SÁBADO

Jessica Walter (1941-2021)

- CARLOS TORRES

Fez teatro, cinema e TV e até deu voz a um dinossauro. Trabalhou com Clint Eastwood e Sidney Lumet e, já em idade de reforma, o sucesso numa série originou GIFs na Net

Omundo do cinema e da televisão costuma ser hostil para as mulheres mais velhas, mas Jessica Walter contrariou essa sentença e destacou-se com 60 e 70 anos como a matriarca manipulado­ra e sarcástica da disfuncion­al família Bluth na série Arrested Developmen­t (disponível na Netflix). Sempre (ou quase) com um copo na mão, Lucille Bluth apresenta-se com um humor refinado. Como na cena em que pede “vodka com gelo” e o filho a avisa: “Mãe, estamos a tomar o pequeno-almoço.” Ela acrescenta: “Então também quero uma torrada.” Noutro diálogo com Michael, no quarto do hospital, avisa-o que vai esperar no bar. “Mãe, os hospitais não têm bar”, diz ele. Lucille reage: “Pois, é por isso isso que as pessoas odeiam hospitais.”

As piadas e expressões icónicas de Lucille até deram origem a GIFs na Internet, seja esgares ou gestos. “Céus, nem acredito que os meus piscares de olho se tornaram virais. E são difíceis de fazer, com um olho todo aberto e outro todo fechado”, brincou Jessica Walter em 2019, na revista Elle. A atriz, que morreu no passado dia 24 de março, com 80 anos, confessava nessa entrevista ter feito “todo o circuito”. “Percebi rapidament­e que tens de ser como um terrier a morder um osso. Por isso, se fosse um bom papel, uma boa proposta, não me interessav­a o meio.”

Fez teatro, cinema e TV. E até deu voz a um dinossauro numa série infantil e à mãe do espião Sterling Archer numa série animada. E também fez anúncios, fosse para a companhia de eletricida­de da Califórnia ou para o Albertsons and Chase Manhattan Bank. A propósito disso, ela conta, na Elle: “Uma vez fui a um casting para um anúncio ao leite Borden, e disseram-me que tinha de fazer a voz de uma vaca feliz e casada há 10 anos. Estive 5 minutos a fazer muuuuuu, mas no fim não me escolheram. É o showbiz.”

Jessica Walter nasceu em Brooklyn, Nova Iorque, a 31 de janeiro de 1941. A mãe, Esther, tinha emigrado da Rússia para os EUA nos anos 20, e o pai, David, foi um violinista da Orquestra Sinfónica NBC de Nova Iorque, tendo tocado com o maestro Arturo Toscanini e o violonceli­sta Pablo Casals. Jessica, que teve um irmão (Richard, argumentis­ta e professor na UCLA), fez a formação na High School of Performing Arts (a escola que inspirou Fame) e depois na Neighborho­od Playhouse, onde teve como professor Sydney Pollack e como colegas James Caan, Christophe­r Lloyd ou Brenda Vaccaro – seria ela, mais tarde, a apresentar Jessica ao seu último marido, o ator Ron Leibman (estiveram casados entre 1983 e 2019, quando ele morreu).

NUM ANÚNCIO A LEITE, TINHA DE FAZER SONS DE VACA: “FIZ MUUUU DURANTE 5 MINUTOS, MAS NÃO FUI ESCOLHIDA”

Mudar para LA

O seu primeiro papel foi na Broadway, em

1960, como a secretária Liz na peça Advise and Consent. Em 1963, após se ter destacado noutros trabalhos da Broadway, ganhou o prémio de Atriz Mais Promissora e no ano seguinte chegou ao cinema, com Lilith, um drama psiquiátri­co em que contracena com Warren Beatty e Peter Fonda. Três anos depois, em 1966, tem o seu primeiro grande papel em The Group, de Sidney Lumet, um filme que aborda temas como violência doméstica, alcoolismo ou aborto. Em 1969, já casada com Ross Bowman (diretor de cena que conhecera na Broadway), mudou-se para Hollywood. “Foi na altura dos homicídios dos Manson. Vivíamos perto, em Coldwater Canyon, e tivemos muito medo. Até comprámos um pastor-alemão”, lembrou.

Em Los Angeles (onde nasceu a sua única filha – Brooke, de 48 anos, trabalha na Fox Entertainm­ent), Jessica foi a estrela de Destinos nas Trevas,

estreia de Clint Eastwood na realização, em 1971. O seu papel de apaixonada compulsiva valeu-lhe a nomeação para o Globo de Ouro de Melhor Atriz. Foi nomeada três vezes para os Globos (nunca ganhou) e quatro para os Emmys (prémios da TV), tendo arrecadado um, em 1975, na série Amy Prentiss, em que fazia de jovem detetive da polícia de San Francisco. Jessica reconheceu que fez de tudo ao longo da carreira de 60 anos. Muito antes do sucesso em Arrested Developmen­t, participou em séries famosas como Missão Impossível, Columbo, As Aventuras da Super-Mulher, A Teoria do Big Bang, Lei e Ordem

ou Beverly Hills 90210.

Noutras duas, entrou como atriz convidada, mas gostaram tanto dela que voltou – no Barco do Amor fez seis personagen­s diferentes, e em Crime, Disse Ela, fez quatro. Embora tenha tido poucos papéis principais, Jessica acabaria por se destacar pelos fortes desempenho­s. Sobre isso, comentou: “As minhas personagen­s nunca foram a Miss Gelado de Baunilha, não estão a segurar o cavalo enquanto o John Wayne ruma ao pôr do sol.” W

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LUIS GRAÑENA

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