GUERRA AOS INCÊNDIOS
Cinco anos depois dos fogos que mataram 66 pessoas, o coordenador do relatório sobre os incêndios de Pedrógão diz que está tudo “na mesma ou pior”. Aldeias que aprenderam a lição, enfrentam agora a falta de apoios.
P “odemos parar aqui.” Tiago Rodrigues, investigador do Centro de Estudos Florestais (CEIF-ADAI) da Universidade de Coimbra, sai do carro e dá alguns passos pela estrada. Estamos junto a Nodeirinho e Vila Facaia, no concelho de Pedrógão Grande. “A vegetação vem praticamente até à estrada, portanto, num contexto de incêndio esta estrada tem um enorme risco de ser transitada.”
Logo a seguir aos trágicos incêndios de 2017, passou a ser obrigatório limpar as bermas numa faixa de 10 metros para cada lado, mas a maioria das estradas de Pedrógão estão por limpar. “É um caso mais ou menos generalizado”, reforça Tiago Rodrigues.
“Continua tudo na pior” mesma, se calhar
▶ Para Domingos Xavier Viegas, que coordenou o relatório independente dos incêndios de Pedrógão Grande, é penoso encarar a realidade: “Pedrógão para mim é muito significativo e muito emblemático porque morreram ali 66 pessoas. E quando voltamos àquele território, passados cinco anos, vemos que continua praticamente tudo na mesma, se calhar pior.”
O coordenador do CEIF-ADAI exemplifica: “São visíveis os troncos dos eucaliptos que lá estavam, que arderam e que foram deixados onde estão. O resto é regeneração, sobretudo de eucaliptos, mas também de acácias, que formam naquela zona um matagal imenso. E se tivermos outros incêndios, podemos ter uma situação extremamente complicada para quem tem de combater o fogo.”
Os proprietários públicos e privados estão obrigados a limpar os terrenos rurais numa faixa de 50 metros à volta das casas e em 100 metros à volta das aldeias. É tudo o que não se vê em Pedrógão Grande. “Na maior parte das situações, encontramos muitas aldeias que estão completamente metidas dentro da vegetação e por
“ENCONTRAMOS MUITAS ALDEIAS QUE ESTÃO COMPLETAMENTE METIDAS DENTRO DA VEGETAÇÃO”, NOTA XAVIER VIEGAS
A CÂMARA DE PEDRÓGÃO ADMITE SUBSTITUIR-SE AOS PROPRIETÁRIOS QUE NÃO FAÇAM A LIMPEZA DOS TERRENOS
vezes em sítios de alto risco”, lamenta Xavier Viegas.
Incêndios impedem... prevenção de incêndios
▶ Contactada pela SÁBADO,a Câmara de Pedrógão diz que para este ano prevê a limpeza das faixas de gestão de combustível em 156 hectares da responsabilidade da autarquia. A verdade é que os trabalhos só começaram em junho e, ironicamente, agora é o risco de incêndio elevado que impede a autarquia de prosseguir com os trabalhos que visam, precisamente, prevenir os incêndios.
“Por força das condições meteorológicas que agravaram o perigo de incêndio rural, estando há quase dois meses no concelho de Pedrógão como muito elevado e máximo, não tem sido possível avançar os trabalhos ao ritmo desejado”, refere a autarquia. Relativamente à limpeza dos terrenos privados, a câmara admite substituir-se aos proprietários, caso estes não façam as limpezas. Identificar os proprietários é um dos problemas, dada a falta de cadastro de muitos terrenos rurais.
Guerra aos incêndios sem apoios
▶ Em Ferraria de São João, no concelho de Penela, a 17 de junho de 2017 registou-se o maior incêndio que a aldeia, com 70 casas e 40 habitantes em permanência, já viveu. O fogo chegou de todos os lados e a povoação ficou cercada. Arderam currais e os telhados de algumas casas, mas a população percebeu que os sobreiros centenários, que ainda hoje existem ao fundo da aldeia, impediram uma tragédia maior.
Ainda durante o verão de 2017, num perímetro de 100 metros à volta de Ferraria de São João, arrancaram 50 mil eucaliptos, abriram estradas na montanha e plantaram mais de mil árvores, entre sobreiros, castanheiros, carvalhos e cerejeiras, mais resilientes aos fogos.
“Dito assim parece que foi só estalar os dedos, mas isto foi um processo que exigiu muito esforço de toda a gente. Contámos com o apoio da câmara de Penela, de uma associação ligada às florestas (Flopen) e da ADXTUR, a agência para o desenvolvimento das aldeias de xisto. E ainda tivemos a ajuda extraordinária de voluntários. Foi muito bom”, disse à SÁBADO Maria Rodrigues, presidente da Associação de Moradores de Ferraria de São João.
Cinco anos depois, enfrentam o problema da falta de apoios para a manutenção do trabalho e as burocracias relacionadas com a criação de uma entidade com legitimidade para gerir a chamada zona de proteção da aldeia. Questionado pela SÁBADO, o Ministério do Ambiente diz que aposta na criação de modelos de gestão coletiva, mas não esclarece quando e que modelo pretende aplicar em Ferraria de São João.
“Fico muito triste que nestes cinco anos ainda não se tenham criado mecanismos para facilitar a criação destas zonas de proteção das aldeias porque eu acho que sem esses mecanismos e sem essa criação, as pessoas estão extremamente vulneráveis e a correr grande perigo de vida”, lamenta Maria Rodrigues. ●