O desmoronamento de Sebastian Kurz
O jovem chanceler que prometera livrar a política dos jobs for the boys foi exposto com a divulgação de SMS que mostram o seu estilo implacável e manobrador.
“VAIS TER TUDO O QUE TU QUERES”, GARANTIU A UM BOY DO PARTIDO. “ADORO O MEU CHANCELER!”, FOI A RESPOSTA
Thomas Schmid, um assessor com uma posição sénior no Ministério das Finanças austríaco, queria mesmo ser o presidente da ÖBAG, a holding de participações estatais em várias empresas – queria e fez acontecer. Schmid não tinha currículo para o cargo que podia pagar até 600 mil euros por ano – nunca gerira uma empresa – mas tinha outra coisa: a cobertura política de alguém com poder. O assessor participou no texto de descrição da posição aberta a concurso e escolheu os membros do júri que, a seguir, o escolheriam para o lugar desejado. Quando tudo estava tratado enviou uma mensagem ao seu anjo da guarda, nada menos do que o chanceler austríaco Sebastian Kurz: Schmid queria assegurar que o cargo tinha poder real e que não seria decorativo. “Vais ter tudo o que tu queres ”, garantiu Kurz. “Estou tão feliz… eu adoro o meu chanceler”, foi a resposta.
As mensagens telefónicas, com emojis e tudo, apareceram no início deste mês na capa da revista Profil, uma das principais publicações do país, e estão no centro de mais uma dose de revelações sobre Sebastian Kurz, o jovem líder da direita conservadora que em 2017 prometeu que, com ele, acabaria o amiguismo e a falta de ética na política – chegou ao ponto de mudar a cor do partido, de preto para um prometedor e mais leve azul-turquesa. As mensagens fazem parte de um conjunto mais alargado de SMS desenterradas pelos investigadores no contexto do caso Ibiza, um escândalo de corrupção que derrubou em 2019 Heinz-Christian Strache, o líder do partido de direita radical FPÖ, o parceiro minoritário do Governo de Kurz.
A divulgação de um vídeo, gravado numa casa em Ibiza, em que Strache surge a trocar a abertura de portas em negócios na Áustria – a uma mulher que se fez passar pela filha de um oligarca russo – por financiamento de uma campanha eleitoral, levou à queda do governo em 2019. Kurz, que se demitiu e conseguiu passar ao lado do escândalo, conseguiu ainda mais votos na eleição seguinte e passou a coligar-se com os Verdes. Aquele que se tornara o mais jovem ministro dos Negócios Estrangeiros da Europa (aos 27 anos) e, depois, num dos mais jovens primeiros-ministros do mundo (aos 31) conseguira manter intacta a sua cuidadosamente trabalhada imagem de frescura. Até agora.
Pressões e favores
A investigação do caso Ibiza é sobre a relação entre empresas que operam casinos e membros do Governo e da esfera pública – no vídeo, Strache diz que uma dessas empresas, a Novomatic, “paga a toda a gente”. O decorrer da investigação levou as autoridades judiciais a incidirem sobre o ministro das Finanças austríaco, Gernot Blümel, e a outras figuras muito próximas de Kurz. O chanceler não é suspeito na investigação, mas as mensagens comprometedoras que trocou com os seus aliados foram apanhadas na rede dos investigadores e estão a ser passadas aos media.
Uma das histórias reveladas é de como o chanceler usou Schmid para
pressionar a Igreja católica austríaca a baixar o tom das críticas sobre os planos duros para a política de imigração – depois de um refugiado turco ter esfaqueado e assassinado um cidadão austríaco no início de 2019, Kurz avançou com uma proposta para pôr sob custódia preventiva das autoridades as pessoas refugiadas sinalizadas como perigosas, levando o arcebispo de Viena a fazer críticas duras à política de detenção discricionária. Kurz pediu então a Schmid para “por o pé no acelerador”, cita o jornal Politico.
O que isso significava ficou exposto nas mensagens seguintes de Schmid: “No contexto da revisão dos privilégios fiscais, o ministério das finanças vai olhar de perto para a Igreja.” Kurz respondeu: “Sim, súper.” Quando Schmid informa sobre como correu a reunião – o representante da Igreja “ficou vermelho, depois pálido e depois começou a tremer” – Kurz respondeu “Súper, muito obrigado!” O arcebispo não recuaria nas críticas e, com a queda do governo nesse ano, a medida não seria posta em prática.
Kurz – que começou nos escalões jovens do ÖVP, o Partido do Povo Austríaco – tem reagido até aqui com manobras para recuperar pontos (de que fazem parte das tentativas para conseguir mais vacinas contra a Covid para a Áustria) e críticas aos alegados erros graves da investigação judicial, tendo chegado a sugerir em fevereiro deste ano que começa a ser urgente mexer no funcionamento dessa área. As sondagens mostram a erosão do ÖVP, mas a debilidade da oposição deixa em aberto um cenário de sobrevivência para Sebastian Kurz – ainda que, desta vez, os austríacos saibam que o jovem líder, de imagem impecavelmente cuidada e retórica fácil, dificilmente será o prometido anjo renovador. W
OS SMS FORAM APANHADOS NA INVESTIGAÇÃO AO CASO IBIZA, SOBRE RELAÇÕES ENTRE CASINOS E GOVERNO