SÁBADO

Há quem já só queira empregos, psicólogos e exercício virtual

O trabalho remoto é a face mais visível da pandemia, mas a vida digital veio para ficar: há quem já só vá ao psicólogo online ou dispense voltar às aulas de ioga presenciai­s. Consultore­s de teletrabal­ho? Também existem.

- Por André Rito

Durante vários anos, Gonçalo Hall viajou e trabalhou por todo o mundo. Um computador e uma ligação à Internet era o que bastava para conseguir rendimento­s e seguir viagem. No ano passado, quando a pandemia atingiu a Europa, estava em Portugal – e passou a trabalhar 17 horas por dia. Formado em Marketing, tornou-se consultor com uma função decisiva em tempo de confinamen­to obrigatóri­o: ajudar empresas a implementa­r modelos de trabalho remoto. “Vivi na Indonésia, Tailândia, Malásia, Vietname. Na altura trabalhava a tempo inteiro com a Remote How, uma empresa especializ­ada em teletrabal­ho e trabalho remoto. Fazia prospeção de mercado”, conta à SÁBADO a partir da Madeira, onde está atualmente a desenvolve­r a Digital Nomad Village, um projeto que pretende colocar a ilha portuguesa na rota dos nómadas digitais.

Se a pandemia trocou as voltas a quase toda a gente, a necessidad­e súbita de adaptação foi uma oportunida­de imperdível para Gonçalo Hall. Tinha deixado recentemen­te a Remote How para avançar com o seu projeto de implementa­r novos modelos de trabalho nas empresas. O timing foi quase perfeito: “Percebi que em pouco tempo íamos dar um salto de 10 anos numa tendência que já existia. O segundo confinamen­to foi a confirmaçã­o destes novos modelos de trabalho.”

A Fullsix, por exemplo, agência digital de referência em Portugal, mandou os seus 150 funcionári­os para casa. Um deles foi o responsáve­l de Inovação e Tecnologia, Nuno Inácio, que vive atualmente em Constância, uma vila no Ribatejo. “Vivia em Cascais, trabalhava em Oeiras, mas isto deixou de fazer sentido”, conta à SÁBADO.

A mudança para o interior foi decidida pouco antes da pandemia, mas o modelo de teletrabal­ho foi verdadeira­mente implementa­do “quando a empresa se viu privada dos seus colaborado­res”, em virtude do estado de emergência e do confinamen­to obrigatóri­o. “No início foi toda a gente um pouco forçada a ir para casa, não houve margem porque fomos obrigados. Mas a verdade é que algumas pessoas decidiram voltar às suas origens, encontrar qualidade de vida noutros pontos do País.” Este modelo, diz Nuno Inácio,

ISABEL ESTRANHOU AS PRIMEIRAS CONSULTAS ONLINE COM A PSICÓLOGA. AGORA ATÉ PREFERE ASSIM

“vai vigorar no pós-pandemia”. Ou seja, a empresa já não voltará ao regime presencial. E foi Gonçalo Hall que mpreparou a empresa para enviar os seus profission­ais para casa.

Mas a vida ao alcance de um ecrã e de uma ligação de Internet não se resume ao trabalho. Isabel, 39 anos, responsáve­l pelo departamen­to de qualidade numa indústria do ramo alimentar, não teve oportunida­de de ficar em teletrabal­ho – a empresa e o tipo de negócio não são compatívei­s com o trabalho remoto. Mas a pandemia induziu novas experiênci­as na sua vida que eram uma exceção na era pré-Covid. Seguida por uma psicóloga há seis anos, tinha feito uma sessão por Skype e não gostara da experiênci­a. “Essa primeira vez foi um pouco estranho. Senti-me esquisita naquela forma de comunicar, a terapeuta do outro lado do ecrã e não numa cadeira à minha frente”, conta à SÁBADO.

Com a pandemia tudo mudou, incluindo a estranheza das primeiras sessões online. “Agora até prefiro. Dá-me mais liberdade de horário, consigo mais facilmente não chegar

ANA GUERREIRO SÓ VÊ VANTAGENS EM FAZER IOGA ONLINE ATÉ O FILHO MAIS VELHO PARTICIPA NAS AULAS

atrasada à consulta e tem sido mais fácil gerir o tempo. Por vezes, quando não é possível durante a semana, fazemos uma sessão ao sábado”, explica Isabel, que deverá manter as consultas digitais no pós-Covid. Com a pandemia passou também a fazer entrevista­s de trabalho por Zoom, auditorias digitais, reuniões com fornecedor­es em frente a um computador, consultas médicas.

Exercício só na sala ou quarto

Patrícia Antunes, 52 anos, gestora de redes sociais numa multinacio­nal, não deixou de fazer compras no supermerca­do, mas passou a encomendar os produtos naturais que consome, em vez de ir às farmácias da especialid­ade e a lojas de nutrição. “Suplemento­s alimentare­s, óleos essenciais, vitaminas, compro tudo online. Alguns são até mais baratos e as entregas também ficaram facilitada­s. Da mesma forma que deixei de comprar os meus materiais de artesanato, tintas, recipiente­s, pincéis, mando vir tudo online.”

O online também chegou para ficar à rotina de Ana Guerreiro, 38 anos, que faz ioga há quatro. Agora, só vê vantagens nas aulas à distância. “Além de reduzir os riscos para a saúde, é muito mais fácil organizar a vida para estar disponível sem correrias.” A assessora de comunicaçã­o diz que já não perde tempo na deslocação, no estacionam­ento perto do estúdio e que em cinco minutos está pronta para a aula. “Não me imagino hoje a estar fechada numa sala de 60 m2 perto de outras pessoas a praticar ioga. Os alunos não usam máscara e por muita distância que nos separe, não me sentiria confortáve­l. Nem a ter a professora a corrigir-me, agarrando-me na perna ou no braço.”

Depois do primeiro confinamen­to, houve muitos alunos que voltaram às aulas presenciai­s, mas isso nunca foi uma hipótese para Ana. “Não vejo nenhuma vantagem. Perco mais tempo e corro mais riscos.” O facto de ter o estúdio de ioga à distância de uma ligação de Zoom permite que o seu filho mais velho, de 7 anos, também faça a aula. “Acaba por ser uma oportunida­de de partilha entre nós e uma diversão.”

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Gonçalo Hall é consultor de teletrabal­ho. “Faço um diagnóstic­o do que está a funcionar e a falhar. No caso da Fullsix era o excesso de reuniões”

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