SÁBADO

RESTAURANT­ES VIRTUAIS: FUNCIONAM COM BAIXOS ORÇAMENTOS E EM ESPAÇOS ALUGADOS. AS APPs E OS SERVIÇOS DE ENTREGA AJUDAM – E MUITO

Longe da vista, há chefs que montam negócios de baixo orçamento: a partir de 10 mil euros. Se o menu for bom e a localizaçã­o central podem ser bem-sucedidos. A SÁBADO visitou as cozinhas escondidas.

- Por Raquel Lito e Mariline Alves (fotos)

Enfiados em 16 m2, dois millennial­s empreended­ores atendem pedidos remotos, preparam comida asiática, colam nas embalagens os autocolant­es da sua marca criada a 12 de março. Chama-se Kojin, deus japonês do fogo, do fogão a lenha e da cozinha. Neste restaurant­e-toca (dark kitchen, no léxico dos chefs) não há empregados, nem mesas, nem clientes a comer. Em vez disso, usam as redes sociais para assegurare­m a proximidad­e com o público.

Ana Alves, de 27 anos, e o namorado Gonçalo Bouceiro, 23, só precisam de uma pequena cozinha industrial – arrendada por €2.200 mensais na hub gastronómi­ca Weat, em Alcântara. A renda inclui água, luz, Internet, limpeza dos espaços comuns, segurança e controlo de pragas. “A ideia é contratar

staff para estar aqui”, avançam. O resto faz-se pelo serviço de entregas, acionado via online, que lhes cobra uma comissão na ordem dos 30%. Se é muito? “É o mercado.”

É na despensa de 5 m2, no piso de cima, que guardam os ingredient­es. Os custos são controlado­s, sem prejuízo da qualidade dos produtos. A confeção é rápida, para que os estafetas cheguem a casa dos clientes em 15 minutos, num raio de quatro a seis quilómetro­s, com a refeição quente (este é um dos pontos-chave do conceito).

Tudo isto ganha velocidade com 12 mil euros, montante investido pelo casal com experiênci­a em restauraçã­o em Londres. Esperam levar o Kojin a bom porto dentro de quatro meses (prazo estimado para atingirem o break-even point). O atendiment­o quer-se requintado, mas democrátic­o pelos preços. Por exemplo, um dos bestseller­s é o pão cozido a vapor (bao-bun) com recheio de rabo de boi a €6,50.

Se ao fim de três meses o negócio não resultar, Ana e Gonçalo podem sair deste núcleo de restaurant­es-fantasma. “É uma tranquilid­ade para eles. Se tivessem investido €30 mil em obras e equipament­os, teriam um problema”, explica Frederico Carneiro, um dos sócios do

hub (Weat).

Para implementa­r o conceito, foi determinan­te a localizaçã­o deste armazém de 260 m2 e pé direito de seis metros. Não podia ficar longe dos bairros com poder de compra, Lapa e Restelo. Escolhido o sítio, avançaram para demolição da antiga piscina para bebés até 2018. As obras de meio milhão de euros duraram seis meses; em junho de 2020, o espaço ganhou nova vida como incubadora de restaurant­es virtuais. Quatro marcas operam em permanênci­a em igual número de cozinhas arrendadas; há outra para eventos (a partir de €200); e cinco bancadas equipadas (€125/dia).

Paredes-meias com a Kojin fica a cozinha do chef britânico Justin Brown, de 38 anos. Está prestes a abrir The Chippy (típico fish and chips) no próximo sábado, 10 de abril. Na véspera, oferece refeições aos bloggers de comida: tem esperança que gostem e divulguem o projeto em que investe 10 mil euros. “Para eles é bom, porque têm conteúdo; para mim também, porque chego aos locais.”

No cubículo seguinte, dá-se o pico para os Badochas: num minuto, José Maria Gomes, 35 anos, prepara um jantar na chapa. Não pretende ser gourmet. O sócio Pedro Moreira da Silva, de 29, explica: “São hambúrguer­es tradiciona­is. A carne de vaca chega todos os dias e é picada por nós. Fazemos bolinhas de 70 gramas, que ficam no frigorífic­o.”

Se esgotar o stock, paciência (“não queremos que sobre para o dia seguinte”); importa é que a

qualidade vá ganhando fama e a escala cresça. Começaram em dezembro passado com 30 a 40 hambúrguer­es diários; agora vendem o dobro e, por vezes, o quádruplo (140 num só dia de fim de semana). O estafeta do Uber Eats aguarda no ponto de recolha, perto das 21h, e confirma a procura: “Todas as semanas tenho um pedido para o Badochas.” Minutos depois, chegam-lhe duas encomendas. Coloca-as na mala térmica e segue para Belém.

Digitaliza­ção do setor

Bicicletas e motas de entregas de refeições são o que mais se vê nas estradas. Só a Uber Eats registou um aumento de 130%, segundo os resultados de fevereiro, o que explica este tipo de restaurant­es. Mas até quando? “A digitaliza­ção do setor e a crescente procura por conveniênc­ia, fez com que vários chefs por todo o mundo percebesse­m o potencial de criar conceitos sem sala, mas disponívei­s para audiência digital muito grande”, diz à SÁBADO Diogo Aires Conceição, diretor do Uber Eats Portugal.

Com menus mais acessíveis, o responsáve­l dá, entre vários exemplo, uma novidade no Porto: “Pelo chef Rui Paula com o

Q ‘DOP em sua Casa’. É a estreia em delivery e um restaurant­e virtual exclusivo Uber Eats.” O colega Olivier conta ter sido o primeiro a entrar nesta plataforma, em janeiro de 2019. “Estreámos em Portugal o conceito de restaurant­e virtual de chef. Uma das caracterís­ticas era o pagamento exclusivo por cartão bancário ou MBWay, algo que, como os próprios restaurant­es virtuais, ganhou especial relevância em tempo de pandemia”, explica.

Se as plataforma­s agregadora­s, como a Uber Eats, Glovo, Bolt Food, incrementa­m o negócio, há quem tente os canais próprios para a contenção dos custos de transporte. Caso da Cookoo, frisa o cofundador Pedro Sanches, de 35 anos: “A forma de melhorar as margens para o serviço de delivery é arranjar alternativ­as.” Passam pela partilha de software e frotas próprios, com mais alcance de quilómetro­s, ao serviço dos restaurant­es deste hub no Alto dos Moinhos (Benfica).

Sinergia “é o princípio da Cookoo”, diz, com uma app “que serve vários restaurant­es no mesmo local”. Nestes 200 m2, funcionam oito conceitos (entre comida portuguesa e mexicana, etc.) em moldes de restaurant­e-fantasma. “Nem todas estão separadas fisicament­e. O ZAO e o Pokay usam o mesmo espaço, têm apenas bancadas diferentes, pelo que não é linear o cálculo de áreas por cozinha. Mas em média têm 10 m2.”

Mix entre real e virtual

Na cozinha de um rés do chão na Calçada do Poço dos Mouros, Penha de França, aplica-se outra receita. Há duas marcas (Ameaça Vegetal e Las Gringas) a funcionare­m no mesmo espaço, mas a porta está aberta ao público. Embora não tendo mesas, o espaço da start-up Foodriders convive com a vizinhança. “É um mix entre o real e o virtual. Um restaurant­e virtual

CUSTOS CONTROLADO­S, EQUIPAMENT­OS EM SEGUNDA MÃO E COZINHAS PARTILHADA­S SÃO O CAMINHO

é uma coisa que existe online, não se veem as cozinhas e envia-se a comida. Aqui, um casal vizinho comprou cinco vezes em duas semanas”, distingue um dos sócios Damian Irizarry, 44 anos.

A pandemia e a crise levaram ao fecho, em lágrimas, da sua taqueria Pistola Y Corazón, mas aceleraram este modelo de negócio. Juntaram-se a italiana de 35 anos, Marta Fea (sua sócia em Pistola Y Corazón) e o chef de 42, Diogo Noronha (vindo do restaurant­e Pesca, distinguid­o com o Prato Michelin durante dois anos consecutiv­os). O desafio foi reinventar­em-se com baixo orçamento – €100 mil –, de modo a adaptarem uma antiga tasca a um projeto de comida para delivery e takeaway.O chef afinou os menus, de base vegetal (dieta flexiteria­na) e mexicana. Testou-os. As obras decorriam, entretanto, no espaço arrendado. “O Damian tem a visão geral do projeto, a Marta faz a parte gráfica e conceptual e eu tenho a gestão diária da cozinha”, diz Diogo Noronha. Em contracicl­o com os restaurant­es convencion­ais, abriram a 18 de março, com menus de €15. “Temos vindo a aumentar bastante. Estamos com uma média de 80 pedidos diários”, conta.

Reaproveit­ar restaurant­es com grandes perdas de faturação (e que operam a 20%) é o mote da Web Kitchen Labs. “A ideia é aproveitar o staff e cozinhas, para que tenham um rendimento extra sem fazer investimen­to”, explica Paulo Silva, 38 anos, um dos sócios. Basicament­e, os restaurant­es alugam as suas cozinhas a outros virtuais como a hamburguer­ia Like a Lord Burguer. Nome adequado ao embaixador, que nunca pensou aderir à restauraçã­o ao fim de 25 anos de carreira na TV, mas ali está ele “por encontro de vontades e necessidad­es”. Rui Unas enfatiza os nomes dos hambúrguer­es (Maluco Beleza, ou Cabaret da Coxa por €7,99) e explica que também teve intervençã­o nos menus. “Escolhi pelo menos um dos ingredient­es de cada hambúrguer. Isto só faria sentido para mim com os parceiros certos.” W

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Frederico Carneiro, 50 anos, um dos sócios do hub de cozinhas Weat. Abriu na pandemia
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O britânico Justin Brown prepara-se para lançar o The Chippy (fish and chips) 2
1 Frederico Carneiro, 50 anos, um dos sócios do hub de cozinhas Weat. Abriu na pandemia 2 O britânico Justin Brown prepara-se para lançar o The Chippy (fish and chips) 2
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