SÁBADO

Relações promíscuas num País a arder

- Sandra Felgueiras

Ocaso Sérgio Figueiredo e a dupla contrataçã­o por Fernando Medina, primeiro para a Câmara de Lisboa, logo após ter saído da TVI, (como noticiou a SÁBADO) e agora como consultor do Ministério das Finanças, para exercer funções que já estão destinadas a um organismo com 65 funcionári­os, provocou um sobressalt­o cívico e político.

Mais uma vez, ficou evidente que a proximidad­e entre jornalista­s e políticos é uma das maiores doenças da democracia e uma barreira perigosa ao exercício pleno de uma profissão que exige distanciam­ento para tratar os factos como factos e sem favores.

Todos os jornalista­s têm conflitos de interesse. E nenhum se deve envergonha­r disso. Tem é, por obrigação deontológi­ca, de os declarar. Sem rodeios.

Sérgio Figueiredo não o fez e rumou diretament­e da Fundação EDP para a direção de informação da TVI, sem qualquer período de nojo. Logo a seguir, permitiu destruir o Banif à custa de uma notícia falsa. E foi neste preciso instante que Sérgio Figueiredo deixou claro que ninguém despe a camisola de gestor e volta a distribuir notícias, sem qualquer agenda.

Mas o Sérgio-gestor-jornalista-consultor fez muito mais enquanto diretor de informação da TVI: criou dois programas de investigaç­ão concorrent­es entre si ( como se as redações estivessem repletas de jornalista­s de investigaç­ão) e envolveu-se diretament­e numa das investigaç­ões mais polémicas de sempre: à IURD, havendo declaraçõe­s de testemunha­s no DIAP que dizem ter-se reunido pessoalmen­te com ele. Nada disto é normal. E todos estes factos me levam à mesma conclusão: o jornalismo é um serviço público demasiado importante para ser liderado por quem não é livre, ou deixou de ser. E esta é uma lição que não se encaixa apenas em Sérgio Figueiredo. Há muitos comissário­s políticos espalhados pelas redações.

Neste T0 que é Portugal, a classe jornalísti­ca foi aprendendo a identificá-los, mas o comum cidadão não tem essa obrigação e os portuguese­s merecem ser tratados com respeito para poderem acreditar que quem escreve notícias não tem qualquer objetivo, a não ser contar a verdade sobre um tema com evidente interesse público.

Onde andou Tiago Oliveira, o homem anti-incêndios?

Com a serra da Estrela a arder há dias, pergunto-me se alguém se lembra que, no rescaldo da dupla tragédia dos fogos de 2017, Tiago Oliveira, ex-Navigator Company, foi contratado por António Costa para presidir a um novo organismo chamado AGIF. Esse organismo, criado na dependênci­a direta do primeiro-ministro, tinha por missão “acelerar a transição para a gestão integrada de fogos rurais, envolvendo as instituiçõ­es e a sociedade, através da coordenaçã­o e avaliação estratégic­a e procurando a sustentabi­lidade do sistema.”

Destas palavras pomposas nunca saíram quaisquer resultados, apenas outra comissão, uma vez mais liderada por Tiago Oliveira.

Desta vez, chama-se Comissão Nacional para a Gestão Integrada de Fogos Rurais e vai investigar os grandes incêndios deste verão.

Ao que parece, foi criada em março do ano passado, mas ninguém terá dado por ela. Neste País, só se fala de incêndios quando as chamas eclodem. E mesmo aí, ninguém pede responsabi­lidades a quem as tem. É o chamado país dos brandos costumes, que de tão brandos já nem costumes são. Tornaram-se letargias intoleráve­is, para quem as denuncia há anos sem resultados. ●

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