A queda de um herdeiro de António Champalimaud
O herdeiro de mais de 200 milhões de euros de uma das maiores fortunas portuguesas está em apuros: vendeu fazendas no Brasil, entregou duas herdades icónicas ao BCP e foi parar a um fundo-abutre. O negócio em que o pai foi rei, o cimento, está a ser o fim da herança do filho. Luís mantém a esperança, mas as perspetivas são negras.
Aprimeira vez que visitou a Herdade do Belo, Luís Champalimaud tinha 9 anos. Naquele dia, algures em 1961, e durante umas longas sete horas e meia, percorreu o Alentejo na parte de trás de um Land Rover, no meio de lavatórios, retretes e materiais de construção variados – o pai, o milionário António Champalimaud, tinha acabado de comprar a propriedade e queria começar a fazer obras o mais depressa possível. Nessa altura, Luís não sabia ainda que seria ele a herdar aqueles terrenos. Nem sabia que, muitos anos mais tarde, ali organizaria as caçadas de que tanto gosta, com empresários, banqueiros e membros da realeza, como Felipe de Bourbon. E estava longe de imaginar que, precisamente 60 anos depois de os Champalimaud se tornarem donos daqueles 1.600 hectares em Mértola, entregaria a icónica herdade a um banco por causa de uma
O BCP VENDEU EM SALDO A DÍVIDA DE CHAMPALIMAUD AO FUNDO-ABUTRE QUE FICOU COM OS CALOTES VIP DO BES
dívida de milhões de euros – uma dívida gerada pelo negócio em que o pai foi rei, mas que nestes últimos anos empurrou o herdeiro para perto do abismo.
Luís de Mello Champalimaud, 69 anos, era até há pouco tempo dono de uma das maiores fortunas do País, posta acima de 300 milhões de euros nos rankings de milionários regularmente publicados na imprensa. Mas esse património tem sofrido perdas avultadas desde 2017 e a situação financeira de Luís é hoje muito delicada. No início deste ano, o BCP vendeu com desconto uma carteira de crédito malparado chamada Ellis, na qual seguiu uma dívida de 18,4 milhões de euros da Confiança Participações, a holding que concentra os negócios e as propriedades de Luís Champalimaud. O comprador foi o fundo norte-americano Davidson Kempner, que adquiriu em 2020 os enormes calotes de clientes VIP do Novo Banco, herdados do BES.
Os 18,4 milhões que o BCP despachou equivalem ao que ficou por pagar já depois de o empresário ter
entregado, no ano passado, ao banco os ativos que dera como garantia e que incluíam duas grandes propriedades herdadas do pai: a Herdade do Belo e a Herdade da Raposa, também em Mértola, que António Champalimaud comprara em 1972. Tal como a do Belo, a da Raposa era outra joia da coroa – em 2007 tornou-se uma das primeiras propriedades na Europa a receber a prestigiada certificação Wildlife Estates, para zonas de caça sustentável.
Luís entregou as duas herdades como dação em pagamento tendo conseguido, segundo apurou a SÁBADO, autorização para continuar a explorá-las durante um prazo limitado. O BCP deu opção de recompra a Champalimaud, mas fontes do setor financeiro ouvidas pela SÁBADO não acreditam que venha a ser exercida. “Ninguém pediu a insolvência dele, mas as dificuldades são mesmo muito grandes”, apontou uma dessas fontes, sob anonimato. Além das herdades em Portugal, vendeu também as duas fazendas que tinha no Brasil: a fazenda Três Rios, em Minas Gerais, e a Imperatriz, no Maranhão.
O BCP é o banco com o qual Luís Champalimaud tinha, de longe, a relação mais estreita em Portugal: em 2006, Jardim Gonçalves convidou-o para ser membro do conselho geral e de supervisão, o órgão máximo da instituição, do qual chegou a ser presidente entre 2009 e 2011. A decisão do banco em que Champalimaud tem este passado recente é, por isso, uma especial demonstração de descrença sobre a sua situação financeira. Este tipo de venda de malparado é para os bancos uma forma de tirarem discretamente do seu balanço problemas difíceis de resolver, entregando-os a um fundo-abutre. “O BCP informou-nos dessa venda há dias, não tendo havido qualquer outro contacto sobre o tema”, confirma Luís Champalimaud, por escrito, à SÁBADO. “Naturalmente que tudo fizemos para cumprir com os nossos compromissos, tendo liquidado uma parte muito importante do débito e reestruturado o saldo da dívida, que passou a estar regular e não vencida, a ser amortizada durante vários anos”, juntou. O BCP preferiu não comentar a operação.
A origem da dívida ao BCP está diretamente ligada ao maior problema
SÓ ENTRE 2016 E 2019 A HOLDING QUE REÚNE OS NEGÓCIOS DE LUÍS GEROU QUASE 50 MILHÕES DE EUROS EM PREJUÍZOS
de Champalimaud: a cimenteira no Brasil, que comprou à família no processo de partilhas da herança do pai, em 2005. “O financiamento do BCP foi para ajudar-nos a recuperar a fábrica”, explica. A Empresa de Cimentos Liz é a antiga Soeicom, o primeiro passo de reconstrução do império dado por António Champalimaud no Brasil, após as nacionalizações de 1975. A cimenteira é o ativo principal da Confiança Participações e é também a explicação principal para quatro anos consecutivos de prejuízos, com 49,6 milhões de euros de perdas na holding entre 2016 e 2019. A SÁBADO não conseguiu encontrar as contas da Empresa de Cimentos Liz depois de 2015, o último ano disponível nas bases de dados empresariais (o período entre 2013 e 2015 foi de prejuízos anuais consecutivos, cerca de 18 milhões de euros). Questionado sobre o montante das perdas a partir de 2015, Champalimaud diz: “Não tenho esse número na cabeça.” Reconhece, no entanto, a acumulação de “muitos prejuízos devido ao problema da obra” – desta obra, e dos outros problemas, falaremos mais à frente.
A fábrica que quase quebrou o pai
Dos oito filhos que António Champalimaud teve – sete do casamento e uma oitava filha numa relação extraconjugal – só quatro estão vivos: Maria Cristina, Manuel, Luís e Ma
riana (o único nome tornado público da filha nascida fora do casamento – ver caixa). Luís é o único que faz questão de assinar com dois dos apelidos mais sonantes do capitalismo português. A mãe, Maria Cristina de Mello, era neta do industrial Alfredo da Silva, fundador da CUF (o Melo de Luís começou por ter apenas um “l” por erro de quem o foi registar, mas entretanto o lapso foi corrigido). Quando a jornalista Judite Sousa, numa entrevista na RTP em 1999, observou que ele nascera “num berço de platina”, Luís Champalimaud corrigiu-a: “Peço desculpa: era privilegiado, mas num império de platina. Não sei se sabe, mas o senhor D. Manuel de Mello é meu avô. Portanto, eu direi: de um lado o império CUF, do outro lado o império do senhor António Champalimaud.” Os Mello da quarta geração hoje à frente dos dois impérios dessa família – o grupo José de Mello e a Sovena – são seus primos direitos.
O 25 de Abril apanhou Luís ainda a tirar um curso de Gestão em Évora no qual, dizem os amigos da altura, nunca foi bom aluno. Gostava mais de atirar com a espingarda – aos 20 anos sagrou-se campeão europeu de tiro aos pratos – ou de sair no carro que o pai lhe dera aos 19 anos, um VW Carocha, para se divertir com os amigos na noite de Cascais. Na mesma entrevista à RTP assumiu que aos 22 anos, quando aconteceu a revolução, era “um idiota que não tinha a noção do que era o dinheiro”.
A vida, entretanto, mudou. Em 1975 conseguiu sair do País para Paris, onde estava o pai, e daí foi para o Brasil. Como António Champalimaud fizera aos 24 anos, começou a carreira no negócio do cimento, na fábrica que o pai já começara a construir antes do 25 de Abril: a Soeicom. Continuou a andar de Carocha e a divertir-se, mas noutro contexto: assumiu funções comerciais na empresa. “O meu pai emprestou-me um Volkswagen Fusca e eu viajei pelo Brasil para conhecer o mercado do cimento. Durante a semana andava pelos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio e aos sábados ia para o forcontos
NOS PRIMEIROS TEMPOS DA CIMENTEIRA, OS ORDENADOS DA ADMINISTRAÇÃO ERAM PAGOS EM TRÊS PRESTAÇÕES
ró”, contou à SÁBADO em 2009.
A fábrica que estavam a construir em Vespasiano era o que restava à família. Com o património em Portugal nacionalizado, seriam o escritório numas águas furtadas do Rio de Janeiro e este projeto a ditar o renascer do império de António Champalimaud. Um renascer difícil – quando a Soeicom foi fundada, em 1969, a família estava longe de imaginar que poucos anos depois uma Revolução os deixaria sem capital para continuar as obras. Foi, desde o início, um projeto atribulado. Uma manobra de António Champalimaud permitira-lhe pôr o Estado (que lhe nacionalizara o património em
Portugal) a pagar-lhe a fábrica brasileira: antes das nacionalizações pusera a sua Empresa de Cimentos de Leiria (ECL) a dar garantias de 841 mil (120 milhões de euros hoje) aos bancos que financiavam a construção, incluindo o Banco Pinto & Sotto Mayor de que fora dono. Quando o banco e a ECL foram nacionalizados, Champalimaud deixou uma parte da conta da fábrica para o Estado português – no livro O Ataque aos Milionários, do jornalista Pedro Jorge Castro, descreve-se ainda como Champalimaud passara da ECL para si próprio a posse da Soeicom, aparentemente antes das nacionalizações, uma operação que levantou suspeitas de fraude às autoridades portuguesas. Mesmo com estas manobras, a cimenteira construída no estado de Minas Gerais, foi uma dor de cabeça constante – e quase levou António Champalimaud a desistir. Nos primeiros tempos, os ordenados dos administradores eram pagos em três prestações, a dívida vencida chegou a ser equivalente a três vezes o capital social da em
presa e a hipótese de vender tudo estava diariamente em cima da mesa. “Os meus filhos estavam no Rio de Janeiro, tentado obter os créditos, mandavam-me o dinheiro de manhã, o dinheiro acabava-se à tarde e não sei quantas vezes chegava à noite e dizia-lhes por telefone ‘ó filhos, entreguem-se aos credores’”, contou o patriarca da família numa entrevista à RTP em 1992.
Não desistiu. Ainda teve um acordo de venda assinado com a Lafarge, mas conseguiu enfurecer os franceses e levá-los a desistir do negócio depois de já ter concordado desfazer-se da fábrica. Quando a fábrica foi finalmente inaugurada, em 1976 e com 500 trabalhadores, o Brasil já não era uma estreia para o seu filho Luís, que nos anos 80 ficou a dirigir a área comercial. Nessa década, a fábrica que chegou a ser o maior investimento português no estrangeiro teve as suas contas equilibradas. Não seria sempre assim.
Quando já se tinha habituado a viver do outro lado do Atlântico, o assassinato do irmão João, apenas 13 meses mais velho, trouxe Luís de volta a Portugal. Estávamos em 1992 quando o pai lhe arranjou um lugar na administração da seguradora que fora sua e que acabara de comprar nas reprivatizações: a Mundial Confiança. Em 1999, quando António Champalimaud anunciou a intenção de vender aos espanhóis do Banco Santander 40% do seu grupo financeiro entretanto formado nas privatizações foi Luís que deu a cara pela defesa de
A COMPRA DOS NEGÓCIOS NO BRASIL FOI DISPUTADA COM O IRMÃO MANUEL, QUE FEZ UMA PROPOSTA MAIS BAIXA
um negócio no qual praticamente não fora envolvido – o pai negociara com o apoio de outras cabeças, a do economista Carlos Tavares e a do advogado José Miguel Júdice. Luís acabaria por sair da área financeira, que no ano 2000 seria toda vendida por mais de mil milhões de euros.
Desastre em Vespasiano
Depois da morte do pai, em 2004, Luís voltou onde começara: ao cimento. No testamento, cuja leitura levou quatro horas, o pai deixou-lhe mais de 200 milhões de euros. No processo de partilhas comprou os negócios no Brasil, em que se destacava a Soeicom. “Ainda houve uma certa disputa. O meu irmão Manuel candidatou-se a ficar com tudo, mas ofereceu um preço que não interessou aos irmãos. Eu ofereci outro preço, com as minhas sobrinhas [filhas do irmão João] e foi aceite”, contou à SÁBADO. Luís Champalimaud ficou então com 80% do capital; as sobrinhas, três filhas do irmão João, entraram como sócias. E Luís ficou à frente da empresa.
Numa carta entregue à filha Maria Cristina em 1996, António Champalimaud avisara os herdeiros para os riscos de passos como este. “Quero alertar-vos que ao projetar esse agrupamento [empresarial que iria legar] dei primazia à obtenção de rendimentos e não a uma garantia de colocação para administradores [da família]”, escreveu. “Por isso as empresas deste agrupamento para bem atingirem os seus fins deverão ser administradas por aqueles, mesmo estranhos à família, que melhor respondam aos seus problemas específicos e não podem ser encaradas como oportunidades de trabalho para a família dos acionistas”, juntou. O patriarca apontava para o risco das “lutas intestinas”, mas a carta parece também transmitir algum ceticismo do homem que se julgava insubstituível sobre a capacidade de gestão da geração seguinte.
Em homenagem ao seu tio-avô, Luís Champalimaud mudou o nome da Soiecom para Empresa de Cimentos Liz – a sigla é ECL, a mesma da Empresa de Cimentos
Q de Leiria fundada em 1920 por Henrique Sommer, e de onde o pai se lançou para, nas condições muito particulares do Estado Novo, dominar o setor no País. Quando Luís ficou dono da cimenteira, o cenário era muito diferente da modernidade dos anos 80. “Quando assumimos a fábrica encontrámo-la bastante degradada e sem alma”, explica Champalimaud à SÁBADO. “Além disso, o conceito técnico da fábrica tinha cerca de 40 anos e a engenharia da indústria cimenteira tinha evoluído, pelo que entendemos ser mandatório modernizar a fábrica”, junta.
Para isso, contudo, era preciso muito dinheiro. Em 2011, já seis anos depois da aquisição, Champalimaud tentou cotar a cimenteira na Bolsa para atrair capital novo – a 1 de abril desse ano, a Reuters noticiou o fracasso da operação por falta de interesse dos investidores, mesmo depois de a empresa e os bancos que a assessoravam terem cortado para quase metade o preço pedido por ação. “O IPO [oferta pública de venda] falhou e então fizemos o upgrade recorrendo a capitais próprios e a empréstimos bancários, tanto portugueses como brasileiros”, conta o empresário. É aqui que entra o financiamento do BCP à holding Confiança Participações.
Champalimaud ocupou durante mais de cinco anos cargos nos órgãos sociais do BCP e foi presidente do conselho geral e de supervisão de 2009 até ao fim de 2011. A SÁBADO perguntou ao BCP se o empréstimo foi concedido durante o exercício de funções de Champalimaud, mas o banco não quis responder. O próprio, garantiu à SÁBADO que não. A ascensão de Champalimaud no conselho geral do banco que, anos antes, comprara parte do grupo financeiro do pai ocorreu na disputa pelo poder entre Jardim Gonçalves e Paulo Teixeira Pinto. A fação derrotada, de Jardim, classificou-a mais tarde como “assalto ao BCP”: uma alteração no maior banco privado do País, avalizada pelo Banco de Portugal e pelo Governo socialista, com a influência de novos acionistas (o chamado grupo dos sete, incluindo Joe Berardo, Bernardo
A REFORMA DA FÁBRICA NO BRASIL ACABOU EM TRIBUNAL E GEROU 200 MILHÕES DE PREJUÍZOS. “CORREU MUITO MAL”
Moniz da Maia, entre outros) e a transferência da administração da Caixa para o BCP. À frente dessa administração estava Carlos Santos Ferreira, que havia trabalhado sob a liderança de Luís Champalimaud na Mundial Confiança.
Os financiamentos de 95 milhões de euros permitiram avançar com a reforma da fábrica, mas esta revelou-se um desastre – Champalimaud fala de “cerca de 200 milhões de euros em prejuízos”. A obra “foi iniciada em 2011, liderada por uma empresa de engenharia alemã com 150 anos de experiência na indústria cimenteira, e correu muito mal”, admite. A cimenteira rescindiu o contrato em 2013 – “tendo a justiça dado total razão à rescisão com justa causa”, descreve o empresário –, mas o dano foi enorme. Os problemas no coração da fábrica, o forno, levaram dois anos a superar. Quando o forno começou a produzir o previsto, em 2015, já a empresa tinha perdido o boom do mercado brasileiro antes dos Jogos Olímpicos e do Campeonato do Mundo de Futebol, conta Champalimaud – o que havia era recessão.
A economia do Brasil caiu 6,8% em dois anos e vaporizou 30% do mercado do cimento. A seguir veio a desvalorização de 114% do real nos anos seguintes, “gravíssima para a indústria cimenteira” diz Champalimaud, citando que 40% dos custos variáveis de produção estão indexados ao dólar. A queda do real trouxe outro problema, admite o empresário: a dívida da empresa em euros que, entretanto, crescera. Uma fonte financeira confirma que este foi um dos maiores problemas nos últimos anos – o culminar de um desastre em câmara lenta, que já não apanhou uma das herdeiras do irmão João.
Sofia Champalimaud, que entrara na aliança inicial com as irmãs e o tio Luís, vendeu a sua posição por 6 milhões de euros antes do investimento na obra, ficando com uma presença simbólica no capital. Saiu a tempo. Luís refere que “ao nível pessoal” têm sido as sobrinhas, suas sócias, e a família que o têm ajudado a superar as dificuldades financeiras – dificuldades que são, em termos gerais, do conhecimento de toda a família. “Os problemas no Brasil são antigos”, diz um Champalimaud à SÁBADO. “Está há algum tempo em risco de perder as herdades”, acrescenta outra fonte próxima.
“Se Deus nosso senhor quiser”
A Herdade do Belo, que Champalimaud entregou para abater à dívida, era há várias décadas o seu refúgio preferido. Quando saiu do banco, as caçadas mudaram – deixou de as usar como operação de charme para grandes clientes –, mas só pararam mesmo com a pandemia. Em 2009,
quando a SÁBADO o entrevistou pela primeira vez, Luís Champalimaud aproveitava dois fins de semana em cada mês para juntar perto de 20 amigos na herdade com vista para o rio Guadiana. Os convívios começavam quase sempre com um jantar e um concurso organizado pelo proprietário: o “Totocaça”, em que os todos os convidados tentavam adivinhar o número de peças que seriam caçadas no dia seguinte, geralmente um sábado. Para selar a aposta, cada participante entregava entre 50 e 100 euros. No fim, ganhava quem mais se aproximasse do valor correto de animais caçados e pelo menos metade do dinheiro era doado a obras sociais. Entre os convidados havia um grupo de habituais que incluía António Soares Franco, presidente da produtora de vinhos José Maria da Fonseca e amigo de infância de Luís Champalimaud. Manuel Dias Loureiro, ministro do cavaquismo e ex-gestor da SLN, era uma presença ocasional.
A entrega das duas herdades icónicas foi um dos fatores que o terá poupado à litigância com o banco. “Quando honramos compromissos ou deveres não avaliamos o que isso
O estilo desassombrado de um Mello Champalimaud
“Infelizmente não acredito que haja muitos homens em Portugal que lhe sucedam”
Uma referência ao pai, em 1999, numa entrevista à RTP
“Tenho cada vez mais admiração por um homem chamado Dr. Oliveira Salazar”
O “projeto” do Estado Novo “falhou”, mas admira o “homem”
“Um dia, quando formos para o cemitério, vamos todos com gravata preta e sapatos pretos”
Sobre a sua relação com o dinheiro. Disse ainda ser dado a “tentações de consumo”
“DENTRO DE ALGUNS ANOS TEREMOS A SITUAÇÃO FINANCEIRA EQUILIBRADA, SE DEUS NOSSO SENHOR QUISER”
nos custa, já que a Honra é o bem mais Sagrado que temos”, responde o empresário, que admite continuar em conversas com os bancos brasileiros para saldar as dívidas que tem do outro lado do Atlântico.
Apesar das evidentes dificuldades financeiras, mostra fé no futuro. “Temos hoje em dia uma excelente Fábrica, uma excelente Equipa, a Marca LIZ, que é premium, e eu administro o negócio neste momento aqui de Portugal”, aponta, citando o reavivar inesperado do mercado em 2020, a subida dos preços do cimento e o regresso dos resultados operacionais (que excluem o serviço da dívida) a valores positivos. “Se continuarmos com os apoios da Banca e dos Fornecedores, como esperamos continuar a ter, dentro de alguns anos teremos a situação financeira equilibrada, se Deus nosso senhor quiser”, acredita.
Nos bastidores da comunidade financeira – nos quais a situação difícil de Champalimaud é um segredo aberto – a fé é consideravelmente menor. No imediato, Champalimaud terá de lidar com o fundo que comprou a sua dívida a preço de saldo – a Davidson Kempner tentará recuperar o que puder dessa dívida. Sobra, depois, o problema de fundo: o futuro da fábrica que não para de sangrar dinheiro. “A fábrica é relativamente pequena no contexto brasileiro, o mercado é já maduro, difícil e tem margens baixas”, aponta uma fonte conhecedora do processo. Apesar do crescimento em 2020, o próprio setor do cimento “enfrenta ainda desafios por causa das previsões baças de crescimento para o próximo ano e o risco de novos confinamentos”, apontava no fim de 2020 um relatório do banco JP Morgan sobre uma concorrente maior que a ECL, a brasileira Votorantim. A perspetiva de duas fontes financeiras ouvidas pela SÁBADO é de que, na hipótese mais favorável, Luís de Mello Champalimaud tenha extrema dificuldade em manter a empresa nas suas mãos. Para já não está pronto a reconhecê-lo. “Logo que se possa ir e voltar ao Brasil, irei lá passar uma boa temporada certamente”, afirma. W Q