SÁBADO

JOSÉ PACHECO PEREIRA

A direita hoje quer esquecer que Sócrates foi visto e apresentad­o como o homem da esquerda que fazia a política de que a direita gostava. E que explicava os insucessos da direita pelo facto de ele ter “esvaziado” o PSD e por arrasto o CDS

- Professor José Pacheco Pereira Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfic­o

PS, PSD e Sócrates

A vantagem de ter durante muito tempo criticado, de forma quase solitária, José Sócrates permitiu-me ver como ele foi louvado, saudado e protegido por gente de muitos partidos, o PS em primeiro lugar, o PSD a seguir e, pelo menos uma vez, o PCP. Mas não eram só os partidos, era a corte do poder económico, que agora bem pode jurar a pés juntos que detestava Sócrates, mas andou à sua volta como borboletas com a luz. E não estou a falar de Ricardo Salgado. E a direita, que hoje quer esquecer que Sócrates foi visto e apresentad­o como o homem da esquerda que fazia a política de que a direita gostava. E que explicava os insucessos da direita pelo facto de ele ter “esvaziado” o PSD e por arrasto o CDS. A memória é uma coisa muito aborrecida. W

Roast Toy

A gente pensa que não é possível haver piores programas do que muitos que já existem. Mas há sempre mais um, neste caso o Roast Toy na TVI. Piores, não é no sentido de serem mal feitos, que o guião não funcione, e que quem lá vai não faça aquilo que se espere dele ou dela. Piores porque exploram a degradação mais completa das pessoas que aceitam irem insultar-se em público, com os termos mais soezes e fazendo acusações, quase todas de carácter sexual, para ganhar uns dinheiros e a fama dos “15 minutos”. No meio há uma competição pelas obscenidad­es que cada um diz.

As mulheres que lá estão, uma das quais tinha pretensões intelectua­is, a Joana Amaral Dias, e a outra conhecida como a “Pipoca mais doce”, discutem as mamas de cada uma, as naturais e as artificiai­s, o que é que metem na boca, porque é que os maridos as abandonara­m, quais os amantes que têm ou desejam ter, o tamanho dos genitais dos homens que lá estão também para o mesmo ofício de se insultarem uns aos outros. Os homens discutem quem é “paneleiro” – pelos vistos ainda podem falar assim – como se drogavam ou se drogam, se escrevem (há um “escritor”) bem, mal ou nada, o aspecto físico, se são bêbados ou não, como vomitam, por aí adiante. Tudo muito elegante.

Falar deste programa é ajudá-lo a ter publicidad­e. Descrever isto é ter a certeza de que uma parte de quem lê este texto vai lá espreitar. É o chamado efeito perverso. Mas não me importa muito porque o programa está com os tempos, e vai ser certamente um sucesso. O que está mal são os tempos. W

Novo

Apareceu mais um jornal, o Novo.O primeiro número não é grande coisa, mas o facto de, nesta altura, se criar um novo órgão de comunicaçã­o social é meritório. W

O funeral do príncipe

Poucos países como o Reino Unido são capazes de transforma­r um funeral numa cerimónia ao mesmo tempo sóbria, elegante e com uma enorme densidade simbólica. Isto não seria possível se não fossem as caracterís­ticas peculiares da monarquia britânica, uma família complicada como todas as famílias, uma mulher velha e solitária, um filho eternament­e adiado no trono, e uns adultos ou rapazes muito novos, todos ligados por uma relação com as forças armadas. O papel das forças armadas na pompa fúnebre é essencial, das guardas de honra aos tiros de canhão, tudo impecavelm­ente uniformiza­do e cheio de condecoraç­ões. E por fim a presença como pano de fundo da Comunidade Britânica, em que a Rainha é-o também do Canadá, Austrália e Nova Zelândia.

Como esta família enche tudo, Boris Johnson e os políticos que não fazem parte da família, incluindo os Pares do Reino ficaram à parte, se não tinham funções de Aia, Mordomo, Escudeiro, tudo com a hierarquia própria. E o povo emociona-se e gosta, vive as histórias familiares como uma forma superior de reality show. Tudo junto dá à monarquia inglesa o atestado de segurança, que nenhuma monarquia europeia tem. W

Hans Kung

Fui, sou, um leitor de Hans Kung, e o que dele li conta-se como sendo do melhor sobre teologia, sobre Jesus, sobre a religião e a história da Santa Madre Igreja, Católica, Apostólica Romana. Li também alguma coisa sobre a relação entre Kung e Ratzinger, antes e depois de o último ser Bento XVI, uma história com interesse pessoal e intelectua­l, visto que eram ambos dos maiores intelectua­is do século XX. E eram alemães, professore­s em Tübingen, e no que escreveram percebe-se que está presente a única tradição filosófica alemã. Nunca poderiam ser franceses, nem anglo-saxónicos. W

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SUSANA VILLAR
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