O que os políticos andam a dizer na nova rede social
O que se ouve no Clubhouse: com quem é que Carlos Guimarães Pinto não tomava copos? E que castigo Paulo Pedroso aplicava a jornalistas?
Há um detalhe que Adolfo Mesquita não se esquece da sua primeira intervenção parlamentar como deputado pelo CDS. Enquanto centenas de pessoas iam entrando na sua sala de Clubhouse, rede social que permite conversas de áudio ao vivo, o antigo vice-presidente do CDS aproveitou esse compasso de espera para descrever “o trauma” desse momento. “Estava ali nervosíssimo por estar a discursar na Assembleia da República pela primeira vez e, de repente, enquanto estou a fazer a minha intervenção, começo a ouvir bocas por todo o lado”, recordou. “Fiquei furioso com os meus colegas, pensava que eram eles.” Mas não eram: como lhe explicou Michael Seufert, então colega de bancada, as bocas vinham das bancadas de esquerda e Mesquita Nunes acabara de experienciar o efeito-eco do parlamento. Seufert, que estava na sala de Clubhouse, riu-se e confirmou: “É verdade, estes apartes e maldizeres eram uma prática recorrente. Já tínhamos estratégias.” “E o Micha tinha um talento especial para isso”, rematou Mesquita Nunes, para boa disposição de todos.
CENTRISTAS E LIBERAIS SÃO PARA JÁ OS MAIS PRESENTES E ATIVOS NA NOVA REDE SOCIAL
O Clubhouse junta gente de todas as franjas da sociedade, de ministros a empresários, deputados, autarcas e cidadãos comuns, em conversas informais – por vezes até demasiado. De madrugada, já depois da meia-noite, Carlos Guimarães Pinto intervinha num painel que discutia “com quem não beber copos”. Sem pudor, o fundador e ex-presidente do Iniciativa Liberal admitiu: “Eu tomar copo… hmmm, agora que penso nisto, nunca tomava um copo com Carlos Carvalhas”, antigo secretário-geral do PCP.
Com uma forte presença centrista e liberal, as salas sobre política acompanham muitas vezes a atualidade – o que dá azo a momentos insólitos. Quando Miguel Quintas desistiu de ser candidato da Iniciativa Liberal (IL) em Lisboa, envolto em polémica por ter admitido que a nacionalização da TAP podia até ser uma “excelente opção”, o deputado do PSD e líder da JSD Alexandre Poço juntou-se a uma conversa para lançar ironia. Perante uma plateia de maioria liberal, afirmou: “Espero que pelo menos agora consigam arranjar alguém, um liberal, que não queira nacionalizar a TAP...”
À SÁBADO, Seufert considera que no Clubhouse “há uma componente de descontração e de informalidade que contribui para o debate político”. “Além da qualidade áudio e da possibilidade de discurso direto, aqui há uma grande possibilidade de interação”, explica o ex-deputa
do centrista, que foi mandatário nacional de Tiago Mayan, candidato presidencial apoiado pelo IL. Interessado por salas com questões políticas e económicas, cujos temas vão do marketing empresarial às criptomoedas, o centrista está a tentar expandir a atividade do seu blogue O Insurgente para o Clubhouse. E tem participado em salas de conversação com Cecília Meireles, Adolfo Mesquita Nunes e João Almeida, numa espécie de “ensaio” informal na procura do formato certo para um projeto novo. “Queremos uma coisa mais regular”, revela.
A formalidade socialista
Apesar da forte presença liberal, há deputados, autarcas e figuras de esquerda que são presença comum nas discussões. No passado fim de semana, num evento organizado pelo projeto “Os 230” sobre verdade e jornalismo, o deputado socialista Miguel Costa Matos fez uma intervenção no Clubhouse ao mesmo tempo cordial e institucional. Questionado sobre como lidar com as pessoas que põem “rótulos de privilegiados aos deputados” e que acham que se “come lagosta no parlamento”, o socialista frisou apenas que “um deputado precisa de provar às pessoas que merecem a confiança delas”.
“Enquanto deputado, tenho alguma responsabilidade na forma como falo e comunico, se bem que o Clubhouse exige mais informalidade de discurso”, explicou Costa Matos à SÁBADO. Além disso, considera que a plataforma é uma oportunidade de “quebrar barreiras e ter um diálogo
A REDE PERMITE O CONTACTO COM PESSOAS FORA DA BOLHA DE PRÓXIMOS, DIZ O DEPUTADO MIGUEL COSTA MATOS
entre eleitos e eleitores”. “Muitas vezes quando comunicamos no nosso dia a dia político, parece que temos um discurso unilateral – e aqui não se sente isso”, começa o deputado. “Esta plataforma quebra a lógica do echo chamber [caixa de ressonância] de outras redes sociais e entramos facilmente em contacto com pessoas desconhecidas, fora da nossa rede de amigos. Ajuda-nos a expandir o horizonte de diálogos.” E aponta ainda mais uma vantagem: “Numa era de fake news, no Clubhouse há uma voz por trás de cada utilizador e o diálogo é mais comprometido, as pessoas assumem mais as suas posições.”
É o caso de Paulo Pedroso, por exemplo. No mesmo painel de “Os 230” fez considerações assertivas. O antigo ministro do Trabalho faz uma “leitura crítica das fontes, especialmente fontes judiciais”: e “o jornalismo também é manipulado pelas fontes”, refere. E põe em causa a falta de “consequências” para o erro dos jornalistas: “Quando há um erro médico, há consequências. Quando há um erro judicial, há instituições internacionais (no meu caso, até recorri a um tribunal europeu que clarificou tudo). E quando há um erro da comunicação social? Acho que isto também é uma coisa que se pode pensar.” W