De maio a abril
Tal como o 28 de Maio, o 25 de Abril foi protagonizado não por partidos ou associações cívicas, sindicais, mas pelas “instituições repressivas” do anterior regime. Neste capítulo, enquanto o 28 de Maio teve o apoio imediato da polícia de Lisboa, sob Ferreira do Amaral, a “alvorada de Abril” viu as forças armadas encostarem a PSP e a GNR a um período de obscuridade.
No 25 de Abril, as massas concentraram-se em sítios emblemáticos de Lisboa, incluindo o Quartel do Carmo, onde se esperava a rendição de Marcello, e na António Maria Cardoso, onde se testemunhou a capitulação sangrenta da PIDE/DGS. No 28 de Maio, colunas de operários saíram de várias cidades e vilas do Norte, a começar por Braga, marchando sobre a Lisboa do “parlamentarismo corrupto”.
No 28 de Maio instituíram os vencedores uma Junta de Salvação Pública. No 25 de Abril criou-se a Junta de Salvação Nacional. Esta não se coibiu de declarar a natureza golpista triunfante, como a de 1926. Lia-se no primeiro programa do MFA: “No prazo máximo de três semanas após a conquista do Poder, a Junta de Salvação Nacional escolherá, de entre os seus membros, o que exercerá as funções de Presidente da República, que manterá poderes semelhantes aos previstos na actual Constituição.”
Tal como o 28 de Maio, o 25 de Abril constituiu uma “coligação mestiça” de forças com projetos e motivações diferentes, logo revelados, ou que surgiram à luz do dia com o tempo.
Em 1926, tínhamos republicanos e maçons “moderados”, genuinamente cansados da partidarite, como Cunha Leal, monárquicos e “jovens turcos” Q
Q sidonistas, nacionalistas e regeneradores, centristas e adeptos das correntes fascizantes que cresciam lá fora.
Em 1974, havia antigos generais do Estado Novo, liberais e republicanos históricos, futuros ou passados democratas-cristãos, socialistas e comunistas, e ainda uma larga fatia de apolíticos, motivados por problemas corporativos e pelo espetro da guerra sem fim.
Nos dois golpes houve aquilo a que alguns chamam de “pronunciamento negativo”.
Ninguém mexeu um dedo para defender os regimes tombados, ninguém quis dar a vida por modelos de poder não representativos, anquilosados, feridos pelas suas contradições internas, e só duráveis para os mais cegos dos seus adeptos.
Os dois golpes viveram, a partir do dia seguinte, o destino de todos os processos de rutura e recomeço.
A Junta de 1926 tornou-se ditadura militar, encarcerou ou exilou alguns dos seus pais, hesitou entre a mera regeneração da República, um regime musculado sem doutrina, uma tecnocracia “moralmente esclarecida”, baseada na Tuna de Coimbra (depois liderada por Salazar) e, finalmente, o Estado Novo (que emergia constitucionalmente só em 1933).
As forças de Abril dividiram-se de forma conhecida, com golpes e contragolpes, intentonas e inventonas, a fuga de Spínola e o País à beira da guerra civil, salvo dela por consensos hábeis. Razão de Estado no fio da baioneta, abdicações e a verificação evidente da realidade internacional e da situação económica interna.
A história do 25 de Abril é também a das acusações e reclamações sobre quem se manteve “fiel aos princípios originários”, quem “traiu” e quem verdadeiramente queria a liberdade, ou “outra ditadura”.
No programa inicial do MFA ainda se falava em Ultramar e em “paz” (não “descolonização”). No pacto MFA-partidos, já em 1975, as “primeiras eleições livres” estavam viciadas de início, na medida em que as escolhas de um “povo pouco esclarecido” ficaram determinadas pela combinação entre um poder militar que se queria “independente do poder civil”, e este.
Durante muito tempo discutiu-se se o tal pacto, que previa o Conselho da Revolução e a “via original para o socialismo” (contrariando, no primeiro ponto, o programa original e público do MFA) foi uma forma de coação sobre os partidos, ou o mero desejo destes de não perderem o “comboio da revolução”.
Mas as duas coisas são sinónimas. W