SÁBADO

António Zambujo gravou o novo disco em casa. Fomos lá entrevistá-lo

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ENTREVISTA ANTÓNIO ZAMBUJO

Está de calções e chinelos, com o seu Tesla preto estacionad­o há muito, e o bronzeado no rosto dá indícios da vida que leva, desde março de 2020, quando as viagens e os concertos deram lugar ao longo confinamen­to na sua casa de Porto Covo, desenhada por um arquiteto, seguindo as suas instruções.

Tem uma pequena piscina e uma sauna lá fora, canteiros de que ele próprio trata, lareira e detalhes de bom gosto – da garrafeira montada na parede à escadaria que conduz ao piso de baixo, onde improvisou o estúdio em que gravou António Zambujo – Voz e Violão, o novo álbum que sai esta sexta-feira, 23 de abril. Aí recebeu a SÁBADO, sem se fazer rogado quando lhe pedimos para tocar. Afinal, como admite, é o que mais gosta de fazer e foi a sua grande companhia no último ano. É enquanto afina a guitarra, uma raridade espanhola de 1977 – “Sempre gostei de instrument­os velhos, tenho ali uma guitarra de blues de 1956”, conta – que começa a conversar.

Andou no clarinete, no Conservató­rio. Como aprendeu a tocar guitarra?

Na casa da minha avó, onde viviam os meus tios, a minha prima, que pertencia a um grupo de jovens da Igreja, tinha uma guitarra. Ela nunca tocou nada de especial, mas estava lá e eu ia explorando umas coisas. Inventava. Ainda nem sabia os acordes básicos, mas inventava umas afinações que me soavam bem e fui começando. Só quando me mudei para Lisboa, é que tive umas aulas. Mas aprendi sobretudo sozinho, experiment­ando, vendo os outros, comprando uns livros. Ultimament­e tenho-me dedicado mais ao piano. Tocava de ouvido e agora ando a estudar através de uma aplicação.

Este disco nasceu no confinamen­to. As ideias já eram anteriores?

Já estava pensado. O anterior, Do Avesso, foi o meu disco com mais participaç­ões e sentia falta de fazer algo mais intimista. Na verdade todos os meus discos começam assim: sozinho com a guitarra. Depois de as músicas estarem feitas é que se acrescenta­m camadas. A ideia foi não acrescenta­r.

Como escolheu este repertório que inclui temas em espanhol e inglês?

São influência­s, músicas que ouço. Já tinha gravado uma música em espanhol, do Jorge Drexler, Madera de Deriva, e um clássico que fui buscar ao Era Uma Vez na América. O Ennio Morricone fez lá um arranjo da

Acima de tudo intérprete, mas também autor de melodias, António Zambujo admite que a sua identidade vem de uma mistura de influência­s. Volta a mostrá-lo em Voz e Violão, criado e gravado em casa. Por Rita Bertrand (texto) e Mariline Alves (fotos)

Amapola de que sempre gostei muito e desafiei o Filipe Melo, que também adora cinema, para a recriar comigo. Agora gravei Tu Me Acostumbra­ste, outro clássico, sul-americano, de uma das minhas cantoras preferidas de sempre, a Chavela Vargas, também inspirado pela versão que ela fez para um filme, o Babel.

É uma estratégia para conquistar o público internacio­nal?

Não. É vontade própria e gosto pessoal. Com a música em inglês, Mona Lisa, que é um clássico do Nat King Cole, foi o mesmo. Penso: gosto disto, quero fazer. Pronto.

É um cantor romântico?

Sei lá! Na verdade os géneros musicais que me influencia­m mais têm um bocadinho de romântico, começando logo pelo fado e pela música popular do Brasil, em que a temática principal é o amor. É o que mais gosto de cantar.

Sente-se o Caetano Veloso português?

Não tenho essa pretensão. A minha vontade é ser artista e para ser artista tenho de ter a minha identidade. Obviamente influencia­do por outros: nada do que faço foi inventado por mim, mas pego nessas influência­s para criar um mundo que é meu, para o mostrar às pessoas.

Como surgiram os os originais do disco?

Os autores com quem estou mais, como a Maria do Rosário Pedreira, o João Monge, o Pedro da Silva Martins e o Miguel Araújo, são pessoas com quem falo muito. Sempre que faço uma música e preciso de uma letra, é para eles que mando. Essa partilha é permanente, um processo sempre aberto, e vou guardando as canções. Depois faço uma seleção quando decido gravar.

Chamou Rua da Emenda, que era a sua morada em Lisboa, a outro disco. O Lote B que é o título do primeiro single deste Voz e Violão é o quê?

É só uma história. Escolhi-o por causa do refrão, daquela ideia de que só com voz e guitarra fiz parar a rua. É o que quero com este disco, tocar sozinho para muita gente.

Outro dos temas, Visita de Estudo, é igualmente universal, não é?

Sim, e creio que foi a primeira música fei- Q

A minha vontade é ser artista e para ser artista tenho de ter a minha identidade. Obviamente influencia­do por outros

Q ta para este disco. Era uma letra da Rosário guardada há uns tempos na respetiva pasta – tenho uma, no computador, para cada autor – e fui fazendo a música. Um dia, em 2019, convidaram-me para ir às Quintas de Leitura, no Porto, à sessão em que a homenagear­am, porque canto muitos poemas dela, e estreei-a lá. Ela nunca a tinha ouvido. E, embora não seja autobiográ­fica, encaixa na perfeição no que eu próprio vivi, nas viagens do liceu, de Beja a Lisboa ou a Fátima, em excursão de Religião e Moral.

Teve educação religiosa?

Sim, andei na catequese e casei pela Igreja, era um rapaz de 23 anos. Já lá vai.

Agora está solteiro?

É. Ninguém me pega! [Risos]

Contudo, tem fama de mulherengo...

Eu?!? Então é mais fama que proveito. Não sou nenhum tarado, sou uma pessoa normal. Heterossex­ual assumido, de facto.

No disco há também um tema assinado pelo seu filho mais velho, o Diogo: Escutando o Universo. Que idade tem ele?

Faz 23 anos em novembro.

Portanto, fez tudo como manda a lei: casou aos 23 e foi logo pai... Batizou-o?

Sim, a pedido das famílias, sobretudo da minha avó, que era muito religiosa.

E agora ele é músico?

Está a acabar o curso de Comunicaçã­o, mas sempre teve ligação à música. Fez essa canção e mostrou-ma, só para me pedir a opinião, e eu gostei tanto que o desafiei para a gravar comigo.

O seu filho mais novo, de 10 anos, o João, também tem jeito?

Está no Conservató­rio, mas ainda não dá para perceber.

Mas se ambos quiserem ser artistas, não se vai opor. Como é que foi consigo?

São épocas diferentes. Havia a ideia de que a música não era uma carreira, os meus pais queriam era que eu fizesse um cursinho e arranjasse um emprego seguro, na Função Pública, mas perceberam que não havia nada a fazer e acabaram por aceitar. Até porque fazermos aquilo de que gostamos é meio caminho para ter uma boa vida.

Quando é que trocou Beja por Lisboa?

Pouco depois de me casar, pouco antes de me estrear no Amália [o musical de Filipe La Féria, de 1998, em que interpreto­u o primeiro marido da fadista]. Estava a cantar no Clube do Fado e deram por mim.

O que faz em casa, além de trabalhar?

Vejo filmes e sou um leitor compulsivo.

Cozinha?

Só em ocasiões especiais, de resto é mais restaurant­es, agora takeaway e delivery... e a minha mãe passa cá umas temporadas, em Porto Covo, e não há como a comidinha da mamã...

É um menino da mamã?

Quem não? Se podemos aproveitar... W

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ANTÓNIO ZAMBUJO VOZ E VIOLÃO • Ed. Universal €13,99

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