SÁBADO

Dave Smith (1950-2022)

Músico e engenheiro eletrónico pioneiro, revolucion­ou a música eletrónica com os sintetizad­ores que criou e é considerad­o o pai da música de computador. Tinha 72 anos

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Aquando da sua morte, o músico James Blake relatou uma situação caricata: estava a meio de um concerto em São Francisco quando o seu sintetizad­or, um Prophet 08, deixou subitament­e de funcionar, desafinand­o completame­nte. Eis que um vulto surge do fundo da sala, aos empurrões por entre a multidão, salta para o palco e consegue pô-lo a funcionar novamente, calibrando os osciladore­s do instrument­o eletrónico – Dave Smith era, com toda a probabilid­ade, o único naquela sala que saberia fazê-lo, dado ter sido o inventor do instrument­o. Revolucion­ário no verdadeiro sentido da palavra, o engenheiro responsáve­l por muitos dos sons que hoje se ouvem morreu na terça-feira, 31 de maio, aos 72 anos.

Interessad­o pela música sintetizad­a desde cedo, comprou o seu primeiro Minimoog, versão compacta do pioneiro Moog, em 1972, pouco depois de se licenciar em Ciência da Computação e Engenharia Eletrónica na Universida­de da Califórnia, Berkeley. Não demorou muito a construir o seu próprio sintetizad­or analógico, e em 1974 fundou a Sequential Circuits, com que lançou, em 1977, o sintetizad­or que mudaria a música, o Prophet 5 – à altura, era o primeiro sintetizad­or polifónico programáve­l (cujos sons obtidos podiam ser guardados e mais tarde recuperado­s), o que represento­u um notável avanço na tecnologia da música. Com a ajuda de anúncios publicados na revista Rolling Stone, o Prophet não tardou a tornar-se um dos mais bem-sucedidos sintetizad­ores de sempre.

A partir de 1981, canalizou os seus esforços para a criação de um protocolo universal de comunicaçã­o entre instrument­os eletrónico­s, que funcionass­e entre sintetizad­ores de diferentes marcas. Em 1983, com a ligação bem-sucedida entre um Prophet 600 e um Jupiter 6, da Roland, foi apresentad­a ao mundo a tecnologia MIDI (sigla em inglês para “interface digital de instrument­os musicais”), cujo potencial só foi completame­nte revelado décadas depois: hoje em dia, é a tecnologia-padrão para a criação da música em compu

AVANÇOU A CIÊNCIA DOS SINTETIZAD­ORES E CRIOU UM PROTOCOLO DE LIGAÇÃO ENTRE INSTRUMENT­OS

tador através de instrument­os virtuais, legado pelo qual Smith ficou conhecido como “pai do MIDI”. Com a absorção da Sequential pela Yamaha, passou por empresas como a Korg ou a Seer Systems, nas quais chefiou departamen­tos de pesquisa e desenvolvi­mento em busca de novos avanços na música eletrónica. Conquistas deste período incluem a criação do sintetizad­or Wavestatio­n, da Korg, e o primeiro sintetizad­or em software a correr num PC, em 1994, um precursor dos modernos softwares de composição musical. Em 2002, fundou a Dave Smith Instrument­s, com que continuou a conceber novos sintetizad­ores, e, em 2015, com a recuperaçã­o dos direitos do nome à Yamaha, voltou a chamar-lhe Sequential, lançando o sucessor do seu sintetizad­or original, o Prophet 6. Pelos seus contributo­s à música, Flying Lotus chamou-lhe um “criador visionário”, Justin Vernon, dos Bon Iver, disse que criou “os melhores teclados de sempre”, e os Hot Chip que não seriam “nada sem o que criou”. Nos tempos livres, era ainda um atleta dotado, competindo no Ironman e escalando montanhas. Sobrevivem-lhe a mulher, Denise, e os filhos, Haley e Campbell. ●

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LUIS GRAÑENA

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