QUEM SÃO OS MICROINFLUENCIADORES?
Não têm milhares de seguidores e são influenciadores. As marcas estão a apostar mais neles do que nas celebridades.
Há cada vez mais marcas – como a Delta ou a Fairy – a apostar numa nova forma de publicidade. Escolhem pessoas anónimas para divulgar os produtos nas suas redes sociais
Cremes depilatórios, bebidas de café, cervejas, detergentes para a loiça ou apostas desportivas foram algumas das coisas que Telmo Vieira já promoveu nas suas redes sociais. Inscreveu-se na Youzz há cerca de quatro anos e desde então perdeu a conta às campanhas de marcas que fez – sem nunca ser remunerado. A única contrapartida é usufruir dos produtos. “Gosto de experimentar coisas novas. Publico fotos nas minhas redes e alguns dos meus amigos experimentam se eu garantir que vale a pena”, conta à SÁBADO o técnico de informática, de 32 anos, que tem cerca de 1.600 pessoas que o seguem no Facebook e 940 no Instagram.
Mas como é que se pode influenciar alguém sem ser uma celebridade com milhares de seguidores? O processo é simples: feita a inscrição na Youzz – uma comunidade, como lhe chamam – é enviado um email, alinhado com um target, sobre uma determinada campanha, sem se saber qual é o produto. Se a pessoa disser que está interessada, e for selecionada, preenche um questionário de qualificação com várias perguntas. Só depois é que recebe um convite para experimentar. Se aceitar, é enviado para sua casa o kit de produtos para os desafios propostos – que consistem em fazer vídeos e fotos, por norma três, e publicá-los no Facebook, Instagram ou TikTok. Cada influenciador tem um sistema de pontos, que são atribuídos consoante o cumprimento dos desafios. Quantos mais pontos, mais campanhas.
Uma esponja, um pano e dois frascos de um produto para lavar a loiça – foi este o kit enviado a Débora Prado. A funcionária de uma loja do aeroporto de Lisboa e fotógrafa freelancer, de 30 anos, produziu então um vídeo de 55 segundos em que o namorado aparece a esfregar tachos e pratos, com o hashtag #pub. Em 15 dias teve cerca de 70 “gostos” e 20 comentários. Parece ser o suficiente. Débora está inscrita na Youzz há pouco mais de um ano e já alinhou noutras campanhas – a de um champô seco e a de uma bebida de café. Agora, diz que está à espera do kit de uma marca de produtos dentífricos. “Temos duas semanas para executar os desafios, dão-nos algumas indicações, mas não há exigências. No do detergente só pediram que não mostrássemos outras marcas e que usássemos uma flor nas fotos ou nos vídeos”, conta Débora, que é seguida por 1. 150 pessoas no Facebook e por quase 11 mil no Instagram. E acrescenta: “Este tipo de publicidade é mais vantajoso para as marcas do que para nós, que não somos pagos, apenas recebemos os produtos. Mas o meu objetivo é chegar a mais marcas e ser patrocinada.”
Fotos com plantas e abacate
“Bem-vindo à comunidade global de influenciadores. Experimenta, avalia e partilha as tuas marcas favoritas”, lê-se na homepage da Youzz net, que convida ao registo a quem quer ser um “verdadeiro influenciador”. E qualquer um o pode ser, independentemente do número de seguidores. A empresa existe há cerca de 10 anos, primeiro com o site embaixadores.com, mais recentemente como Youzz. Globalmente, tem mais de 800 mil pessoas registadas, cerca de 200 mil das quais em Portugal. “O objetivo é pôr as pessoas em contacto com as marcas, que as experimentem, criem uma opinião e possam partilhá-la com a sua esfera de amigos e familiares. Com o digital a evoluir tão rapidamente, sobretudo durante a pandemia, verificou-se um
DÉBORA JÁ FEZ CAMPANHAS A UM CHAMPÔ E BEBIDAS. “TEMOS DUAS SEMANAS PARA EXECUTAR OS DESAFIOS”
aumento dos registos”, explica à SÁBADO Nelson Patrício, diretor-geral da Youzz, que trabalha com cerca de 50 marcas nacionais.
Susana Coelho aceitou fazer a campanha de uma gama de produtos para o cabelo e foi-lhe pedido que tirasse as fotografias com um fundo de plantas verdes e um abacate, já que o champô e o amaciador contêm óleo daquele fruto. A funcionária da Câmara de Avis fez a produção no campo e publicou no Facebook. Dos seus 1.200 amigos, 64 fizeram “gosto” e meia dúzia comentaram a publicação. Dias antes, o desafio foi com um detergente para a loiça e, além do kit, a empresa
ESTIMA-SE QUE NO ÚLTIMO ANO O MARKETING DE INFLUÊNCIA TENHA TIDO UM CRESCIMENTO DE 30%
enviou-lhe cupões de desconto, de €0,50, para distribuir pelos amigos. Para a foto contou com a colaboração do mais novo dos três filhos, de 3 anos. “Vi um amigo fazer estas publicações, achei que era interessante receber produtos para experimentar e dar a minha opinião e inscrevi-me na Youzz”, diz Susana, de 38 anos.
“Somos muito apologistas do conteúdo orgânico, aquele que é genuíno, em que a pessoa dá a opinião espontânea e não apenas porque recebeu o produto em casa. Por isso é que não forçamos ninguém a fazer os desafios porque, se o fizermos, a mensagem deixa de ser credível. O feedback destes consumidores é remetido para a marca, o que faz com que os produtos muitas vezes sejam melhorados”, revela Nelson Patrício. O conteúdo orgânico, afirma, é o que alcança melhor rácio de envolvimento e interação. Este tipo de negócio tem muitas métricas, ou seja, se alguém colocou um post sobre um champô consegue medir-se, através dos hashtags, quantas pessoas alcançou e quantas interagiram.
“As marcas estão a apostar cada vez mais no marketing de influência, com nano e microinfluenciadores. Estima-se que no último ano tenha havido um crescimento de 30%”, garante Carla Rodrigues, professora de influencer marketing e ativação de marcas digitais em várias universidades, além de business estrategy partner na What About Agency. A sua empresa trabalha com softwares como a Primetag e a Sway, que são uma espécie de bases de dados de influenciadores, que tanto podem ser figuras públicas como “comuns mortais”, desde que tenham pelo menos mil seguidores.
“Quando encontramos um perfil com potencial, entramos em contacto com a pessoa e procuramos marcas que encaixem nesse perfil. Mas ser influenciador não é só receber coisas em casa e já está. Há marcas a investir e isso tem de ser levado a sério. Partilhamos estudos e damos algumas noções de como comunicar as marcas, sem nunca descaracterizar as pessoas, senão deixa de ser orgânico”, explica. “Se for bem feito, tem um excelente retorno para as marcas.” W