SÁBADO

Médicos David e Austin Perlmutter ajudam a fazer um detox mental

Tratar da saúde do cérebro nunca foi tão importante. Os médicos norte-americanos defendem que estamos mais impulsivos e a sofrer de síndrome de desconexão. A culpa? O nosso estilo de vida com açúcar e tecnologia a mais.

- Por Vanda Marques

Não é um livro de dietas, mas tem receitas saudáveis. Promete um plano de 10 dias para mudarmos de vida, mas não é um simples livro de autoajuda. O neurologis­ta David Perlmutter e o médico internista e seu filho, Austin Perlmutter, basearam-se em estudos científico­s para explicar de que forma está a mudar o nosso cérebro. Em Limpeza Cerebral propõem um detox da mente para combater a impulsivid­ade e a depressão. A neuroplast­icidade parece ser a palavra-chave. Quer isto dizer que temos de nos esforçar para ensinar ao nosso cérebro o que é melhor.

Como surgiu a ideia de criar uma limpeza cerebral?

David Perlmutter (DP): Olhamos à volta e vemos que um mundo já com muito stress viu a pandemia piorar tudo. As pessoas fecham-se mais, estão menos preocupada­s com os outros e só pensam nelas. Acham que ficam satisfeita­s com as suas interações sociais através dos aparelhos tecnológic­os e não com as pessoas. Depois tens os erros na alimentaçã­o: come-se demasiado açúcar. Por ano, os americanos comem cerca de 45 quilos de açúcar. Muito desse açúcar é feito de frutose, que está altamente associada com inflamaçõe­s, com o risco de diabetes e obesidade e hipotensão. Isto é mau para o cérebro. O que identifica­mos são os múltiplos fatores que pioram esta situação e como a reverter.

No livro defendem que a inflamação no corpo – gerada por más escolhas alimentare­s, por exemplo – tem uma influência ainda maior na nossa vida? Podia explicar. Austin Perlmutter (AP): Quando se fala em inflamação pensa-se nas doenças do coração, nas articulaçõ­es, mas não pensamos no que faz ao cérebro. Falo de demência, Alzheimer, que são doenças relacionad­as com esta inflamação. Além disso, a inflamação muda a forma como o cérebro funciona. E isso acontece logo, não precisas de esperar anos. Há estudos que revelam que, quando tens uma inflamação, através do stress crónico ou de más escolhas alimentare­s, as pessoas tomam decisões mais impulsivas. Porque é que isto é tão importante?

Porquê?

AP: As dietas alimentare­s mudaram no mundo todo, de tal forma que promovem mais inflamação. Isto quer dizer que se exporta pior pensamento, piores tomadas de decisão e atitudes mais impulsivas.

Como?

AP: Tira-nos a capacidade de expressar empatia cognitiva. Num sentido muito claro, a inflamação, que vem do nosso estilo de vida moderno, está a conduzir-nos para um caminho mais patológico. Isto porque nos afasta das relações humanas reais, que trocamos pelas redes sociais, porque não fazemos boas escolhas acerca da nossa comida, nem do nosso sono.

Isso torna-nos mais infelizes?

AP: Isso é mesmo verdade. Muitos estudos relacionam a inflamação com depressão. Pode-se ver isso quando se dá uma injeção para provocar uma inflamação no corpo de uma pessoa e quase imediatame­nte

“Estamos sempre a treinar os nossos cérebros. Temos neuroplast­icidade”

surgem sintomas de depressão. Porque é que é tão difícil libertarmo-nos do açúcar?

DP: Quem diz que não gosta de doces não diz a verdade. Porquê? Somos programado­s para procurar açúcar, isso era um mecanismo de sobrevivên­cia. Quando éramos caçadores e recoletore­s – e o nosso cérebro não mudou muito desde então – encontrar comidas doces permitia que sobrevivês­semos quando havia pouca comida, porque acumulávam­os gordura corporal para períodos escassos de comida. Hoje em dia, isso coloca-nos no caixão. Mas antes de lá chegarmos, ao caixão, portanto, afeta a forma como vemos o mundo, como tratamos os outros, os nossos níveis de empatia. Em Portugal, 35% dos adultos ou são diabéticos ou pré-diabéticos. Isso quer dizer que 35% dos adultos têm níveis elevados de químicos relacionad­os com inflamaçõe­s e que isso afeta a forma como tomam decisões, como os seus cérebros funcionam, como veem o mundo e interagem com os outros. As boas notícias são que, quando entendes isto, podes mudar.

Dizem no livro que “quanto mais fizermos uma coisa, seja ela qual for, mais tendemos a fazê-la”. Se repetirmos uma atividade, entendemo-la como importante, é esse o método?

AP: Estamos sempre a treinar os nossos cérebros. Temos neuroplast­icidade, ou seja, podemos treinar ser uma pessoa mais empática, ou podemos permitir que outros treinem o teu cérebro para tomar as decisões que levam a doenças. Por exemplo, quem faz comida descobriu que colocando lá açúcar, isso faz com que a comas mais vezes. Ao saber isso, podes mudar. Ou ao perceber como as redes sociais usam a nossa necessidad­e de nos conectarmo­s às outras pessoas. Estamos tão interessad­os em sermos validados que não conseguimo­s esperar para ver quantos likes recebemos. Uma coisa interessan­te: a forma como o cérebro decide no que está interessad­o tem a ver com a dopamina. Isso tem a ver com a recompensa variável, ou seja, nunca sabes o que vais encontrar quando ligas o email ou as redes sociais. É como uma slot machine. Isso faz com que o

cérebro preste ainda mais atenção a este tipo de situações. O que podemos fazer?

AP: Temos de treinar os nossos cérebros e não os deixar em outsourcin­g às empresas que lucram com isto. Estamos a permitir que nos reescrevam os cérebros. Temos de voltar ao contacto com a natureza – diminui o stress –, comer de forma saudável para reduzir a inflamação, ser empático, fazer exercício e reforçar as relações sociais. Há um mito de que a dopamina é o químico do prazer e da felicidade. Mas a investigaç­ão mostrou que não é. A dopamina está mais relacionad­a com o desejo, a motivação, não com a satisfação. Não há uma molécula em que se diga: “Esta causa felicidade.” O essencial é criar mais ligações no teu cérebro, no córtex pré-frontal [área do cérebro relacionad­a com a atenção, pensamento crítico, empatia e controlo de impulsos], para termos um pensamento orientado para o futuro. Se estás feliz, não precisas de ir a correr comprar uma coisa qualquer. Quanto mais recorremos à gratificaç­ão instantâne­a, mais difícil é libertarmo-nos dela. Temos de desenhar o cérebro para estarmos mais felizes com o dia a dia.

Por isso criaram o detox digital?

AP: Sim, criámos o acrónimo TIME que é uma estratégia para que saias beneficiad­o quando usas as redes sociais, e para que não estejam apenas a usar-te. O T é de tempo restritivo, quando te ligas tens de decidir quanto tempo vais passar ali e cumprir. Não é planear 10 minutos e quando vês passaram horas a ver um vídeo absurdo. O I é para intenção: ter um plano para o que queres ver e não ficares às voltas. O M de mindfull: ou seja, não podes estar em piloto automático, com o cérebro noutra sala, tens de estar consciente do que fazes e como te afeta. Se te causa stress, desliga. O E é de enriquecim­ento: temos de sair daquele momento com uma sensação positiva. Deve-se refletir: “Isto foi benéfico para mim?” É uma altura para refletir sobre a forma como se usa a Internet e recuperar o controlo. W

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h O stress estimula a amígdala (zona das emoções como raiva e medo) e afasta a atenção do córtex pré-frontal
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Pai e filho, ambos médicos, juntaram-se para escrever este livro como um alerta. David tem vários bestseller­s sobre o cérebro. Austin estuda o burnout

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