DIREITO DE RETIFICAÇÃO
Do médico Jaime Branco, candidato a bastonário da Ordem dos Médicos
Ex ma. senhora diretora da Revista SÁBADO, O excesso de simplificação de um título ou de uma chamada de capa, como a que a mim fez referência na vossa edição nº 496, de 15 de junho, pode levar a uma injusta e danosa interpretação de quem sou, como ajo e sempre agi profissionalmente enquanto médico, reumatologista, investigador, professor universitário e diretor de serviço e diretor de uma escola médica. Dizia a vossa chamada de capa “Médicos. Laboratórios pagam milhões a candidatos à Ordem”, remetendo para um artigo em que tal ideia nunca é expressa. No que à minha pessoa diz respeito, afirmo, como afirmei claramente ao jornalista, que sou independente de quaisquer interesses e nunca fui condicionado ou influenciado por pressões da indústria farmacêutica ou de outra ordem. Pelo acima exposto, solicito a publicação deste direito de retificação ao abrigo do previsto na Lei nº 2/99.
Há muito que venho chamando a atenção para a perversão deste sistema que recusa aos médicos a sua valorização, através da necessária formação contínua ao longo da vida paga pelos serviços onde trabalham. O SNS não tem essa disponibilidade e tem sido a indústria a suprir essa falha. O mesmo se coloca na investigação. Recebi até hoje seis bolsas concedidas pela indústria farmacêutica, no valor total de 1 milhão de euros. A estas somaram-se 300 mil euros da Fundação Gulbenkian e 800 mil da Direção-Geral da Saúde. E todas foram usadas integralmente no pioneiro estudo epidemiológico das doenças reumáticas (EpiReumaPT), que desenvolvi como investigador principal ao longo de uma década. Nesse tempo, percorri com a restante equipa de investigadores e reumatologistas todo o País, de norte a sul e regiões autónomas incluídas, na recolha de informação junto de cerca de 11 mil portugueses. A cada três meses, a própria DGS avaliou metodológica e financeiramente o projeto. Deste nosso trabalho, em regime pro
bono, resultou a primeira fotografia de doenças que afligem as famílias de quase todos os portugueses, como a lombalgia, a artrose, as artrites, a osteoporose ou o lúpus, mas sobre as quais faltava muita informação.
E os dados que recolhemos foram primordiais para o desenvolvimento de políticas públicas na área da Reumatologia. Dito de outro modo: sem a nossa investigação de uma década, não teríamos a noção exata da prevalência das doenças reumáticas em Portugal e não teria sido possível organizar uma malha mais fina de tratamento destas condições no serviço público.
É o público a ser pago por uma maioria de fundos privados, mas não é o candidato a bastonário dos Médicos a receber esse dinheiro, como a chamada de capa parece indicar.
Portanto, afirmar que este valoroso estudo, de que muito me orgulho e que serviu de base para definir a atual rede de referenciação nacional das doenças reumáticas, foi um “pagamento” que a indústria farmacêutica me fez não poderia estar mais longe da verdade. Infelizmente, quando se lança este tipo de desconfiança sobre investigadores que são uma mais-valia para o serviço público, a consequência poderá ser afastá-los da investigação, e assim da inovação e do progresso da Medicina e do País.
A minha missão, agora como candidato a Bastonário dos Médicos, é precisamente a contrária: bater-me para que todos os colegas médicos tenham mais tempo para investigar, para que as escolas médicas e os serviços onde estão consigam dar-lhes mais meios (técnicos e financeiros) para a sua formação.
Não apontem aos médicos as culpas por uma incapacidade clara, que é do Estado. Estou absolutamente convicto de que, apenas respeitando e dignificando os médicos, defenderemos os nossos doentes, valorizando o Sistema de Saúde Nacional e, assim, o nosso País. Cordialmente, Jaime Branco Lisboa, 17 de junho de 2022.