JOSÉ PACHECO PEREIRA
1. O título vem da Peregrinatio ad Loca Infecta de Jorge de Sena. Em vez de “peregrinação” vem “observações” porque nem sequer quero ir lá, fico a ver de muito longe. O problema é que mesmo de muito longe vê-se bem. Bem demais.
2. Um juiz recebeu a função de ser instrutor de um processo chamado “Marquês”, resultado de uma investigação policial chamada “operação Marquês”, depois de outro juiz deduzir a acusação. Uma operação, vocábulo militar, dado que não é cirúrgico, um juiz que manda na operação militar, e outro que analisa esse resultado e manda seguir ou não as tropas. O pobre do Marquês de Pombal metido ao barulho, por causa de um prédio nas imediações, embora chamar pobre ao dito seja muita benevolência.
3. Tudo anda à volta da corrupção, as acusações, os crimes, os arguidos, os actos, as mentiras, as verdades, tudo. Este é que é o problema, o juiz Rosa acabou com a corrupção e mandou seguir para tribunal só uma pequena fracção dos crimes e uma ainda menor quantidade de acusados. Na verdade, a ser assim, a operação Marquês desabou na fase de instrução.
4. Não se percebe nada do que aconteceu, se não houver corrupção.
5. O juiz Rosa fez algumas coisas bem, e outras muito mal.
6. Fez bem ao ler as centenas de páginas da sua decisão, dando uma lição de pedagogia dos mecanismos do direito.
7. Pode ter sido uma lição perversa, mas mostrou que uma coisa são as nossas impressões, outra coisa a necessidade de as provar. Desse ponto de vista, foi um antídoto ao facilitismo de Gargantua do Ministério Público que, de tanto querer comer, provocou uma convulsão digestiva, e desfocou tudo. Mesmo discordando dos mecanismos de raciocínio jurídico ou do puro bom senso do juiz Rosa, ele revelou fragilidades evidentes no overkill do Ministério Público.
8. Mais grave do que as fragilidades daquilo que agora se chama um “megaprocesso”, que repetem outras do processo Casa Pia, que tem uma intenção de andar de rede de arrasto a ver se apanham muita gente da política (daí o forte conteúdo populista disto tudo) e acabam por não se concentrar nos verdadeiros criminosos, é que houve uma evidente sanha persecutória e abusos dos direitos da defesa. Sócrates e os seus advogados têm razão em queixar-se. A única coisa de que tem razão, mas é de monta.
9. Se é suposto haver segredo de justiça, não se podem aceitar de todo as fugas caudalosas de informação que podem ser julgadas por quem delas aproveita: a acusação. É em si mesmo um crime e não se pode aceitar a sua normalização. Querer beneficiar a acusação duplicando-a na opinião pública, só dá resultados como este: as decisões muito contestáveis do juiz Rosa geram uma comoção pouco saudável porque afectam expectativas criadas pela acusação na praça pública dos órgãos de comunicação. E é isso que dá origem às inaceitáveis pichagens que apareceram logo no dia seguinte no Campus da Justiça; “Ivo corrupto”.
10. Não é o juiz Rosa que é “corrupto”, é Sócrates e companhia, aceitando mais de 1 milhão de euros, seguindo aqui a contabilidade instrutória, por razões que pelos vistos o juiz acha que não são explicáveis. Esta deslocação de alvo, é não só injusta como um favor ao nosso engenheiro e aos seus companheiros. 11. O que está de errado na decisão do juiz Rosa, fora do plano de Direito e no plano de bom senso é que, se o Direito permite as ingenuidades das explicações que ele dá, completamente fora da realidade substantiva a favor de um claro excesso de formalismo, nunca ninguém será punido. Por exemplo, ele repete mais do que uma vez que não tendo um arguido um determinado cargo, não pode ter influenciado uma decisão. Em que mundo é que ele vive? Ou aceitando completas incongruências, comprovadas por provas indirectas, ele criminaliza o efeito B sem aceitar a causa A. É por isso que não se percebe como é que alguém dá milhões a outrem, “por amizade”, ou que um ex-primeiro ministro viva de dinheiro vivo em malas, ou ache normal esconder bens e dinheiro.
12. O juiz Rosa mostrou-se mais motivado para atacar o Ministério Público do que para saber dos crimes de que eram acusados os arguidos. Isso é péssimo e, contrariamente ao que se diz, não vai reforçar a necessidade de produzir provas mais sólidas e uma investigação mais focada e mais sólida, vai reforçar a convicção errada de que faltam leis para combater a corrupção. Em particular, leis que são inconstitucionais e mudam da obrigação de o Estado provar os crimes para a obrigação de os acusados de provarem que são inocentes.
13. Não foram leis que faltaram, foi bom senso na instrução, disciplina e rigor na acusação, economia nas acusações para terem mais solidez. No fim disto tudo, Sócrates, com aquela arrogância e a amoralidade que o caracterizam, veio cantar vitória. Não, não teve uma vitória, porque a procissão ainda está no adro. O problema é que de cada vez que a procissão não anda, e agora parou, ele pensa que se livrou. Não livrou, mas o mal é que nós também ainda não nos livrámos dele. W