ENQUANTO O MUNDO MORRE
E se, para salvar o filho, um pai o levasse para realidades e planetas alternativos? Em Assombro, Richard Powers combina ecologia e ficção científica num romance-alerta comovente.
de 9 anos, órfão de mãe há dois, com um desenvolvimento neurodivergente, isto é, atípico e passível de diagnósticos de Asperger, TOC, hiperatividade e défice de atenção. Vítima de bullying na escola, refugia-se no contacto com o pai, um astrogeólogo que concebe simulações de vida em corpos celestes fora do Sistema Solar. Vivem num tempo identificável como futuro próximo, nos EUA, e num mundo à beira do ecocídio, onde já só 2% dos animais são selvagens. Por isso, Robin suplica: “Um novo planeta, Pai, por favor.”
Assombro, de 2021, é o 13º romance do norte-americano Richard Powers e sucede a The Overstory, prémio Pulitzer e finalista do Man Booker, um portento narrativo sobre árvores e seres humanos. Powers é famoso, como John Updike ou Martin Amis, por ser capaz de escrever sobre tudo e com um conhecimento assombroso. Formado em Física, cerebral, usa todos os recursos narrativos possíveis para conciliar uma atenção detalhada ao universo emocional das personagens com a construção credível de cenários dis
ASSOMBRO
€19,90
Robin quer prosseguir a luta da mãe, feroz ativista ambiental, e exibe, à frente do Capitólio, um cartaz em que se lê: “Estou a morrer”
tópicos. A história, a ciência e os destinos humano e planetário são os temas centrais das suas ficções meditativas, apoiadas em alertas morais, que, noutras mãos, asfixiariam a qualidade literária.
Robin quer prosseguir a luta da mãe, uma feroz ativista ambiental vítima de acidente de viação, pinta retratos de todos os animais em risco e exibe, à frente do Capitólio, um cartaz com letras capitais: “Socorro, estou a morrer.” Após agredir um colega, é sugerido ao pai que o medique, mas este opta por integrá-lo numa experiência neurocientífica de condicionamento emocional: “Uma qualquer combinação de causa sagrada e inúmeras sessões de feedback neural transformaram o meu filho num buldogue zen.” Entretanto, distrai-o com viagens a outros planetas. Mas até quando será possível contrariar o “eu animal” de Robin?
O coração de Assombro é, como o de A Estrada, de Cormac McCarthy, a relação pungente entre pai e filho (que fala em itálico), mas em cenário pré-apocalíptico. O que acontece submete-se ao que se quer sugerir sobre os riscos de um hipercontrolo da infância e dos desvios à norma, a pegada ambiental e as potencialidades da ciência. Não será leitura fácil, mas vale cada pulsão emocional e cada especulação. ●