Lições da invasão: a terra
Ainvasão da Ucrânia fez-se, em larga medida, para ocupar cidades, vilas e infraestruturas, para transferir populações e para decapitar corpos administrativos. Nesse sentido, continua a ser essencialmente uma batalha pela terra.
A Ucrânia tira vantagem de uma guerra defensiva, onde conhece melhor a geografia, a topografia, a orografia, a hidrografia (23 mil rios, 60 principais) e a meteorologia, a população e os detalhes urbanos e rurais. Preparava-se aliás para este cenário, mas viu interrompida a tripla política de rearmamento com meios ocidentais, mudança de comandos/estrutura e modernização da indústria nacional. Por outro lado, Kiev atrai mais combatentes “internacionalistas” e aparenta uma consciência nacional bem mais alicerçada e argumentada do que se supunha em Moscovo. Quanto ao Kremlin, os generais hesitam entre uma linha de revivalismo soviético ou panrusso, que podem ser incompatíveis.
No domínio do carro de combate, a Ucrânia afirma ter destruído 5.779 tanques e blindados, e a Rússia 4.215, até início de agosto. Embora as reservas de Moscovo sejam largas (até 10 mil), as perdas parecem enormes, face aos números ativos conhecidos (2.800). Muito se discute se este será o último conflito com unidades motorizadas e mecanizadas, mas a conclusão geral, para além do triunfo das armas anticarro de última geração, é que o “tanque” só é uma mais-valia se for utilizado em combinação com outras unidades defensivas e ofensivas, incluindo infantaria especializada.
Realça-se a artilharia, seja rebo
cada, automotriz, convencional ou por foguetes, num cenário de desgaste, com Moscovo a tentar reduzir a escombros o ânimo das grandes e pequenas cidades ucranianas, e Kiev a destruir, desde maio, mais de uma centena de bases e paióis russos, com armas de maior alcance. Aqui, o problema é o da intenção: sistemas modernos são iguais a maior precisão, e esta equivale a menos vítimas colaterais. Mas há quem prefira a estratégia do terror. E os números esmagadores, em material e munições, estão com Putin.
A discussão sobre se a defesa antimíssil deve ficar na arma de infantaria ou artilharia, ou fazer parte de uma rede autónoma, continua. Os dois inimigos usam uma combinação de modelos, mas a Ucrânia quer chegar a uma proteção de base terrestre que ronde os 90% de eficácia. A questão é saber se consegue essas armas antes da devastação total.
Os drones, ou aeronaves sem ocupantes, têm também sido decisivos, quer como elemento de reconhecimento, vigilância, recolha de informações, quer enquanto meio de ataque. A Ucrânia parece levar aqui uma grande vantagem, quer quantitativa quer qualitativa.
No combate das sombras, as forças especiais dos dois países estão ativíssimas, e Kiev pensa alargar o leque das que dispõe. Hoje tem dois regimentos terrestres, um centro de comando e treino operacional, um destacamento anfíbio e uma unidade de apoio aéreo. A Rússia é aqui um mundo, mas tem perdido muito escol.
A logística russa tem falhado amiúde e a Ucrânia consegue o milagre de colocar operacionais equipamentos de dezenas de origens, e de conciliar o seu uso com rápido treino operacional.
No domínio das comunicações, releva não só a transmissão mas a sabotagem dos recursos inimigos e a interceção de voz e dados, onde a Ucrânia tem possuído uma larga ajuda, sobretudo anglo-americana, mas também germano-polaca.
Quanto à qualidade do combatente: os ucranianos possuem tradição investigada até ao séc. IX, passaram oito anos em treino e preparação com a NATO e vizinhos escandinavos, Turquia e Azerbaijão, participaram em várias missões extracontinentais da ONU, e tiveram acesso a fontes mais sofisticadas e prósperas. Por outro lado, quase transformaram um exército de choque e massa do Pacto de Varsóvia em força moderna, flexível e móvel. Mas só conseguem responder ao potencial russo com a chamada às armas de quase 1 milhão de homens. ●