A vida dos jogadores profissionais de póquer
Rui deixou a Medicina para se dedicar ao póquer, Jorge e João trocaram os seus empregos por esta nova carreira e Francisco nem quis pensar tirar um curso superior.
“Espetacular.” Foi esta a mensagem que pôs Rui Bouquet, acabado de ganhar um torneio em Lille, a chorar numa mesa de jogo: “Foi a primeira palavra positiva que a minha mãe me disse em relação ao póquer.” Na altura, já lá vão quatro anos, Rui tinha-se profissionalizado há pouco, deixando para trás a carreira como médico de Saúde Pública. A reação da mãe foi “muito má”: “Durante uns tempos ligava-me seca. Estava mesmo fod***! Toda a gente da geração dela via o póquer como uma coisa que arruinava fortunas, que levava à miséria. Mas isso é por desconhecimento e estigma social.”
Hoje, Rui, 33 anos, e a mãe, 71, estão de pazes feitas. Para isso contribuíram os bons resultados que ele começou a acumular: em 2019 ganhou 256 mil dólares (215 mil euros) no Campeonato de Primavera do Póquer Online (SCOOP); em 2020 ficou em oitavo lugar no ranking mundial da Pocket Fives e este ano já ganhou 31 mil dólares (26 mil euros) num torneio. A chave do sucesso, diz, está no estudo – “um jogador que não estuda, não consegue chegar lá” – e, acima de tudo, na gestão emocional: “O que vai distinguir um jogador bom de um muito bom é a parte mental.”
Jorge Dinis não podia estar mais de acordo. O jogador de 29 anos, que chegou a emigrar para Malta para dar continuidade à sua carreira num momento em que Portugal ilegalizou o jogo online, reconhece que ainda há muitas pessoas que acham que o póquer é um jogo de sorte e de azar. “Muitas pessoas associam o póquer à roleta, mas acaba por ser mais parecido com o xadrez”, explica. E neste jogo – que em países como o Brasil é visto legalmente
“MUITAS PESSOAS ASSOCIAM O PÓQUER À ROLETA, MAS ACABA POR SER MAIS PARECIDO COM O XADREZ”
como um desporto – Portugal tem dos melhores jogadores do mundo. O atual campeão mundial de póquer online (WCOOP 2020) é o português André Marques, que arrecadou com esse título praticamente 1 milhão de euros e os dois primeiros lugares do ranking da Pocket Five são ocupados por João Vieira (Naza114), que é conhecido como o Cristiano Ronaldo do póquer, e por Rui Ferreira (RuiNF).
“Em Portugal ganha-se pouco a trabalhar noutras áreas e algumas pessoas jovens que percebem isso vão para o póquer”, aponta Francisco Lopes, 28 anos. Foi com essa ideia presente que decidiu arriscar no póquer profissional depois de ter terminado o
secundário: “Eu já ganhava em média €200 por mês sem me dedicar a 100%. Quando acabei o secundário, o primeiro objetivo foi ganhar €1.000.” Em 2017, arrecadou o seu maior prémio – €47 mil euros, num torneio organizado pelo Casino de Vilamoura. Mas também já perdeu €6.000 num dia, embora isso não lhe tenha tirado o sono: “Tenho a perfeita consciência de que na maior parte dos dias vou perder dinheiro, mas quando ganho, ganho muito mais. É preciso acreditar no processo que estamos a fazer.”
O processo implica muita disciplina e é por isso é que grande parte dos jogadores profissionais se associam em equipas. Lá recebem formação de jogadores mais experientes, discutem estratégias, têm uma gestão financeira profissional, apoio psicológico e em áreas como preparação física e disciplina nutricional. “Somos como um jogador de alta competição”, explica Jorge, atualmente a jogar as séries – os campeonatos de primavera –, que lhe exigem um alto nível de rendimento durante “6 dias por semana, entre 10 e 12 horas por dia, ao longo de um mês”. Sempre que pode, vai ao ginásio “para libertar o stress”. Também faz ioga e meditação, para trabalhar o foco, e tem uma alimentação saudável – tudo para que o cérebro não colapse em momentos de grande pressão.
Manter o controlo emocional
Tudo acontece de forma muito rápida no póquer, principalmente na vertente online. “A mente está muito ativa e é ela que conduz o jogador à vitória ou à sabotagem”, afirma Filipa Machado, psicóloga que acompanha há mais de dois anos Jorge Dinis e a sua equipa, a Smart Investments. É muito comum o jogador estar exposto a picos de grande pressão, “os chamados momentos de tilt”. “Quando eu comecei a jogar nem se pensava em ter um psicólogo”, lembra Francisco Lopes, notando que a situação mudou nos últimos anos. Para Jorge, o “estar sempre em dúvida se estamos a fazer bem ou não” é um dos fatores de maior instabilidade emocional; João Rodrigues, da equipa Team Exploita, ponta o controlo da ansiedade como o seu calcanhar de Aquiles; e Rui reconhece que a ajuda da psicóloga foi fundamental para se reaproximar da mãe. “O póquer não está na listagem das expectativas sociais que as famílias têm para os filhos ou para os netos, portanto este é um dos temas que também se trabalha: a autossuficiência emocional para que essa falta de apoio não seja determinante nas suas carreiras”, explica Filipa Machado. W
O CAMPEÃO MUNDIAL DE PÓQUER ONLINE É ANDRÉ MARQUES, QUE GANHOU 1 MILHÃO DE EUROS