SÁBADO

ENTREVISTA IMPROVÁVEL E UMA

- Por Marco Alves

SELFIE Simone de Oliveira tem 83 anos, mas a cabeça é muito mais jovem, diz ela. Esta semana percebemos que tem toda a razão

Acabou de anunciar que a sua carreira chegou ao fim, mas que haverá um concerto de despedida. Quando? Não sabe ainda, nem está preocupada. Aos 83 anos, a cantora fala de eutanásia, Padrão dos Descobrime­ntos, Santana Lopes e uma “princesa chata”.

O que acha da decisão de uma marca de champôs muito famosa de eliminar a palavra normal dos seus produtos? Por exemplo, cabelos normais.

Isso é uma parvoeira. Porque é que não se pode ser normal? Desculpe, não entendo. As minhas habilitaçõ­es literárias não chegam para tanto. Há umas coisas que se inventam, há modas… São coisas ridículas.

Recentemen­te, a Congregaçã­o da Doutrina da Fé veio dizer que a Igreja não pode dar a bênção a uniões entre pessoas do mesmo sexo porque são uniões “não ordenadas ao desígnio do Criador”. Faço outra pergunta: porque há tantos padres pedófilos? Eu tenho um muito mau relacionam­ento com a Igreja Católica… Os meus filhos só foram batizados com 5 ou 6 anos porque eu não era casada, era “amancebada”, que é uma palavra que até hoje me está na cabeça. É horrível. Enquanto eu me lembrar disso… Fui às igrejas todas aqui à volta e a resposta era a mesma: “Não, não, a Simone é uma mulher amancebada.” Até que houve um padre da Amadora, que era considerad­o comunista, que soube. “Os filhos da Simone não são batizados porquê? Tragam-nos cá.”

Já foi vacinada?

Já, fiz a segunda toma ontem [23 de março]. Não senti nada, devo ser da pele do Diabo, não estive maldispost­a, nada. Fui contactada pelo centro de saúde, apesar de nunca ter tido médico de família, tive sempre a possibilid­ade de ter médicos amigos. Tenho tudo o que é médico à minha volta, tenho tido essa sorte. E tenho um grande seguro de saúde, que já é do tempo do Varela, o meu marido, e quando ele faleceu fiquei com o seguro, e cobre praticamen­te tudo.

O que achou daquela manifestaç­ão de negacionis­tas? Quando tiverem uma pessoa a morrer por causa disso, talvez aprendam. Acho uma atitude parva. Se é para dar nas vistas, não vale a pena. Concordo perfeitame­nte com a máscara e com o estarmos confinados, até para ver se não morremos todos.

“É EVIDENTE QUE NÃO TEMOS MINISTRA DA CULTURA. ESTÁ DESAPARECI­DA “

Reparou que na manifestaç­ão dos negacionis­tas havia pessoas do espetáculo? As pessoas do espetáculo podem reclamar, mas por outras coisas. É evidente que não temos, ou não tivemos até hoje, uma ministra da Cultura. Está desapareci­da há uma eternidade... O facto de não termos trabalho é uma coisa. Não quererem usar máscara é uma atitude de um egoísmo feroz. Se eu me cuidar, estou a cuidar dos outros. O meu filho já teve Covid, a namorada de um dos meus netos teve Covid, a minha filha teve Covid, portanto, vamos lá ver se a gente não brinca uns com os outros. Dizerem que a máscara retira a liberdade é uma coisa que não consigo entender. Vamos viver a época que estamos a viver. É difícil, é complicado? É. Eu estou há meses sozinha, eu vivo sozinha, como imagina não foi fácil. Mas não me dá para ser dramática. Não tive neuras, não tive depressões. Não me estou a armar em forte, não quer dizer que não me tenha sentido sozinha, mas não faço disso um cavalo de batalha.

A eutanásia acabou de ser chumbada pelo Tribunal Constituci­onal. Acha que deveria ser objeto de um referendo?

É uma coisa muito complicada e tem sempre atrás a Igreja Católica. Eu, se estiver muito mal, já disse aos meus filhos que se não houver solução desliguem a máquina. Mas isso sou eu. Um dos meus netos disse “não, avó, de maneira nenhuma, enquanto há vida, há esperança”. O meu filho ia-me dando um tiro, ia tendo um ataque de nervos. Também já pedi para me porem na Casa do Artista se for preciso. Não me caem os parentes na lama. Eu tenho de viver o agora, com a idade que tenho e com as coisas que vão acontecend­o a uma mulher que tem 83 anos. A única coisa que me é difícil é gerir a minha cabeça, porque a minha cabeça e a minha alma não têm 83 anos. E penso que a minha voz também não.

O que é que achou da entrevista de Meghan Markle e Harry?

Quando aquela senhora casou com aquele príncipe sabia perfeitame­nte… Não foi para aquilo às moscas. Coitadinha, tão ingénua. Teve um ataque de nervos e agora está em modo mártires da pátria. Não tenho paciência para aturar princesas chatas. Dá Deus nozes a quem não tem dentes.

Acha que o Padrão dos Descobrime­ntos deveria ser demolido?

Não. Quem não tem ontem não tem amanhã. Não apaguem as memórias. As memórias são para se guardar. Este é um País de memórias, de História. Para que é que querem apagar a História? Não é por causa disso que somos melhores. Nem piores. É para ser diferente? Não acho graça nenhuma.

É a mesma coisa que tirarem a Torre de Belém para fazerem não sei o quê.

Acha que Santana Lopes vai aceitar, ou devia aceitar, concorrer à Câmara da Figueira da Foz? Devemos voltar ao sítio onde fomos felizes?

Não, nunca voltes ao lugar onde foste feliz. Já passaram muitas águas. A idade é outra, a Figueira da Foz onde ele esteve é outra. Acho que devia estar quieto. Sempre foi um bon vivant. Dou-me lindamente com ele. Devo ao Pedro Santana Lopes ter feito o primeiro concerto no [teatro nacional] D. Maria [II]. Porque [antes] a música ligeira não podia ir para o D. Maria… Ele é que deu autorizaçã­o para eu fazer lá o espetáculo dos meus 35 anos de carreira.

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Selfie Alfacinha de gema, mãe de dois filhos, avó de quatro netos, Simone estreou-se em público com 20 anos, em 1958.
c Selfie Alfacinha de gema, mãe de dois filhos, avó de quatro netos, Simone estreou-se em público com 20 anos, em 1958.
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