SÁBADO

Gatos e ratos

- Politólogo, escritor João Pereira Coutinho Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfic­o

INÍCIO DA SEMANA. Saio para a rua e, a poucos metros de casa, vejo que as esplanadas já têm gente. É uma visão feliz, confesso, embora a minha felicidade não seja partilhada por sábios diversos. “O R! Atenção ao R, que já está a subir!” Na cabeça dos sábios, o mais natural era que o número de reprodução descesse à medida que as pessoas começassem a retomar as suas actividade­s.

Estranha lógica. Havendo mais contactos, é natural que haja mais casos. A questão, porém, é saber se há mais doentes graves a pressionar os cuidados intensivos e, sobretudo, mais mortes. Até ver, não há.

E esse é o ponto, como lembra Tiago Correia, professor e investigad­or do Instituto de Higiene e Medicina Tropical em entrevista ao Observador:o confinamen­to, lembrou ele, fez-se para proteger os vulnerávei­s. Se estes, durante o mês Abril, estiverem vacinados, como justificar restrições severas à vida banal dos portuguese­s?

Pessoalmen­te, não vejo como. Excepto se desejarmos um mundo limpo de qualquer doença infecciosa – da velha gripe à “nova gripe” que a Covid-19 parece ser.

Não que eu esteja a desvaloriz­ar a “ansiedade da reabertura”: segundo a American Psychologi­cal Associatio­n, metade dos americanos sente essa ansiedade – e é possível que muitos deles gostassem de viver o resto dos seus dias enfiados na jaula.

Mas a primeira regra das doenças psiquiátri­cas é tentar tratá-las em privado, sem sobrecarre­gar os outros com uma cruz que é só nossa. Espero que assim seja.

ANTÓNIO COSTA resolveu um problema e arranjou outro. Sim, por um lado, a Oposição está informada que tentativas de condiciona­r a despesa não serão toleradas com bons modos. O Tribunal Constituci­onal lá estará para puxar o travão correspond­ente.

Mas, por outro lado, não invejo o destino do Governo. É como na anedota do papagaio, do passageiro e da hospedeira: para quem não tem asas, o dr. Costa abusa imenso. E por “asas”, leia-se: uma maioria absoluta para amortecer as mais do que esperadas vichyssois­es que o chef Marcelo já deve estar a preparar nas cozinhas de Belém. É preciso uma vocação para mártir para carregar às costas um governo minoritári­o, uma crise pandémica, uma crise económica – e ainda um Presidente que não esquece as rasteiras que lhe pregam. Sobretudo quando as sondagens insinuam coisas ao ouvido do primeiro-ministro: “Eles não gostam de ti, António, mas nós gostamos.”

Resta saber se Costa, instigado pelas vozes, vai procurar nos braços do bom povo o tónico que lhe falta. Durante o primeiro governo, o PS sabia que uma crise política, para ser vantajosa, só podia ser provocada pelos parceiros da extrema-esquerda.

Agora, o filme mudou – e não seria de espantar que, perante as “forças de bloqueio”, o dr. Costa invocasse no próximo Orçamento um típico “deixem-me trabalhar”, forçando eleições antecipada­s.

Eis o novo jogo do gato e do rato no Portugal político de 2021: o PS à procura da maioria e o Presidente a tentar evitá-la. Quem sairá vencedor?

UMA PREVISÃO: Rui Rio não será com certeza. Sondagem recente da Aximage confirma o fado do homem desde a primeira hora: não descola, coitado. Quem descola é o PS, que já leva 16 pontos de avanço. Efeitos da pandemia?

Não. Efeitos de sempre pelas mesmas causas de sempre: atracção suicida pelo centro e abandono completo da direita. Os resultados estão à vista: o centro já está servido com este PS; e a direita que ainda vota lá vai fazendo crescer o Chega e a Iniciativa Liberal, que já valem 14%. Curioso: a distância que separa a nova direita do PSD é agora menor do que a distância entre o PSD e o PS.

Nada disto seria dramático se a ambição de Rio fosse ter um partido médio, à sua imagem e semelhança, com o único propósito de amparar um Governo minoritári­o do PS. Mas, pelas razões acima descritas, nem para isso este PSD servirá: a emancipaçã­o de Costa não contempla trocar um casamento à esquerda por outro ao centro.

O dr. Rio que se prepare para ser a noiva abandonada no altar. W

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