Gatos e ratos
INÍCIO DA SEMANA. Saio para a rua e, a poucos metros de casa, vejo que as esplanadas já têm gente. É uma visão feliz, confesso, embora a minha felicidade não seja partilhada por sábios diversos. “O R! Atenção ao R, que já está a subir!” Na cabeça dos sábios, o mais natural era que o número de reprodução descesse à medida que as pessoas começassem a retomar as suas actividades.
Estranha lógica. Havendo mais contactos, é natural que haja mais casos. A questão, porém, é saber se há mais doentes graves a pressionar os cuidados intensivos e, sobretudo, mais mortes. Até ver, não há.
E esse é o ponto, como lembra Tiago Correia, professor e investigador do Instituto de Higiene e Medicina Tropical em entrevista ao Observador:o confinamento, lembrou ele, fez-se para proteger os vulneráveis. Se estes, durante o mês Abril, estiverem vacinados, como justificar restrições severas à vida banal dos portugueses?
Pessoalmente, não vejo como. Excepto se desejarmos um mundo limpo de qualquer doença infecciosa – da velha gripe à “nova gripe” que a Covid-19 parece ser.
Não que eu esteja a desvalorizar a “ansiedade da reabertura”: segundo a American Psychological Association, metade dos americanos sente essa ansiedade – e é possível que muitos deles gostassem de viver o resto dos seus dias enfiados na jaula.
Mas a primeira regra das doenças psiquiátricas é tentar tratá-las em privado, sem sobrecarregar os outros com uma cruz que é só nossa. Espero que assim seja.
ANTÓNIO COSTA resolveu um problema e arranjou outro. Sim, por um lado, a Oposição está informada que tentativas de condicionar a despesa não serão toleradas com bons modos. O Tribunal Constitucional lá estará para puxar o travão correspondente.
Mas, por outro lado, não invejo o destino do Governo. É como na anedota do papagaio, do passageiro e da hospedeira: para quem não tem asas, o dr. Costa abusa imenso. E por “asas”, leia-se: uma maioria absoluta para amortecer as mais do que esperadas vichyssoises que o chef Marcelo já deve estar a preparar nas cozinhas de Belém. É preciso uma vocação para mártir para carregar às costas um governo minoritário, uma crise pandémica, uma crise económica – e ainda um Presidente que não esquece as rasteiras que lhe pregam. Sobretudo quando as sondagens insinuam coisas ao ouvido do primeiro-ministro: “Eles não gostam de ti, António, mas nós gostamos.”
Resta saber se Costa, instigado pelas vozes, vai procurar nos braços do bom povo o tónico que lhe falta. Durante o primeiro governo, o PS sabia que uma crise política, para ser vantajosa, só podia ser provocada pelos parceiros da extrema-esquerda.
Agora, o filme mudou – e não seria de espantar que, perante as “forças de bloqueio”, o dr. Costa invocasse no próximo Orçamento um típico “deixem-me trabalhar”, forçando eleições antecipadas.
Eis o novo jogo do gato e do rato no Portugal político de 2021: o PS à procura da maioria e o Presidente a tentar evitá-la. Quem sairá vencedor?
UMA PREVISÃO: Rui Rio não será com certeza. Sondagem recente da Aximage confirma o fado do homem desde a primeira hora: não descola, coitado. Quem descola é o PS, que já leva 16 pontos de avanço. Efeitos da pandemia?
Não. Efeitos de sempre pelas mesmas causas de sempre: atracção suicida pelo centro e abandono completo da direita. Os resultados estão à vista: o centro já está servido com este PS; e a direita que ainda vota lá vai fazendo crescer o Chega e a Iniciativa Liberal, que já valem 14%. Curioso: a distância que separa a nova direita do PSD é agora menor do que a distância entre o PSD e o PS.
Nada disto seria dramático se a ambição de Rio fosse ter um partido médio, à sua imagem e semelhança, com o único propósito de amparar um Governo minoritário do PS. Mas, pelas razões acima descritas, nem para isso este PSD servirá: a emancipação de Costa não contempla trocar um casamento à esquerda por outro ao centro.
O dr. Rio que se prepare para ser a noiva abandonada no altar. W