O eterno colapso do SNS e do sistema educativo nacional
Já perdi a conta às inúmeras vezes que ouvi a expressão “o colapso do SNS”. Criado apenas em 1979, o Serviço Nacional de Saúde vai fazendo manchetes sempre que assistimos ao inevitável destapar do véu sobre o estado deplorável a que chegou a saúde pública em Portugal.
Atrevo-me a pensar que poucos serão os servidores públicos que se servem dela, bem como do ensino do Estado, onde o nível de fixação de professores atingiu um patamar tão baixo, que mais vale ensinar os filhos em casa a mantê-los numa escola onde o mais certo é ficarem horas a fio sem aulas.
Mas não foram apenas os sistemas de saúde e de ensino que se delapidaram ao longo das últimas décadas. As respetivas classes profissionais pouco ou nada ajudaram à melhoria dos seus ecossistemas presas, ora ao corporativismo, ora ao sindicalismo, que tomaram conta do País. E assim os melhores foram emigrando.
A machadada final foi dada pela política. E convenhamos: governos PS e PSD esmeraram-se a debater sobre quem fez e continua a fazer pior.
Em 40 anos, foram tantas as alterações introduzidas na Saúde e na Educação, que nem os portugueses da minha geração sabem referir-se corretamente a nenhum destes dois sistemas.
Já não há escolas primárias, nem ciclos ou liceus, mas ensino básico e secundário.
Os centros de saúde têm categorias que nunca mais acabam, que começam em unidades de saúde familiar que, de familiar terão só o nome, porque médicos de família, nem vê-los.
Depois temos os hospitais públicos onde, sem dúvida, se tivermos um problema grave ainda nos salvam a vida, mas nos quais há milhares de utentes à espera diariamente, que contam histórias de desumanidade, que parecem saídas de um filme de Stanley Kubrick.
Se no meio deste retrato, a saúde e o ensino público funcionassem, as múltiplas mudanças a que nos sujeitaram teriam sido o menor dos nossos males.
O problema é que, em Portugal, não faltam apenas bons professores nem obstetras no hospital de Setúbal.
Para aqueles que ainda vão tendo memória, o hospital de Setúbal – que vai fechar a obstetrícia durante 21 dias este verão – foi o mesmo onde ainda, em outubro do ano passado, se demitiram 87 diretores de serviço por falta de condições para trabalhar. Pouco depois, demitiram-se os 10 chefes da equipa de urgências de cirurgia do Hospital de Santa Maria. No fim do ano, vi de perto o drama de portugueses que foram cegando, no Hospital da Guarda, sem saberem que nunca tinham sido colocados numa lista de espera para uma cirurgia urgente.
Neste quadro, pergunto: como pode a ministra Marta Temido afirmar que os problemas que agora se sentem se devem ao adiamento da nova Lei de Bases da Saúde por causa da pandemia?
A pandemia serviu de pretexto para justificar muitos males, mas já chega de desculpas. Até porque, no País onde nos habituamos a que tudo se resolve com uns pedidos de demissão, é bom recordar que raramente se substituiu um ministro para encontrar um melhor.
Aqueles que poderiam ser bons ministros da Saúde ou da Educação estão longe de aceitar o desafio porque sabem, à partida, que é uma caminhada perdida. Não só pela falta de qualidade e coragem dos políticos mas também dos lobbies. Senão vejamos: faltam mesmo médicos em Portugal? Em plena pandemia, vi médicos brasileiros e cubanos a oferecerem-se ao SNS para ajudar a salvar vidas. As barreiras impostas pela Ordem dos Médicos impediram-nos de aceder à profissão em Portugal. Por isso, deixemo-nos de hipocrisia. A solução implica uma mudança de paradigma que passa por assumir, de vez, uma sinergia entre os setores público e privado bem como incentivos claros que fixem profissionais de excelência.
O País está farto, e não merece, continuar a ser destruído por meras operações políticas de cosmética. ●