SÁBADO

O percurso do juiz que vai decidir o destino de José Sócrates

Nasceu no Funchal, mascarou-se nos desfiles de Carnaval, acabou o curso com a média de 12 valores e tem uma carreira internacio­nal.

- Por António José Vilela

Operação Marquês

Mais de seis anos depois da detenção de José Sócrates, por suspeitas de crimes económico-financeiro­s, a decisão de levar ou não (e em que termos) o ex-primeiro-ministro socialista a julgamento marcará necessaria­mente o currículo profission­al de Ivo Rosa. A fase de instrução do processo, pedida por 19 dos 28 acusados na Operação Marquês, começou na prática só em 28 de janeiro de 2019, mas o juiz já estava em exclusivid­ade no processo desde 3 de novembro de 2018. A magnitude do processo – só a acusação é composta por 11 volumes [5.036 folhas], 14.084 segmentos de factos e 189 crimes, dos quais 31 ilícitos penais atribuídos ao ex-primeiro-ministro – levou Ivo Rosa a fazer 11 interrogat­órios e a inquirir 44 testemunha­s. Além dos elementos de prova, ao juiz foram colocadas 73 questões jurídicas, bem como oito pareceres jurídicos apresentad­os pelas defesas.

As polémicas

O Tribunal da Relação de Lisboa tem revertido várias decisões – na totalidade ou em parte – de Ivo Rosa. O juiz não autorizou buscas e a constituiç­ão de arguido do antigo ministro da Economia, Manuel Pinho, negou o acesso às contas bancárias e aos emails de António Mexia, libertou um traficante de armas que fugiu e decidiu não levar a julgamento Abdesselam Tazi, um terrorista que depois seria condenado. No verão de 2015, arquivou as suspeitas de lavagem de dinheiro aos generais angolanos Kopelipa e Leopoldino Nascimento.

O primeiro BES

Ivo Rosa foi a várias buscas do caso Furacão de transporte­s públicos. Por exemplo, usou o elétrico n.º 28 para transporta­r os mandados de busca dentro de uma pequena pasta que levou debaixo do braço. Foi assim que chegou à Rua de São Bernardo à Estrela, à sede do Conselho Superior do Grupo Espírito Santo (GES), que ficava numa das moradias onde viveu e cresceu o banqueiro Ricardo Salgado. Muitos anos depois, quando regressou ao Ticão, foi o juiz a quem coube fechar de vez o processo a pedido do Ministério Público.

Carreira lá fora

Em 2006, foi colocado em Timor-Leste. Ficou lá pouco mais de dois anos até a comissão não ser renovada. Naquele país, julgou o antigo ministro do Interior, Rogério Lobato, e, como relator de um processo aberto no Tribunal de Recurso, declarou inconstitu­cional o Orçamento de Estado. Depois esteve na Guiné-Bissau e foi um dos 25 juízes eleitos pela Assembleia Geral da ONU para julgar crimes contra a Humanidade – um dos seus casos foi o do recurso do caso que visou Radovan Karadzic, o sérvio condenado a 40 anos de prisão.

A família

Ivo Nelson de Caires Batista Rosa nasceu a 17 de setembro de 1966 em Caminho do Chão, em Santana, um concelho da Madeira. Faz parte de uma família numerosa que fez vida em Santana, pelo menos, desde o século XIX. Ivo tem mais quatro irmãos, sendo que o mais conhecido é o jornalista Gil Rosa, que foi correspond­ente da SIC antes de se mudar para a RTP. O irmão mais velho, António Joaquim, foi presidente da Junta de Freguesia de Santana pelo PSD. Já o irmão Samuel, bancário e dirigente sindical, foi deputado municipal pelo PS.

A magistratu­ra

Trabalhou nos CTT, estagiou num escritório de advogados de Lisboa e foi jurista da Câmara do Funchal, antes de entrar no Centro de Estudos Judiciário­s, no 10.º curso de formação. Tinha 26 anos quando foi colocado a estagiar no 1.º juízo criminal do Funchal. Em 1994, começou a trabalhar como juiz efetivo no Vimioso. Seguiram-se colocações em São Miguel, nos Açores, e na Madeira. Ainda andou entre as varas cíveis de Lisboa e do Funchal e o Tribunal de Família e Menores da capital. Em 2003, foi colocado nas varas criminais da Boa Hora.

O Furacão

Em julho de 2005 entrou como efetivo pela primeira vez no Ticão. Esteve lá cerca de dois meses, mas foi a ele que coube a autorizaçã­o e acompanham­ento das primeiras buscas do célebre caso Furacão. Tinha 39 anos. Naqueles dias, apesar de também ter estado, por exemplo, na sede do BES e na casa da Comporta de José Manuel Espírito Santo, Ivo não foi fotografad­o ou filmado pelos órgãos de informação. Discreto, o magistrado judicial já começara nas últimas semanas a ouvir as escutas telefónica­s do processo.

Os estudos

Sempre cultivou a imagem de bom aluno. Num programa da RTP Madeira, em 2017, revelou que foi no 12.º ano que sentiu a atração pela carreira de juiz, quando assistiu pela primeira vez a um julgamento e ficou fascinado pelos rituais da sala de audiências. Estudou na Universida­de de Coimbra, onde terminou a licenciatu­ra em 1990 com a média final de apenas 12 valores. Um dos colegas de curso foi Paulo Mota Pinto, filho do antigo líder do PSD Carlos Mota Pinto, que viria a ser deputado social-democrata e juiz no Tribunal Constituci­onal.

A vida pessoal

Na Madeira, chegou a fazer parte da escola de samba e costumava desfilar mascarado nos cortejos de Carnaval. Fê-lo durante anos e já como juiz, mas foi abandonand­o essa prática à medida que foi ganhando maior visibilida­de na magistratu­ra local. Hoje, gosta de ir ao ginásio e de passar férias na Madeira ou no Alentejo. Aos 54 anos, Ivo nunca casou, não tem filhos, nem animais de estimação e não se lhe conhece publicamen­te namorada/o. É visto como um trabalhado­r incansável pelos tribunais por onde passou.

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