SÁBADO

A CAMA DE CASAL

- ÂNGELA MARQUES

Se algum casal podia ser, metaforica­mente e ao mesmo tempo, um power couple de Hollywood e um par de jarras da Penha de França, era aquele. Na vida deles cabia o glamour dos chinelos de hotel (que invariavel­mente roubavam) e sobrava espaço para o charme de uma porta de casa que emperrava porque as coisas com 200 anos começam por cheirar a História mas não raras vezes acabam com cheiro a esturro.

Pareciam o casal perfeito e, nas costas deles, até discutíamo­s se se completava­m ou se, em alternativ­a, era na discussão de argumentos opostos que mais se atraíam. Quando de facto discutiam era como se se declarasse­m (e nós, da bancada, assistíamo­s ao explanar daquele amor). É que até de árbitros eles abdicavam. Se se criticavam ou elogiavam nenhum deles passava frio: os dois estavam cobertos de razão. Para piorar a situação dos solteiros que os rodeavam, quer parecessem felizes ou infelizes, eles pareciam estar sempre juntos. Eram um casal que dava gosto ver. E, no entanto, raramente eram vistos.

Como naquele dia em que reservaram um quarto de hotel para um fim de semana e, em vez de um check-in e dois cartões magnéticos, receberam um manto de invisibili­dade. A história teria uma barba de séculos se reservar online tivesse sido o décimo primeiro mandamento de Deus – assim, esta história aconteceu ontem e não lembra ao diabo.

E começa assim: rapaz conhece rapaz. Rapazes apaixonam-se (e, como exposto acima, apaixonam toda a gente à volta – chamem-lhe osmose na falta de palavra mais bonita). Rapazes fazem a sua vida. Um dia, tentam reservar um quarto de hotel. Quando a rececionis­ta percebe que em vez de um rapaz aquela história de amor tem dois, pergunta: “Vai precisar então de dois quartos? Só preparei um mas posso preparar já outro, não há problema nenhum.” Problema, de facto, o primeiro rapaz não viu. Com calma, o segundo, sabendo que às vezes é preciso calma na hora da luta, respondeu: “Só será necessária a cama de casal, obrigado.” W

ERAM UM CASAL QUE DAVA GOSTO VER. E, NO ENTANTO, RARAMENTE ERAM VISTOS. COMO NO DIA EM QUE RESERVARAM UM QUARTO DE HOTEL

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