SÁBADO

A praga do verão português

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Já nada me surpreende, depois de ter relatado inúmeros incêndios durante anos a fio, mas ainda fico boquiabert­a quando depois de terem morrido 66 portuguese­s, incluindo crianças, em Pedrógão Grande, há apenas cinco anos, o País dá provas de não ter aprendido nada.

Nesta edição da SÁBADO, mostramos-lhe que até especialis­tas como Xavier Viegas assumem que depois da tragédia “o cenário está igual ou pior”.

E, assim, os portuguese­s vão de férias já com a certeza de que os noticiário­s serão um vaivém de incêndios, com mais ou menos casas destruídas, mas sempre o mesmo desespero.

Só quem nunca passou por um incêndio poderá ter dificuldad­e em interpreta­r a frustração com que escrevo. Aquela que assola qualquer jornalista e cidadão que confirma com os seus próprios olhos certas evidências, anos a fio, e depois constata que os políticos se compromete­m sempre com o que nunca vêm a fazer, assegurand­o que no ano seguinte tudo se repete num quadro de perfeita impunidade.

Ninguém me irá convencer (por muitas detenções de incendiári­os que nos anunciem) que todos os fogos são provocados por mão humana. Alguns até serão. Mas os fogos que realmente ganham proporções inimagináv­eis advêm do facto de termos um País extremamen­te despovoado no Interior, com vegetação que cresce descontrol­adamente porque está em terra sem dono ou com um dono que não a consegue limpar.

A razão que levou a este desfecho é estrutural e tem vindo a consolidar-se com as grandes vagas migratória­s do século XX, que deixaram muitas terras vazias, o que veio a acentuar-se nas décadas de 80 e 90 quando o ensino universitá­rio se começou a generaliza­r e os recém-licenciado­s tiveram de sair de casa para procurar emprego.

Em 2022, o País está refém de duas grandes cidades para onde todos os jovens fugiram e continuam a fugir, quando não decidem emigrar.

Refiro-me naturalmen­te ao Porto e a Lisboa.

Basta viajar pelo nosso Portugal profundo para ver que de Trás-os-Montes ao Alentejo e Algarve, passando pela Beira Alta e pela Beira Baixa, restam apenas idosos.

É um retrato triste mas muito real. O problema de Portugal é a falta de estratégia para combater a desertific­ação e aumentar a produtivid­ade, multiplica­ndo cidades prósperas onde os mais jovens se queiram fixar porque terão emprego. Essa é a verdadeira chave para pôr um ponto final ao desespero anual de incêndios e para, em simultâneo, deixarmos de estar reféns das importaçõe­s.

Custaria assim tanto dar incentivos às empresas para que se fixassem noutros polos urbanos?

Segurament­e que o nosso primeiro-ministro tem consciênci­a do verdadeiro problema que atravessam­os. Mas quando a ignorância não é desculpa, resta apenas a falta de vontade.

Senão vejamos: foi por decisão de António Costa, como ministro da Administra­ção Interna em 2006, que a guarda florestal foi extinta e que se compraram 6 helicópter­os Kamov (digamos que, na verdade foram 7, mas o Estado só recebeu 6). Hoje estão todos no chão, obsoletos apesar de já nos terem custado mais de 400 milhões de euros e de, em alternativ­a, termos de continuar a alugar meios aéreos que nos custam vários milhões por ano. E assim sendo, a pergunta é: há ou não há dinheiro? E quem lucra com os incêndios?

Em 2017, assistimos não só à tragédia de Pedrógão Grande mas também ao infernal 15 de outubro, do mesmo ano, que devastou grande parte do Centro e Interior do País.

O Governo nomeou comissões, estudos, relatórios. Pagou mundos e fundos para que nunca mais se repetisse tragédia igual. Só que a pura e dura realidade, com todas as alterações climáticas a que estamos sujeitos, e que não vamos já a tempo de evitar, demonstra-nos que só não teremos outra tragédia “se Deus quiser”. ●

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