Agnès Callamard, a destemida nova líder da Amnistia Internacional
Neta de um resistente fuzilado pelos nazis, a ex-relatora especial da ONU é voz ativa quanto a direitos humanos e liberdade de expressão. Ameaçada pela Arábia Saudita, até o Presidente das Filipinas já lhe prometeu umas bofetadas.
Onome era pomposo: relatora da Organização das Nações Unidas (ONU) para execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias. Mas descrevia um emprego difícil, no qual Agnès Callamard se habituou a ameaças, públicas e privadas. Agora, que mudou, não vai para um mais fácil: é a nova secretária-geral da Amnistia Internacional (AI).
Em 2019, publicou o relatório de 100 páginas sobre a investigação de seis meses à bárbara morte do jornalista saudita Jamal Khashoggi. O antigo editor do canal Al-Arab News, colunista do jornal norte-americano The Washington Post e crítico acérrimo do príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammad bin Salman, entrou no consulado do seu país em Istambul, Turquia, a 2 de outubro de 2018 e não saiu do edifício com vida. Sobre a morte de Khashoggi, Callamard relatou: “O assassinato foi resultado de uma elaborada planificação implicando uma extensa coordenação e importantes recursos humanos e financeiros. Foi supervisionado, planeado e aprovado por responsáveis de alto nível. Foi premeditado.”
Acrescentou ainda que existiam “provas credíveis da responsabilidade individual de altos funcionários sauditas, bem como do príncipe herdeiro.” Agnès requereu aos conselhos de Direitos Humanos, de Segurança e ao secretário-geral da ONU que fosse conduzida uma investigação criminal internacional. Isso não impediu que esta diretora na Universidade de Columbia de um curso dedicado às liberdades de imprensa e de expressão tenha sido ameaçada de morte por um alto funcionário da Arábia Saudita.
Agnès foi alertada por um colega da ONU, em janeiro de 2020, para uma reunião em Genebra onde o dito diplomata saudita a terá ameaçado por duas vezes – iriam “tratar dela” se a ONU não a controlasse, foi a expressão utilizada. Além disso, foi ainda levantada a acusação de Callamard estar a receber dinheiro do Catar para manchar a imagem da Arábia Saudita. A investigadora francesa não ficou por aí e declarou que tinha informações acerca de uma conta de WhatsApp do príncipe Bin Salman utilizada para espiar o telefone de Jeff Bezos, multimilionário, CEO da Amazon e proprietário do The Washington Post. “Estas alegações”, afirmou Callamard, “reforçam outros relatórios que apontam para um padrão de vigilância orientada para presumíveis oponentes e de abrangente importância estratégica para as autoridades sauditas, incluindo cidadãos nacionais e internacionais”.
Outras ameaças recebidas prendem-se com as Filipinas. Em 2017, o Presidente do arquipélago, Rodrigo Duterte, ameaçou-a publicamente com uma bofetada se Agnès o investigasse por alegadas execuções extrajudiciais. Não era a primeira vez que Duterte o fazia. Outra bofetada tinha sido prometida quando a relatora da ONU criticou a violenta campanha antidroga levada a cabo nas
“NÃO TEM ORÇAMENTO, NÃO TEM ESCRITÓRIO, NADA. E VEJA-SE COMO A ARÁBIA SAUDITA A TEME”
Agnès é, desde 2014, diretora do projeto Global Freedom of Expression, da Universidade de Columbia, EUA
Filipinas e que já resultou em milhares de mortos.A contestação entre os apoiantes de Duterte não se fez esperar. Questionada pelo jornal inglês The Guardian sobre a sensação de viver a olhar por cima do ombro, Callamard confessou: “Tento manter um estilo de vida saudável. Ser forte. Ser amada e amar de volta. Sentir empatia e compaixão. Manter-me centrada e não permitir que o medo influa no que faço.”
Uma voz corajosa
Em 2017, a mulher que mistura frequentemente inglês e francês nas suas frases, em parceria com três outros relatores da ONU, reclamou uma investigação independente à morte da jornalista maltesa Daphne Caruana Galizia, ativista anticorrupção na ilha do Mediterrâneo. O filho de Daphne, Matthew, não tem dúvidas sobre a competência de Callamard: “Admiro realmente o que ela está a fazer. Não tem orçamento, não tem escritório, nada. E veja-se como a Arábia Saudita a receia.”
A 29 de março deste ano, Agnès Callamard foi nomeada secretária-geral da AI com a seguinte apresentação: “A combinação da sua destreza intelectual, a sua ampla existência internacional em matéria de direitos humanos e a sua voz corajosa fazem dela uma pessoa altamente qualificada para defender o nosso movimento. Num momento em que os direitos humanos estão sob uma ameaça sem precedentes em todo o mundo, a Dra. Callamard irá liderar, motivar e unir todo o movimento da Amnistia para enfrentar os desafios que temos pela frente.” Callamard deixou bem clara a sua forma de trabalhar: “Ali, onde os governos e as empresas tentam silenciar aqueles que denunciam abusos, escondem a verdade e minam, ou rejeitam, os padrões de direitos humanos, as rigorosas investigações e a inflexível campanha da Amnistia Internacional são mais essenciais do que nunca.” Agnès Callamard foi nomeada para um período de quatro anos e sucede à secretária-geral interina, Julie Verhaar. W