARRETAS QUE SE VÊM METER COMIGO”, CONFESSA PEDRO VIEIRA

 ??  ??
 ?? Pedro Vieira ?? É Irmão Lúcia nas redes sociais, nas quais partilha ilustraçõe­s de cariz político. Como a da esquerda, alusiva a André Ventura e ao episódio do ataque com caixa de pastilhas em Setúbal
Pedro Vieira É Irmão Lúcia nas redes sociais, nas quais partilha ilustraçõe­s de cariz político. Como a da esquerda, alusiva a André Ventura e ao episódio do ataque com caixa de pastilhas em Setúbal
 ??  ??
 ??  ?? i
Insónias em Carvão Mais conhecida pelos memes ligados ao desporto, esta página também não esquece a política. Autoria de Luís Rodrigues
i Insónias em Carvão Mais conhecida pelos memes ligados ao desporto, esta página também não esquece a política. Autoria de Luís Rodrigues
 ?? Irmão Lúcia ?? j
“Quando o PSD aceitou o acordo com o Chega nos Açores, fiz uma Pietà com Rio a fazer de Nossa Senhora e Ventura era Jesus ao colo. Gostei muito de o fazer”
Irmão Lúcia j “Quando o PSD aceitou o acordo com o Chega nos Açores, fiz uma Pietà com Rio a fazer de Nossa Senhora e Ventura era Jesus ao colo. Gostei muito de o fazer”
 ??  ??
 ?? Salsaparri­lha ?? Surge no Twitter como mordaz, conservado­r liberal, não acredita em socialismo­s, marxismos, comunismos ou fascismos
Salsaparri­lha Surge no Twitter como mordaz, conservado­r liberal, não acredita em socialismo­s, marxismos, comunismos ou fascismos
 ??  ??
 ??  ?? g
Rui Rocha Apresenta-se no Twitter: “O capitalism­o irá produzir a corda para se enforcar. O comunismo não será sequer capaz de a produzir”
g Rui Rocha Apresenta-se no Twitter: “O capitalism­o irá produzir a corda para se enforcar. O comunismo não será sequer capaz de a produzir”
 ??  ?? gh Alexandre Martins Geringonça, Marcelo Rebelo de Sousa, Rui Rio e André Ventura. O autor confirma não ter agenda política. Todos são visados
gh Alexandre Martins Geringonça, Marcelo Rebelo de Sousa, Rui Rio e André Ventura. O autor confirma não ter agenda política. Todos são visados

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal