Entrevista a Bruno Pernadas, cujo mundo é maior em Private Reasons
Unindo mundos tão distantes quanto o jazz, a pop, o afrobeat, a eletrónica e a música oriental, Bruno Pernadas expande o seu leque sonoro e abraça a introspeção no seu quarto disco, Private Reasons, editado a 23 de abril.
Influenciado pelos sons do Japão e da África do Sul e com quartetos de cordas e efeitos de voz, Private Reasons é o mais internacional dos discos de jazz fusion de Bruno Pernadas
QUANDO COMEÇAMOS a discutir a oposição que geralmente se estabelece entre os estilos do jazz e da pop – o primeiro, cerebral, calculado e virtuoso; o segundo, emocional, espontâneo e liberto – Bruno Pernadas apressa-se a discordar: “Acho que é um bocado o contrário.” Para o músico, “a pop cinge-se muito mais a uma estrutura que raramente se altera” – se repararmos, diz, quase todos os grupos pop tocam as músicas sempre da mesma maneira – “e o jazz é que é a música espontânea”.
Destro a mesclar os dois géneros num corpo de trabalho difícil de categorizar e mais ainda de dissecar, o compositor e multi-instrumentista já se tornou, por esta altura, autoridade no assunto, sendo reconhecido nos últimos anos como um dos mais dotados artistas portugueses da sua geração. O segredo do seu sucesso? Uma abordagem que considera “acessível a ambos os públicos, tanto ao do jazz quanto ao que está mais habituado a ouvir pop e rock”.
Sob esta fórmula, criou uma “pop de fusão” caleidoscópica em que se misturam guitarras, pianos, sopros, percussão e sintetizadores de todas as formas e tamanhos, através da qual nos habituou às grandes indagações sobre a vida. O disco de estreia, de 2014, How Can We Be Joyful in a World
Full of Knowledge? (“Como podemos ser alegres num mundo repleto de conhecimento?”), coloca – confessa Pernadas – uma questão para a qual não tem resposta, mas na qual reside, implícita, uma afirmação.
Já Those Who Throw Objects at the Crocodiles Will Be Asked to Retrieve Them (“Àqueles que atiram objetos aos crocodilos será pedido que os recuperem”), de 2016, convida-nos a pensar “no choque de culturas, nas diferentes relações das pessoas com os objetos”, esclarece, “e no modo como um animal como o crocodilo pode ser idolatrado num país e explorado como atração turística noutro”.
Agora, em Private Reasons, o terceiro desta linhagem de álbuns audazes, editado a 23 de abril, o foco vira-se para dentro. A escala continua a ser titânica, “uma música colorida que vai a vários territórios e montes de influências”, mas, neste disco de razões privadas, “as letras são mais pessoais”, e Pernadas vai beber às suas emoções e experiências recentes para pintar um retrato ainda mais vasto do seu mundo interior.
Do Japão, onde foi com o seu ensemble de nove elementos para dar dois concertos (o seu projeto, conta, tem uma sólida base de seguidores no país), trouxe a influência de “música a que não temos acesso no Ocidente”, audível, por exemplo, em Jory I e II; das “cassetes da África do Sul dos anos 80” que andou a ouvir nos últimos anos, a sonoridade afrobeat de Lafeta Uti, um dos destaques do disco.
Às suas “encomendas” (além de dar aulas no Hot Clube de Portugal, Pernadas compõe extensivamente para o cinema e para o teatro) foi buscar o quarteto de cordas, uma sonoridade de que percebeu que “nunca tinha tirado proveito nos meus discos”; e, da vontade de experimentar (elemento constante na sua música), um processamento de voz que não estamos habituados a encontrar no género, através do vocoder (Fuzzy Soul) ou do autotune (Family Vows).
Os fãs dos discos anteriores encontrarão muito com que se identificar – o virtuosismo, as longas passagens instrumentais, os ritmos fervilhantes e a larga palete de cores e timbres –, mas também algumas novidades: mais canções (o caso do single de avanço, Theme Vision), e a voz de Pernadas, antes ofuscada pelos coros, agora em primeiro plano. O resultado desta caldeirada de sons, o seu mais longo, diverso e internacional disco até à data, é apresentado ao vivo nos dias 21 e 22 de maio, na Culturgest, em Lisboa.
Pernadas, entretanto, já pensa seguir em frente: antecipa a saída de Glória, a primeira série da Netflix produzida em Portugal, cuja banda sonora é assinada por ele, e, depois disso, cogita mudar inteiramente de rumo. “Os próximos trabalhos terão uma abordagem mais jazzística e crua, menos colorida do que o que tenho feito até agora”, revela, a sua aproximação a uma “música mais exploratória e livre”.
Pernadas, de 38 anos, dá aulas de guitarra de jazz e compõe para teatro e cinema. Assina a banda sonora de Glória, a primeira série portuguesa da Netflix, que estreia este ano