VINHO, CIÚMES EMORTE
O CALOR ERA INTENSO, APESAR DE JÁ PASSAR
das seis e meia da tarde. O verão estava a primar por dias limpos e soalheiros, com temperaturas bem elevadas.
Chamado por um telefonema daquela quinta, pelas cinco e meia, o inspetor Pedro Malcato estacionou o carro ao lado do edifício de dois pisos, duas centenas de metros à frente do portão da quinta, logo atrás de outro também parado em contramão, um Land Rover de aspeto pesado e sujo, ao lado de um bonito jardim, carregado de flores, que bordejava todo o flanco da casa. Atrás dele parou a carrinha que trazia dois agentes e o médico-legista. Uma mangueira, ligada a uma torneira na parede, espiralava pelo chão, pisada pelas rodas da frente do Land Rover e desaparecendo na esquina da casa. Malcato espreitou à esquina: o bonito jardim envolvia completamente a casa, as flores e folhas de cores vivas com pequenas gotas de água brilhando ao sol.
Um caminho em saibro, bem tratado, levou-o até uma das portas, aberta. Entrou, descendo seis degraus.
– Boa tarde. Sou o inspetor Pedro Malcato, Polícia Judiciária.
– Ah! Senhor inspetor, fui eu que chamei a polícia – exclamou um homem de aspeto vulgar, 40 e poucos anos, cabelo castanho escuro, óculos de aros metálicos, muito magro e franzino, de jeans azuis e camisa de manga curta aos quadrados por fora das calças. – O meu nome é Aniceto Cardoso. Trabalho nesta quinta como enologista.
Malcato observou o homem por uns segundos, depois passeou os olhos pelo local onde tinha entrado – uma sala grande, abobadada, com colunas, sem janelas, fresca e escura, mas iluminada por várias lâmpadas de néon – desviando a seguir o olhar para as outras duas personagens que ali estavam.
Um homem forte, cinquentão, bem-parecido, envergando umas calças de jardineira azul-escuras e uma camisa amarelada, algumas brancas a aparecer nas fontes manchando o cabelo preto. E uma jovem, esbelta, escassos 20 anos, saia curta e justa em bombazine creme e blusa folgada, azul-celeste, cabelos aloirados com nuances, numa postura muito sexy mas denotando um ar enfadado.
Alinhados em filas, intercalando as colunas, vários cilindros metálicos com o topo abaulado. Cubas de vinho, manifestamente. Entre duas das cubas, parcialmente visível do sítio onde estava Malcato, jazia um corpo feminino.
– Os senhores, são…
– António Rodrigues, capataz desta propriedade – disse o outro homem. – Esta menina é a Anabela Gomes, filha da proprietária, Clara Gomes… – os olhos do homem incidiram sobre o corpo feminino que jazia no chão.
DESLOCANDO-SE ATÉ JUNTO DO CORPO, MALCATO OBSERVOU O CADÁVER DE CLARA. TINHA CERTAMENTE SIDO UMA MULHER ATRAENTE, ALTA E DE CORPO BEM DELINEADO
Deslocando-se até junto do corpo, Malcato observou por alguns segundos o cadáver de Clara. Tinha certamente sido uma mulher atraente, alta e de corpo bem delineado. O cabo de uma faca de grandes dimensões saía-lhe do baixo ventre.
– Quem descobriu o cadáver?
– Fui eu – disse o António. – Vim da encosta, onde estive toda a tarde a ver as vinhas que iremos vindimar primeiro. Estacionei o jipe aqui ao pé de casa, disse olá à Sónia, que estava à janela, e fui até ao portão ver se tinha chegado algum correio. Havia sim, e uma pequena encomenda, estão ali na mesa à entrada. Como sempre, depois vim até aqui à adega, verificar se estava tudo bem com as cubas. Foi então que vi o corpo da Clara… O Aniceto chegou a seguir, não pela entrada que eu e o senhor inspetor usámos, mas pela outra, do outro lado da casa.
– É… – completou o Aniceto. – Tinha ido regar os canteiros desse lado, com a mangueira. Com o sol que tem feito, há que os regar de manhã e ao fim da tarde. Já estávamos aqui os dois quando a Anabela chegou, estava eu a fazer a chamada para a polícia. – A faca é de algum de vós?
– Pelo cabo… – disse o António –
acho que é uma das que estão arrecadadas naquele armário ali ao fundo.
– Quem tem as chaves daquele armário?
– Eu, senhor inspetor – respondeu o António, olhando para os sapatos. – Mas o armário está quase sempre aberto…
– E você, Anabela, por onde andou? – Estive a passear no sopé da encosta, onde os castanheiros dão sombra… E fiquei-me a conversar com o Rui e o Beto, dois dos homens que aqui trabalham!
Malcato não pôde deixar de perceber o tom provocatório das palavras. – Vive mais alguém aqui?
– Eu, o António, a Clara, a Anabela e a Sónia, a cozinheira, moramos na quinta. Os outros empregados só cá estão durante o dia de trabalho – respondeu o Aniceto.
O inspetor interrogou a Sónia na sala de entrada da residência, situada por cima da adega. A mulher, 64 anos de idade e 35 de viuvez, era a cozinheira daquela casa desde antes de Anabela ter nascido, desfrutando da amizade quer de Clara quer do marido desta. Sónia confirmou ter visto o António chegar com o jipe, às cinco horas, e dirigir-se a seguir, a pé, para o portão. Por ela ficou a saber que Clara Gomes, proprietária daquela quinta, viúva desde há meia dúzia de anos, estava em sérias dificuldades financeiras. O vinho produzido continuava a ser de boa qualidade, mas o mercado não o estava a acolher como antigamente, quando o marido era vivo. Razão por que a filha queria vender a propriedade e gozar o dinheiro numa cidade como o Porto, ou Lisboa. O capataz e o enologista apoiavam a proprietária no seu desejo de continuar com a produção, mas, segundo Sónia, os dois andavam com os olhos postos em Clara, o que provocava frequentes disputas…
– Façam-me o favor de se despirem e de dar as vossas roupas exteriores, calças, camisas, saia, blusa, a um dos agentes. Ser-vos-ão devolvidas daqui a dois ou três dias, claro – ordenou o inspetor aos quatro residentes na quinta.
Intercetando o médico-legista, que se preparava para levar o corpo da Clara para a carrinha, Malcato interrogou-o com o olhar.
– A facada foi mortal. De baixo para cima, mas a faca é tão longa que lhe atingiu o coração. A morte foi praticamente instantânea. – Perante o olhar ainda interrogador de Malcato, continuou: – Diria que entre as cinco e as cinco e meia da tarde…
Perspicaz, Malcato já tinha uma ideia bem formada sobre o caso. Mas ia deixar todos em liberdade, por enquanto, até que outras investigações que ia fazer comprovassem o que tinha sabido por aqueles quatro…
Caro leitor, qual é a sua ideia? Alinhe as suas deduções e aponte quem acha que matou Clara, justificando-o com as suas conclusões.
E pronto.
Este mês de abril começa com mais um desafio que vai pôr as “células cinzentas” em movimento. Como sempre, os detetives devem ler com muita atenção o problema, como sempre, preferencialmente com uma folha e um lápis, anotando todos os indícios que lhes despertem suspeitas, para posterior análise e busca de informação.
Depois, vem outra parte importante, que é desenvolver as ideias, criar uma boa ligação entre as diversas conclusões e arquitetar uma solução que responda a todas as questões suscitadas. Sempre que falamos da elaboração de um relatório, não significa que deva ter essa forma ou que haja um modelo. O que pretendemos é que retirem e justifiquem as conclusões a que chegarem, de forma consequente, a partir do texto do problema apresentado pelo autor.
Finalmente, há que enviar as propostas de solução, até ao derradeiro dia do mês da publicação, no caso presente, até 30 de abril, para lumagopessoa@gmail.com ou, em caso de opção por via postal, Luís Pessoa, Estrada Militar, 23, 2125-109 MARINHAIS. W
Boas deduções!