SÁBADO

Helen McCrory (1968-2021)

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A fama chegou com Harry Potter e Peaky Blinders, mas já tinha brilhado nos palcos, em peças de Ibsen e Shakespear­e. Antes de morrer, disse aos filhos para não terem medo

Em 2017, Helen McCrory recebeu o título de Oficial do Império Britânico pelo seu contributo para a representa­ção. Mas a condecoraç­ão, entregue pela Rainha Isabel II, esteve para não acontecer, devido a uma distração. “Quando recebi aquela carta, pensei que era um bilhete de estacionam­ento do Damian [o marido], e deixei-a esquecida num canto. Mais tarde, ligaram-me a dizer: ‘Tem de responder hoje se aceita ou não a condecoraç­ão’ e fiquei em choque”, contou a atriz, divertida, num programa da ITV.

Nessa altura, em 2017, estava a gravar a série de TV Fearless e fazia o papel de Emma Banville, uma procurador­a que tentava provar a inocência de um homem erradament­e acusado de matar uma estudante. Por isso, contou, quando ia no Metropolit­ano de Londres e ouviu um homem a falar ao telefone sobre direitos humanos, foi atrás dele. “Pensei: ‘Uau, ele percebe mesmo disto.’ Interpelei-o na rua, para que me ajudasse com algumas dúvidas que tinha.”

Helen, que morreu de cancro no dia 16, com 52 anos, teve sucesso na TV e no cinema, mas foi nos palcos de Londres, onde deu voz aos grandes dramaturgo­s, de Shakespear­e a Ibsen e Tchekhov, que mostrou o seu carisma, revelando um lado dramático e feroz. “Dizia que fazer teatro era aquilo que fazia o seu coração cantar”, contou o marido, o também ator Damian Lewis, ao The Sunday Times.

Damian e Helen começaram a namorar em 2003, durante os ensaios de Five Gold Ring, em cena no Almeida Theatre (Londres), e que teve péssimas críticas. “Acho que a minha mãe foi a única pessoa que gostou da peça”, brincou ela. Damian, que tinha fama de playboy, admitiu ao Daily Mail, em 2017, que não foi fácil conquistá-la. “Tive de me esforçar muito. Ainda por cima, fui eu que a convenci a aceitar o papel. Ela culpou-me sempre por isso.”

“A Helen incentivou-nos a sermos corajosos e a não ter medo. Dizia sempre aos nossos filhos [Manon, de 14 anos, e Gulliver, de 13]: ‘Não fiquem tristes, porque embora eu esteja quase a morrer, vivi a vida como queria.’ Ela morreu pacificame­nte, rodeada de uma onda de amor dos filhos e da família”, revelou Damian.

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A acompanhar o pai pelo mundo

Helen McCrory nasceu em Londres, a 17 de agosto de 1968, sendo a mais velha de três irmãos. A mãe, Anna, era de uma família protestant­e de Cardiff (País de Gales) e o pai, Iain, era um católico de Glasgow (Escócia). Iain era diplomata, e por isso os McCrory viveram em países como Camarões, Tanzânia, Noruega e França.

Após terminar o liceu, em Queenswood, Helen, incentivad­a pelo professor de teatro, Thane Bettany, foi fazer audições ao Drama Centre, em Londres, mas não foi aceite. Disse ao professor que a recusara, Chistopher Felter, que ia voltar ali todos os anos até que a admitissem. Conseguiu-o na tentativa seguinte, depois de um ano a viver em Paris e Itália.

Estreou-se no teatro em 1990, na peça A Importânci­a de Ser Ernesto, de Óscar Wilde, e começou a dar nas vistas em 1992, quando fez de Lydia Bennet em Orgulho e Preconceit­o.O diretor do Teatro Nacional, Richard Eyre, convidou-a para ser a protagonis­ta de Trelawny of the “Wells”, que lhe iria valer o 3º lugar nos prémios Ian Charleston. Em 1995, foi Lady Macbeth e em 2004 já a apontavam como a nova Judi Dench, depois de brilhar em duas peças encenadas por Sam Mendes (Tio Vânia e Noite de Reis), num elenco que contava com Emily Watson, David Bradley e Mark Strong.

A entrada no cinema fez-se com um pequeno papel em Entrevista com o Vampiro (1994). Esteve ainda em A Rainha (era Cherie, a mulher de Tony Blair), O Conde de Monte Cristo, 007 Skyfall, A Paixão de Van Gogh, A Invenção de Hugo, Casanova ou O Fantástico Senhor Raposo. Na televisão, entrou em séries como

Roadkill, Anna Karennina, Penny Dreadful ou Mundos Paralelos (dava a voz a Stelmaria, o

daemon de Lorde Asriel). Mas o seu maior sucesso foi a fazer de tia Polly em Peaky Blinders (2013 a 2019), uma série sobre uma família de gangsters na Inglaterra do início do século XX. Antes, granjeara sucesso com Harry Potter. Em 2007, ia ser Bellatrix Lestrange em Harry Potter e a Ordem de Fénix, mas acabou por abandonar por estar grávida (foi substituíd­a por Helena Bonham Carter). Entraria nos três últimos filmes da saga, mas como Narcissa Malfoy, a mãe de Draco. O “filho”, o ator Tom Felton, deixou um testemunho emocionado: “Não tive oportunida­de de lhe dizer, mas ela ajudou-me a moldar-me como pessoa, dentro e fora de cena. Com um humor afiado, sempre foi gentil e generosa. Obrigado por me teres iluminado o caminho.” W

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LUIS GRAÑENA

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