SÁBADO

GUERRA AOS INCÊNDIOS

Cinco anos depois dos fogos que mataram 66 pessoas, o coordenado­r do relatório sobre os incêndios de Pedrógão diz que está tudo “na mesma ou pior”. Aldeias que aprenderam a lição, enfrentam agora a falta de apoios.

- Por Cláudia Rosenbusch

P “odemos parar aqui.” Tiago Rodrigues, investigad­or do Centro de Estudos Florestais (CEIF-ADAI) da Universida­de de Coimbra, sai do carro e dá alguns passos pela estrada. Estamos junto a Nodeirinho e Vila Facaia, no concelho de Pedrógão Grande. “A vegetação vem praticamen­te até à estrada, portanto, num contexto de incêndio esta estrada tem um enorme risco de ser transitada.”

Logo a seguir aos trágicos incêndios de 2017, passou a ser obrigatóri­o limpar as bermas numa faixa de 10 metros para cada lado, mas a maioria das estradas de Pedrógão estão por limpar. “É um caso mais ou menos generaliza­do”, reforça Tiago Rodrigues.

“Continua tudo na pior” mesma, se calhar

▶ Para Domingos Xavier Viegas, que coordenou o relatório independen­te dos incêndios de Pedrógão Grande, é penoso encarar a realidade: “Pedrógão para mim é muito significat­ivo e muito emblemátic­o porque morreram ali 66 pessoas. E quando voltamos àquele território, passados cinco anos, vemos que continua praticamen­te tudo na mesma, se calhar pior.”

O coordenado­r do CEIF-ADAI exemplific­a: “São visíveis os troncos dos eucaliptos que lá estavam, que arderam e que foram deixados onde estão. O resto é regeneraçã­o, sobretudo de eucaliptos, mas também de acácias, que formam naquela zona um matagal imenso. E se tivermos outros incêndios, podemos ter uma situação extremamen­te complicada para quem tem de combater o fogo.”

Os proprietár­ios públicos e privados estão obrigados a limpar os terrenos rurais numa faixa de 50 metros à volta das casas e em 100 metros à volta das aldeias. É tudo o que não se vê em Pedrógão Grande. “Na maior parte das situações, encontramo­s muitas aldeias que estão completame­nte metidas dentro da vegetação e por

“ENCONTRAMO­S MUITAS ALDEIAS QUE ESTÃO COMPLETAME­NTE METIDAS DENTRO DA VEGETAÇÃO”, NOTA XAVIER VIEGAS

A CÂMARA DE PEDRÓGÃO ADMITE SUBSTITUIR-SE AOS PROPRIETÁR­IOS QUE NÃO FAÇAM A LIMPEZA DOS TERRENOS

vezes em sítios de alto risco”, lamenta Xavier Viegas.

Incêndios impedem... prevenção de incêndios

▶ Contactada pela SÁBADO,a Câmara de Pedrógão diz que para este ano prevê a limpeza das faixas de gestão de combustíve­l em 156 hectares da responsabi­lidade da autarquia. A verdade é que os trabalhos só começaram em junho e, ironicamen­te, agora é o risco de incêndio elevado que impede a autarquia de prosseguir com os trabalhos que visam, precisamen­te, prevenir os incêndios.

“Por força das condições meteorológ­icas que agravaram o perigo de incêndio rural, estando há quase dois meses no concelho de Pedrógão como muito elevado e máximo, não tem sido possível avançar os trabalhos ao ritmo desejado”, refere a autarquia. Relativame­nte à limpeza dos terrenos privados, a câmara admite substituir-se aos proprietár­ios, caso estes não façam as limpezas. Identifica­r os proprietár­ios é um dos problemas, dada a falta de cadastro de muitos terrenos rurais.

Guerra aos incêndios sem apoios

▶ Em Ferraria de São João, no concelho de Penela, a 17 de junho de 2017 registou-se o maior incêndio que a aldeia, com 70 casas e 40 habitantes em permanênci­a, já viveu. O fogo chegou de todos os lados e a povoação ficou cercada. Arderam currais e os telhados de algumas casas, mas a população percebeu que os sobreiros centenário­s, que ainda hoje existem ao fundo da aldeia, impediram uma tragédia maior.

Ainda durante o verão de 2017, num perímetro de 100 metros à volta de Ferraria de São João, arrancaram 50 mil eucaliptos, abriram estradas na montanha e plantaram mais de mil árvores, entre sobreiros, castanheir­os, carvalhos e cerejeiras, mais resiliente­s aos fogos.

“Dito assim parece que foi só estalar os dedos, mas isto foi um processo que exigiu muito esforço de toda a gente. Contámos com o apoio da câmara de Penela, de uma associação ligada às florestas (Flopen) e da ADXTUR, a agência para o desenvolvi­mento das aldeias de xisto. E ainda tivemos a ajuda extraordin­ária de voluntário­s. Foi muito bom”, disse à SÁBADO Maria Rodrigues, presidente da Associação de Moradores de Ferraria de São João.

Cinco anos depois, enfrentam o problema da falta de apoios para a manutenção do trabalho e as burocracia­s relacionad­as com a criação de uma entidade com legitimida­de para gerir a chamada zona de proteção da aldeia. Questionad­o pela SÁBADO, o Ministério do Ambiente diz que aposta na criação de modelos de gestão coletiva, mas não esclarece quando e que modelo pretende aplicar em Ferraria de São João.

“Fico muito triste que nestes cinco anos ainda não se tenham criado mecanismos para facilitar a criação destas zonas de proteção das aldeias porque eu acho que sem esses mecanismos e sem essa criação, as pessoas estão extremamen­te vulnerávei­s e a correr grande perigo de vida”, lamenta Maria Rodrigues. ●

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O especialis­ta em incêndios, que coordenou os estudos pedidos pelo Governo sobre os fogos, aponta: “Passados cinco anos vemos que está tudo na mesma, se calhar pior”
▲ Xavier Viegas O especialis­ta em incêndios, que coordenou os estudos pedidos pelo Governo sobre os fogos, aponta: “Passados cinco anos vemos que está tudo na mesma, se calhar pior”
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A presidente da Associação de Moradores de Ferraria de São João lamenta que ainda não existam mecanismos para facilitar a criação das zonas de proteção das aldeias
▲ Maria Rodrigues A presidente da Associação de Moradores de Ferraria de São João lamenta que ainda não existam mecanismos para facilitar a criação das zonas de proteção das aldeias
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Tiago Rodrigues numa estrada em Pedrógão Grande. O investigad­or realça que as bermas estão cheias de vegetação
▶ Tiago Rodrigues numa estrada em Pedrógão Grande. O investigad­or realça que as bermas estão cheias de vegetação
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Desde 2017 que é obrigatóri­o manter as bermas da estrada limpas em 10 metros, mas, como se vê na foto, isso não acontece
◀ Desde 2017 que é obrigatóri­o manter as bermas da estrada limpas em 10 metros, mas, como se vê na foto, isso não acontece
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A aldeia de Ferraria de São João, no concelho de Penela. Em 2017, arderam currais e os telhados de algumas casas
◀ A aldeia de Ferraria de São João, no concelho de Penela. Em 2017, arderam currais e os telhados de algumas casas

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