SÁBADO

Abriu a primeira pastelaria (que é café) marroquina do País

Chegou a Lisboa há 10 anos, quando havia pouco de marroquino para comer no País. Abdelkerri­m Berraham acaba de abrir Yamina, a primeira pastelaria marroquina da capital.

- Por Catarina Moura

QUANDO tinha uns 8 anos, Kerrim saltava a janela do quarto da avó para roubar doces. Em Marrocos, na preparação de casamentos, o banquete de doces era, como todas as coisas valiosas, guardado no quarto da avó. Mais de 20 anos depois, a partir da mefutebol mória de ver fazer essas preciosida­des e das dicas da mãe ao telefone, Kerrim abriu a primeira pastelaria marroquina em Lisboa. A Yamina tem também influência­s turcas e aqui pode, finalmente, beber-se um café árabe no País.

Aquela janela deu a Abdelkerri­m Berraham tanto gosto pela comida quanto agilidade física. Foi jogador de em Marrocos e na Turquia e a admiração pelos jogadores portuguese­s trouxe-o a Lisboa. Ainda jogou um ano na Europa, em Paris, mas por Lisboa a sua vida foi, nestes 10 anos, ligada à restauraçã­o.

“Portugal foi importante para mudar a minha mentalidad­e”, conta na sua pequena pastelaria recém-aberta em Arroios. “Antes queria ganhar o dia, aqui comecei a pensar a longo

O jovem marroquino foi futebolist­a, abriu um restaurant­e em Lisboa, já teve um bazar de peças de decoração e cozinha do seu país, além de uma pequena delicatess­en

prazo”, recorda, depois de falar do restaurant­e marroquino que abriu há quatro anos (o Radia Jabroni, nome da mãe), do bazar onde vendia peças de decoração e cozinha do seu país, e de uma pequena delicatess­en de azeitonas temperadas, picles feitos na casa e fritos tradiciona­is ali na rua.

O mais recente negócio veio na pandemia. O Ramadão fazia-se com as sacas de doces secos enviados pela mãe. Com o fecho de fronteiras em 2020, Kerrim e os poucos membros da comunidade marroquina na capital portuguesa ajeitaram-se. “Comecei a fazer uns, outra amiga fazia outros e comecei a ganhar gosto. Sou cozinheiro, nunca fui de fazer doces, mas estou a mudar de ideias”, ri-se no meio das dezenas de pequenos doces secos, fritos e bolos húmidos nas vitrinas do balcão.

São uma boa amostra de como a definição de doce se retorce à volta do mundo. Kerrim resume isto num par de ideias: “Para mim, não basta ter açúcar; se não tiver algum fruto seco, não é um doce.” A conhecida baklava (folhas de massa embebidas em mel e xarope, recheadas com frutos secos) é prova disso. Kerrim fá-la à moda turca, sem água de flor de laranjeira, com amêndoa, noz ou pistácio; mais queridos entre os marroquino­s, os cornos de gazela são meias-luas de massa insípida com um recheio de amêndoa e um aroma pronunciad­o da muito usada água de flor de laranjeira.

O resto da montra tem dezenas de biscoitos com algum fruto seco ou especiaria por base – amendoim, caju, sésamo,

Kerrim faz a baklava à moda turca, sem água de flor de laranjeira: são folhas de massa embebidas em mel e xarope, com amêndoa, noz ou pistácio

erva-doce. Umas pequenas esferas de amendoim e tâmara parecem mesmo uma via direta para o Algarve; aos distraídos, podiam passar por figo seco e amêndoa.

Mais discretos há por aqui os azulejos, quadradinh­os de frutos secos com uma camada de chocolate decorado, ou os doces petiscados nas noites de Ramadão, entre colheradas de sopa de lentilhas e grão: os chebakya são uma massa contorcida, frita e passada em mel – uma delícia intensa, mais próxima do gosto português.

Na pequena esplanada, serve-se o café árabe, feito nas tradiciona­is taças de cobre, fervido três vezes com cardamomo, pimenta-preta e canela. Não precisa de um ritual especial, bebe-se como uma bica. “É muito importante depois do pequeno-almoço, para acordar. Depois do almoço põe-se mais canela e menos pimenta para ficar mais suave”, diz Kerrim.

Os portuguese­s não se acanham na doçaria. “No restaurant­e hesitavam ao pedir um prato… ‘não sei se vou gostar...’ Na sobremesa diziam ‘traga-me todas’”, conta Kerrim.

Na Yamina, o mesmo. O que apoquenta é a decoração, ainda a compor-se. A peça central chegou a Lisboa, falta pendurá-la: a antiga janela do quarto da avó, que guardou quando desfizeram a casa. Será sinal de bom augúrio: não se fecha um negócio com o nome e a janela da avó. W

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Kerrim faz vários tipos de pão, turco e marroquino, no forno ou na chapa
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Os cornos de gazela têm um recheio de amêndoa e flor de laranjeira
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A pastelaria fica na R. Passos Manuel, 4, em Arroios, Lisboa
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As baklavas são feitas à maneira turca, com nozes, amêndoas ou pistácios

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