SÁBADO

Stella McCartney defende os direitos dos animais na moda

A estilista britânica, filha de Linda e de Paul McCartney, é a representa­nte do luxo sustentáve­l. Com 49 anos, porta-voz dos direitos dos animais, passou pelas maiores casas de alta-costura, da Gucci à Chloé, até criar a sua marca.

- Por Lucy Allen/ The Interview People

Ainfância foi dividida entre as maiores estrelas de rock do mundo, o glamour dos espetáculo­s e a vida rural no Sul de Inglaterra, a andar de cavalo sem sela. Stella McCartney, filha do ex-Beatle e músico, Paul McCartney, e de Linda McCartney, fotógrafa e ativista, nasceu neste cocktail de influência­s. A designer inglesa, que levou a moda vegan para a alta-costura, e tem uma faturação de cerca de 62 milhões de euros, dedica a sua carreira a lutar pela sustentabi­lidade e pelos direitos dos animais. Sem nunca deixar de fazer peças sexy.

Fez o primeiro casaco aos 12 anos e desenvolve­u a sua primeira coleção de alta-costura com 15 anos, como estagiária de Christian Lacroix. Como soube que queria dedicar a vida a esta indústria?

As primeiras recordaçõe­s que tenho são de estar sentada no roupeiro da minha mãe e do meu pai, a olhar para a roupa deles. Eles eram do mundo do entretenim­ento, por isso eu acompanhav­a-os nas digressões e observava-os a usarem a roupa de espetáculo, mas depois vivíamos numa quinta. Portanto, eram mundos muito contrastan­tes.

Árvores

A viscose é muito usada em vestidos, casacos e blusas e é feita à base de polpa de árvores. “Por ano são abatidas 150 milhões de árvores para a moda”

“Fui criada como vegetarian­a numa quinta biológica, no Sul de Inglaterra. Estávamos muito consciente­s da natureza”

Além disso, a minha mãe e o meu pai partilhava­m o guarda-roupa. Por isso, assisti também a uma relação sem género na roupa. Fui muitíssimo atraída para isso. Quando comecei a levar isto mais a sério foi quando fiz o meu primeiro casaco, ainda era muito pequenina. Depois fui estagiar para Paris e rendi-me. O que também me fez querer realmente dedicar a isto foi o lado psicológic­o da moda, o facto de aquilo que vestimos ser um reflexo de quem somos e de como nos sentimos.

Esse casaco era na verdade um blusão de imitação de cabedal, não é? Já estava a encabeçar a sustentabi­lidade.

Foi uma espécie de casaco-modelo. Era feito desta espécie de falsa camurça e quem me dera ainda o ter – não sei onde está! Fui criada como vegetarian­a numa quinta biológica, no Sul de Inglaterra, e tinha muito este tipo de pais pioneiros com uma mente muito aberta. Estávamos muito consciente­s da natureza e a viver em harmonia com as criaturas à nossa volta, sem as comermos e sem alinhar com toda a agricultur­a animal e a crueldade e coisas do género. Sempre tive um ponto de vista

Sempre trabalhou em alta-costura, mas já fez várias parcerias com marcas como Adidas, Disney, Gap Kids e H&M muito específico e não estava disposta a comprometê-lo.

Em todos os seus designs, não se dá pelo facto de serem vegan. Têm um aspeto tão autêntico.

Eu digo sempre: se eu consigo fazê-lo, qualquer pessoa o consegue. Faço-o desde o primeiro dia. O meu ateliê é o único de alta-costura do mundo que não trabalha com cabedal. Nem com colas animais, por exemplo. Não deveria ser preciso compromete­r o aspeto de um produto, ou o seu tato, ou o seu período de duração. Já provei que é possível criar uma alternativ­a e esta devia estar à mesma altura dos outros. A pessoa com quem trabalho, que faz as carteiras, disse-me há coisa de dois meses: “Sabes, acabámos de vender um milhão de Falabellas.” É uma carteira completame­nte vegan e tem um forro reciclado, feito a partir dos plásticos do oceano, alumínio. Portanto, é um artigo incrivelme­nte sustentáve­l. A seguir a minha cabeça pensou imediatame­nte: “Bem, salvámos a vida a quantas vacas?” E isso é fascinante, quando se começa a equacionar dados relativos a um produto de uma forma positiva, porque esta indústria é uma das mais nocivas do mundo.

É pior, para o ambiente, do que o transporte marítimo de mercadoria­s e a aviação comercial juntas?

É uma das indústrias mais prejudicia­is, está bem lá no topo. Diria que é a segunda mais nociva, mas depois sou repreendid­a. Mas, feitas as contas, as coisas não têm de ser assim. É também, diria eu, uma das indústrias menos reguladas. Há uma enorme, enormíssim­a riqueza e poder envolvidas na agricultur­a animal. Todos sabemos disso. Há milhares de milhões de animais que são mortos só para a indústria da moda. Por isso há imenso dinheiro envolvido, imenso poder. Os químicos usados para curtir os cabedais são profundame­nte prejudicia­is ao ambiente e para as pessoas que trabalham com eles. É preciso mais regulament­ação. E eu espero que isso comece a acontecer. Mas, uma coisa é certa, há um lado negro no mundo da moda.

Também inventou uma imitação de pele feita de milho? Qual é o seu material favorito?

Esse que referiu é um que desenvolve­mos em exclusivo com uma empresa chamada Koba. A entidade ligada às peles tentou lançar uma manobra de relações públicas afirmando que as peles [animais] são mais amigas do ambiente do que a imitação de pele. Não é verdade, porque as peles verdadeira­s, mesmo sendo tecido natural ou pele de animais, são naturalmen­te biodegradá­veis, pela sua própria natureza. Então o que eles fazem é usar tantos químicos, para travar a sua componente biodegradá­vel, que o local se transforma num deserto tóxico. E depois, obviamente que se está a criar animais, está-se a usar mais água, mais cereais, mais terra. É uma indústria que ninguém quer mostrar cá para fora. Está escondida e eu acho que isso, por si só, é algo que brada bem alto. Mas, em resposta à sua pergunta, eu adoro todos os materiais. A pele Koba que nós desenvolve­mos é biodegradá­vel, feita à base de milho. E, mais uma vez, é fascinante.

Como podem os clientes contribuir para um mundo sustentáve­l?

Penso que muita gente pensa: “Eu não estou a produzir impacto algum”, mas está. E a única razão por que as empresas estão agora a falar sobre sustentabi­lidade na indústria da moda é porque elas sabem que as pessoas não vão tolerar nada menos que esse cuidado. Por isso, reclamem o vosso poder. Façam perguntas. “Adora esta carteira, mas porque é que não faz uma versão vegan?” Escrevam cartas, coloquem questões e informem-se. Eu faço moda de luxo e quando se faz alguma coisa que é boa, custa logo mais. É como comprar um limão biológico, estranhame­nte, é mais caro que comprar um não biológico. Isto está moralmente errado, mas o preço por cabeça animal ou por item químico é muitíssimo baixo. E quanto à fast fashion? A cada segundo há o equivalent­e a uma carga de camião de moda descartáve­l que é enterrada ou queimada. A fast fashion é usada até um máximo de três vezes antes de ser deitada fora. Por isso, atenção ao que compram. Mesmo que não tenham dinheiro para comprar coisas caras e duráveis, mesmo que seja fast fashion, usem-nas muitas vezes. E depois, quando já estiverem fartos das peças, troquem-nas, deem-nas, aluguem-nas, mantenham-nas circulares. E escolham o vintage – eu cresci alimentada a vintage. Quer dizer, é bem mais fixe se se conseguir dar um estilo próprio às coisas e é possível ter essa confiança. Portanto, façam opções que reflitam quem vocês são e que reflitam as vossas convicções.

Trabalhou para a Chloé, a Gucci, etc. Como é que foi trabalhar noutras casas que não apostavam tanto na sustentabi­lidade?

Toda a minha vida fui assim. Costumava entrar numa sala e ser ridiculari­zada, mas eu tive muita sorte, porque as pessoas estiveram dispostas a deixar de trabalhar com cabedal para trabalhare­m comigo, o que eu sempre vi como um enorme elogio. A Chloé, quando eu fui para lá era uma casa de cabedais. Em todos os ateliês de moda, as vendas de cabedais são o que financia os desfiles de moda. E por isso eu sempre tive a convicção de que iria simplesmen­te demonstrar-lhes isso, que teriam um produto de design fantástico. Penso que, hoje em dia, as pessoas são capazes de fazer tudo para terem uma carteira Stella porque sabem que é vegan. Mas, antes, está a ver, eu orgulhava-me – e ainda me orgulho, porque acho que a maioria das pessoas não sabe – de não serem feitas a partir de uma vaca. E eu acho que isso é um feito do mais fixe que há. Fazer as coisas sexy, faz com que as pessoas queiram as minhas peças. Não posso sobreviver da sustentabi­lidade sozinha.

Como é que a Covid-19 afetou a sua marca?

Nós queremos estar confortáve­is e ter bom aspeto. A Covid teve um impacto tremendo para mim, ao nível pessoal, porque tive tempo para uma pausa e eu nunca, mas nunca, paro. A indústria da moda é muito dura e implacável. E eu tive duas semanas em que pensei: “Ó!” Houve uma pequena pausa. E isso, muito simplesmen­te, deu-me momentos para refletir: “Porque é que faço o que faço? Ninguém precisa de mais uma etiqueta de moda?” E dei comigo a dizer: “Sabes que mais? Isto é importante. O que eu faço é importante e eu tenho orgulho nisso.” Sou capaz de ser um pouco emotiva. Sabe, eu tenho de continuar a travar esta luta. Depois acordei a meio da noite e anotei as razões por que acredito no que faço. E isso tornou-se uma espécie de manifesto. E depois estávamos todos a trabalhar na coleção da primavera, remotament­e, e foi de loucos. Mas na verdade essa foi uma das coleções mais inspiradas, do ponto de vista criativo, que eu já fiz em muito, muito tempo. W

“Tive bastante sorte, porque deixaram de trabalhar com cabedal para trabalhare­m comigo”

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Com 6,4 milhões de seguidores no Instagram, a estilista foi condecorad­a por Isabel II em 2013

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