SÁBADO

GUERRA ENTRE TIO E SOBRINHO

- Por Bruno Faria Lopes

A Riopele, uma das maiores e mais antigas têxteis do País, está no centro de uma guerra entre ramos da família fundadora: os Oliveira

A Riopele, a grande têxtil centenária, está no centro de uma batalha jurídica e pessoal entre duas gerações de uma das famílias mais ricas do Norte. Tio e sobrinho lutam entre acusações de falsificaç­ão de documentos, regalias excessivas e manobras de bastidores.

Na mesa de Ricardo Salgado, em plena crise em 2012, repousava já há algum tempo o dossiê de uma família rica do Norte com quem tinha relações próximas: os Oliveira, donos da Riopele, uma das maiores e mais antigas têxteis do País. A empresa de 1.200 trabalhado­res estava em falência técnica e a dívida global de 94 milhões de euros, em boa parte ao BES e ao BCP, era impossível de pagar. Além da dívida da Riopele, cada um dos cinco ramos da família devia cerca de 9 milhões de euros à banca por causa de um investimen­to imobiliári­o. Salgado, na altura presidente do BES, acabou por aceitar o acordo que salvou a Riopele e apagou 45 milhões de euros em dívidas da família – mas que, ainda hoje, está na origem de uma guerra judicial e pessoal entre os líderes dos diferentes ramos familiares, com acusações de falsificaç­ão de documentos, regalias excessivas e má gestão.

O conflito opõe um sobrinho a um tio. José Alexandre Oliveira, neto do homem que há 94 anos fundou a têxtil, assumiu a liderança da empresa durante a crise financeira de 2008 e foi com ele que anos mais tarde se negociou a reestrutur­ação da dívida com a banca, incluindo o BES. Um dos pressupost­os era que José Alexandre não só continuass­e à frente da empresa, mas também que adquirisse a totalidade do capital, explica o próprio à SÁBADO. Essa compra foi feita em 2013 por 1 euro a cada ramo da família, no contexto de um acordo que limpou os 9 milhões de euros de dívida de cada um dos ramos. Para José Alexandre, o preço pago aos seus familiares – tio e primos direitos – “não foi simbólico”, “face à situação em que a Riopele se encontrava”. Esta mudança fez-se inicialmen­te com o acordo de todos os ramos, menos um: o do seu tio, Olindo Oliveira.

Olindo, que foi o antecessor de José Alexandre na liderança do império têxtil familiar, não aceita a versão do sobrinho – aponta que a situação difícil da empresa não impunha que José Alexandre comprasse por um valor residual as participaç­ões dos restantes ramos familiares, coisa que ele não aceitou em 2013. Nas ações judiciais a que a SÁBADO teve acesso, Olindo acusa o sobrinho de ter tomado ilegalment­e o controlo da empresa, numa reunião de acionistas no fim de 2012 na qual os títulos da empresa foram convertido­s em ações ao portador para, a seguir, serem mais facilmente transmissí­veis a José Alexandre. Olindo, que não foi à reunião, acusa a liderança da empresa de falsificar a assinatura do líder de outro ramo familiar. E não só.

“Como os dedos da mão”

José Dias de Oliveira – pai de Olindo e avô de José Alexandre – fundou o negócio têxtil em 1927 com um pequeno empréstimo para dois teares na margem do rio Pele, no concelho de Famalicão. Foi o início da ascensão imparável do filho de um casal de moleiros. Quando morreu com um ataque cardíaco, em 1953, a empresa já era uma das grandes exportador­as nacionais de têxteis e a família era dona de uma fortuna industrial no Norte – nos anos 70, os Oliveira da terceira geração já iam de Mercedes preto com motorista fardado para o Colégio Internato dos Carvalhos. Quem pegou na empresa e fez crescer ainda mais o grupo, que se foi espalhando depois ao ramo financeiro, foi um dos filhos, José da Costa Oliveira, irmão de Olindo e pai de José Alexandre. A terceira geração entrou nas fileiras

O TIO ACUSA O SOBRINHO DE DUPLICAR O SALÁRIO, O SOBRINHO RESPONDE COM AS REGALIAS MILIONÁRIA­S

desse império, mas a crise de 2008 expôs as fragilidad­es e fraturas da gestão familiar.

Olindo tem um processo contra a empresa e o sobrinho. Além da acusação de falsificaç­ão de assinatura – que motivou um processo-crime do Ministério Público –, Olindo aponta que o euro pago pela sua participaç­ão na Riopele, que não concordou em vender, foi posto numa conta aberta à sua revelia em nome da sua holding familiar (fechada pelo departamen­to de compliance do Novo Banco). Acusa ainda José Alexandre de ter duplicado a sua remuneraçã­o anual desde que assumiu o controlo – de 188 mil euros em 2012 para mais de 375 mil euros até 2017 – e de depois a ter diminuído artificial­mente em 2018, recebendo o resto através de um contrato de venda de serviços entre a Riopele e a sua holding pessoal.

Segundo as ações interposta­s por Olindo Oliveira para anular a tomada de controlo pelo sobrinho, a alegada manipulaçã­o da remuneraçã­o foi feita para o prejudicar. Este lutou em tribunal, com sucesso, pelo complement­o de reforma igual ao salário do presidente que a empresa definira – ao descer o salário descia também o dito complement­o (é de 9 mil euros mensais, segundo a Riopele). José Alexandre contrapõe à SÁBADO que foi a banca que se manifestou contra regalias dessas numa empresa falida, defende que a sua remuneraçã­o “está em linha” com o mercado e que é “muitíssimo inferior à que era auferida por quem exercia as funções”, ou seja, o tio. Sobre o processo-crime, diz que foi ilibado.

Ambas as partes na contenda – que, sabe a SÁBADO, tem voltado a degradar as relações entre os restantes ramos da família, dois deles em dificuldad­es financeira­s – mostram-se confiantes no desfecho do processo judicial. Um perfil da família publicado há meses no Jornal de Negócios dava conta de que José da Costa Oliveira fazia da coesão familiar um trunfo, dizendo que a empresa pertenceri­a aos “cinco irmãos unidos como os dedos da mão” – esse trunfo, a par de parte da fortuna, parece definitiva­mente perdido. W

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Os Espírito Santo tiveram negócios cruzados com os Oliveira no passado e Ricardo Salgado ajudou a família em 2012
i Os Espírito Santo tiveram negócios cruzados com os Oliveira no passado e Ricardo Salgado ajudou a família em 2012

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