O empregado, o chefe, o chico-esperto e o enfermeiro
Entre feriados, meio país foi a banhos e o outro meio parece ter ficado retido no aeroporto de Lisboa em filas nas chegadas que envergonham qualquer comum mortal.
No meu caso, aproveitei para sentir o país real e, mais uma vez, não fosse o sol e o mar que nos deixa a léguas de qualidade de vida de muitos dos países europeus que estão a léguas de civilização de nós, teria enfiado a cabeça num buraco à espera que a vergonha desaparecesse.
Achei por bem rumar ao Algarve para fugir à confusão que estimei estar instalada em Lisboa por causa dos Santos Populares. Ora, no primeiro dia, esperei três horas para ser atendida num restaurante de praia onde, além de não terem posto pratos nem talheres, trocaram todos os pratos, revelando total falta de organização. Já para não falar no imenso desperdício de pratos que vi serem mandados para trás.
Num exercício de pura benevolência, pensei: foi só hoje. E como parecia a coqueluche em frente à praia, no dia seguinte, decidi voltar. Mas estava pior. De mesa em mesa, os consumidores já se perguntavam: “Essa picanha não é a minha?” E era. Mas já tinha sido trocada e “garfada” por alguém.
Na prática, em dois dias consecutivos vi o que nunca tinha visto num restaurante: o caos. E perante o que vi, numa das praias mais procuradas, como é o caso da Manta Rota, atrevo-me a pensar: o Algarve - o nosso ex-libris do turismo - bem tenta recuperar de dois anos a meio gás por causa da pandemia, mas continua a padecer do mal que nos atormenta há décadas: a falta de mão de obra.
Atónita com o que tinha presenciado, falei com alguns gerentes de restaurantes para perceber a razão de tanta entropia, que afasta naturalmente o turismo nacional e estrangeiro, fonte de grandes receitas, num momento de crise como este.
As respostas foram sempre as mesmas: “Não há quem queira trabalhar na restauração”.
Enquanto ouvia isto, um pouco mais à frente, um empresário juntou-se à conversa e acrescentou: “Na restauração? Só? Desculpe.
Não há ninguém para trabalhar em lado nenhum. Todos querem um trabalho das 9h às 17h e se assim não for, demitem-se na hora”.
Entretanto, os empregados corriam ofegantes para servir os clientes, cada vez mais envergonhados e tristes, e em tom de justificação, desabafavam: “Os meus primos preferem sair à noite do que trabalhar. E sobramos nós. Já viu que estamos apenas dois para 20 mesas?”
É óbvio que não terei a presunção de pensar que o que vivi este fim-de-semana seja o retrato real do país que somos, mas em alguma parte assim será.
Somos um país à beira-mar onde é muito confortável desfrutar do sol e do mar, mas onde custa muito trabalhar sem horários. Os níveis de produtividade que alcançamos são um reflexo de tudo isto.
Se queremos que esta tendência se inverta talvez valha a pena ensinar aos nossos filhos que o mérito compensa e deixar de normalizar as vigarices, como algumas que revelamos nesta edição da SÁBADO. O “chico-espertismo” é um cancro que urge combater com toda a força e razoabilidade. Sob pena de um dia destes não termos nenhum jovem com vontade de ler notícias por achar – com razão – o mesmo que sempre ouvi dizer no Brasil: “Todos os políticos são corruptos. E só os filhos deles é que se safam.”
As estranhas condecorações do 10 de Junho
A SÁBADO tem revisitado a História do nosso país e ainda esta semana o faz de forma a que o leitor possa conhecer melhor os diários de António Oliveira Salazar e a sua vida mais privada. A importância de o fazermos está na célebre frase de Winston Churchill: “Aqueles que não estudaram História, estão condenados a cometer os mesmos erros”.
É por isso fundamental que não percamos o contacto com o passado, para entendermos melhor o presente e perspectivar o futuro.
Perante isto, custa-me sinceramente que o Presidente da República tenha optado por condecorar um enfermeiro que se limitou a tratar do primeiro-ministro britânico. Para ser justo e fiel à história recente da pandemia, Marcelo Rebelo de Sousa teria obrigação de oferecer o mesmo título a todos os enfermeiros e médicos portugueses que salvaram inúmeros doentes e que permanecem, por vontade própria, no seu heróico anonimato. ●