Há quem já só queira empregos, psicólogos e exercício virtual
O trabalho remoto é a face mais visível da pandemia, mas a vida digital veio para ficar: há quem já só vá ao psicólogo online ou dispense voltar às aulas de ioga presenciais. Consultores de teletrabalho? Também existem.
Durante vários anos, Gonçalo Hall viajou e trabalhou por todo o mundo. Um computador e uma ligação à Internet era o que bastava para conseguir rendimentos e seguir viagem. No ano passado, quando a pandemia atingiu a Europa, estava em Portugal – e passou a trabalhar 17 horas por dia. Formado em Marketing, tornou-se consultor com uma função decisiva em tempo de confinamento obrigatório: ajudar empresas a implementar modelos de trabalho remoto. “Vivi na Indonésia, Tailândia, Malásia, Vietname. Na altura trabalhava a tempo inteiro com a Remote How, uma empresa especializada em teletrabalho e trabalho remoto. Fazia prospeção de mercado”, conta à SÁBADO a partir da Madeira, onde está atualmente a desenvolver a Digital Nomad Village, um projeto que pretende colocar a ilha portuguesa na rota dos nómadas digitais.
Se a pandemia trocou as voltas a quase toda a gente, a necessidade súbita de adaptação foi uma oportunidade imperdível para Gonçalo Hall. Tinha deixado recentemente a Remote How para avançar com o seu projeto de implementar novos modelos de trabalho nas empresas. O timing foi quase perfeito: “Percebi que em pouco tempo íamos dar um salto de 10 anos numa tendência que já existia. O segundo confinamento foi a confirmação destes novos modelos de trabalho.”
A Fullsix, por exemplo, agência digital de referência em Portugal, mandou os seus 150 funcionários para casa. Um deles foi o responsável de Inovação e Tecnologia, Nuno Inácio, que vive atualmente em Constância, uma vila no Ribatejo. “Vivia em Cascais, trabalhava em Oeiras, mas isto deixou de fazer sentido”, conta à SÁBADO.
A mudança para o interior foi decidida pouco antes da pandemia, mas o modelo de teletrabalho foi verdadeiramente implementado “quando a empresa se viu privada dos seus colaboradores”, em virtude do estado de emergência e do confinamento obrigatório. “No início foi toda a gente um pouco forçada a ir para casa, não houve margem porque fomos obrigados. Mas a verdade é que algumas pessoas decidiram voltar às suas origens, encontrar qualidade de vida noutros pontos do País.” Este modelo, diz Nuno Inácio,
ISABEL ESTRANHOU AS PRIMEIRAS CONSULTAS ONLINE COM A PSICÓLOGA. AGORA ATÉ PREFERE ASSIM
“vai vigorar no pós-pandemia”. Ou seja, a empresa já não voltará ao regime presencial. E foi Gonçalo Hall que mpreparou a empresa para enviar os seus profissionais para casa.
Mas a vida ao alcance de um ecrã e de uma ligação de Internet não se resume ao trabalho. Isabel, 39 anos, responsável pelo departamento de qualidade numa indústria do ramo alimentar, não teve oportunidade de ficar em teletrabalho – a empresa e o tipo de negócio não são compatíveis com o trabalho remoto. Mas a pandemia induziu novas experiências na sua vida que eram uma exceção na era pré-Covid. Seguida por uma psicóloga há seis anos, tinha feito uma sessão por Skype e não gostara da experiência. “Essa primeira vez foi um pouco estranho. Senti-me esquisita naquela forma de comunicar, a terapeuta do outro lado do ecrã e não numa cadeira à minha frente”, conta à SÁBADO.
Com a pandemia tudo mudou, incluindo a estranheza das primeiras sessões online. “Agora até prefiro. Dá-me mais liberdade de horário, consigo mais facilmente não chegar
ANA GUERREIRO SÓ VÊ VANTAGENS EM FAZER IOGA ONLINE ATÉ O FILHO MAIS VELHO PARTICIPA NAS AULAS
atrasada à consulta e tem sido mais fácil gerir o tempo. Por vezes, quando não é possível durante a semana, fazemos uma sessão ao sábado”, explica Isabel, que deverá manter as consultas digitais no pós-Covid. Com a pandemia passou também a fazer entrevistas de trabalho por Zoom, auditorias digitais, reuniões com fornecedores em frente a um computador, consultas médicas.
Exercício só na sala ou quarto
Patrícia Antunes, 52 anos, gestora de redes sociais numa multinacional, não deixou de fazer compras no supermercado, mas passou a encomendar os produtos naturais que consome, em vez de ir às farmácias da especialidade e a lojas de nutrição. “Suplementos alimentares, óleos essenciais, vitaminas, compro tudo online. Alguns são até mais baratos e as entregas também ficaram facilitadas. Da mesma forma que deixei de comprar os meus materiais de artesanato, tintas, recipientes, pincéis, mando vir tudo online.”
O online também chegou para ficar à rotina de Ana Guerreiro, 38 anos, que faz ioga há quatro. Agora, só vê vantagens nas aulas à distância. “Além de reduzir os riscos para a saúde, é muito mais fácil organizar a vida para estar disponível sem correrias.” A assessora de comunicação diz que já não perde tempo na deslocação, no estacionamento perto do estúdio e que em cinco minutos está pronta para a aula. “Não me imagino hoje a estar fechada numa sala de 60 m2 perto de outras pessoas a praticar ioga. Os alunos não usam máscara e por muita distância que nos separe, não me sentiria confortável. Nem a ter a professora a corrigir-me, agarrando-me na perna ou no braço.”
Depois do primeiro confinamento, houve muitos alunos que voltaram às aulas presenciais, mas isso nunca foi uma hipótese para Ana. “Não vejo nenhuma vantagem. Perco mais tempo e corro mais riscos.” O facto de ter o estúdio de ioga à distância de uma ligação de Zoom permite que o seu filho mais velho, de 7 anos, também faça a aula. “Acaba por ser uma oportunidade de partilha entre nós e uma diversão.”