SANTARÉM, DE GÓTICA A GASTRONÓMICA
A cidade passa despercebida nesta altura do ano, em que todos querem praia. Contudo, há boas razões para a visitar, dos monumentos e vistas ao restaurante Oh! Vargas.
sobre a lezíria e o Tejo, começamos a viagem a Santarém pelo jardim-miradouro das Portas do Sol, que ocupa a área muralhada da cidade. Nesta antiga alcáçova – ou castelo mouro –, percebemos que muita da nossa História se passou nesta cidade. Não sendo berço da nação, faz parte das primeiras conquistas portuguesas aos árabes, por D. Afonso Henriques, em 1147. É por isso que, no jardim, há uma estátua em sua honra.
À entrada do centro histórico vislumbramos a Sé Catedral (ou Igreja de Nossa Senhora da Conceição), de fachada maneirista, que ocupa grande parte da Praça Sá da Bandeira. É um edifício imponente, construído entre 1672 e 1711, dos mais impactantes da cidade. Mesmo ao lado fica o Museu Diocesano, que dá a conhecer o interior deste complexo arquitetónico, desenvolvido ao longo de séculos, que alberga exposições de arte sacra. É um pulo daí à Igreja de Nossa Senhora da Graça, um excelso exemplar do gótico português, que guarda a lápide de Pedro Álvares Cabral, o descobridor do Brasil, natural de Santarém.
Não menos interessante é o Mercado Municipal, de 1930. Com projeto arquitetónico de Cassiano Branco, é revestido a painéis de azulejos que impressionam, onde estão figurados momentos da vida do Ribatejo nos inícios do século XX.
Com tanto passeio, a fome aperta. O melhor é pegar no carro e parar no Oh! Vargas, na Nacional 3, à saída da cidade.
UM CHEF PREMIADO
Com uma carta que valoriza a comida tradicional ribatejana, elevando-a com o toque de sofisticação da cozinha de autor, o
A Igreja de Nossa Senhora da Graça, um excelso exemplar do gótico português, guarda o túmulo de Pedro Álvares Cabral
Oh! Vargas lembra aquelas antigas referências gastronómicas à beira da estrada, de paragem obrigatória numa longa viagem. O nome, esse, vem da família que o fundou. Desde 2019 é Manuel Vargas, em parceria com a mulher, Teresa Esteves, que gere a herança do avô, “que cozinhava muito bem”.
Era aqui que vivia e “começou a assar leitões e a fazer comidas de tacho, para as gentes que passavam”. O sucesso ditou que a casa se transformasse em restaurante. “Foram os meus pais que oficializaram o negócio, em 1973”, conta Manuel. A fama cresceu e “nas décadas de 1980 e 90, o Oh! Vargas era casa de referência para os amantes da gastronomia da região”.
Com o passar dos anos, sem investimento, o negócio familiar decaiu, chegando a fechar. Mas, duas gerações depois, Manuel e Teresa reavivaram a tradição familiar e após profundas obras de renovação reabriram o restaurante, composto por duas salas: a primeira, que funciona à carta, e outra para eventos e jantares de grupo, com decoração moderna e apontamentos do antigamente: “Esta era a mesa de cozinha da minha mãe”, adianta Manuel, recordando que foi ali criado. Já a esplanada é coberta por uma glicínia com mais de 150 anos, garantia de sombra fresca nos dias quentes ribatejanos.
Na cozinha, a inspiração é familiar, mas com o toque de inovação do chef Rui Lima Santos, também ele escalabitano, recentemente galar
Foram os pais de Manuel Vargas que, em 1973, oficializaram o negócio que o avô criou. Nas décadas de 1980 e 90, era casa de referência no Ribatejo
doado com o prémio “Novo Talento”, atribuído pela AHRESP – Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal. A carta apresenta uma forte aposta nas carnes grelhadas e nos peixes da costa portuguesa, sendo composta por seis couverts, 11 entradas, 16 pratos e nove sobremesas. “Dada a dimensão do restaurante, tentámos fazer uma carta que possa agradar a todos os gostos”, explica Manuel Vargas.
No couvert, o destaque vai para o presunto Maldonado com crackers de massa mãe (€16) e os croquetes de novilho (€2/uni). Das entradas, variadas, destacam-se o gaspacho de melancia com queijo de cabra (€4,50), as lulas com tinta (€13) e as ostras no carvão com coentros e malagueta (€8). Se as carnes são um must naquele que hoje é um ícone da cultura gastronómica ribatejana, o carolino de línguas de bacalhau (€38 para dois) e o polvo com miga ribatejana, batata e pimentón de La Vera (€18) não lhes ficam atrás. A vasta carta de vinhos, com cerca de 500 referências, sobretudo nacionais, é mais uma razão para escolher esta casa pet friendly, onde os cães são bem-vindos e até têm ração assegurada, de uma empresa da região.
FORA DE PORTAS
Também há muito que ver nas imediações. É o caso do Centro de Interpretação Subterrâneo da Gruta do Algar do Pena, a cerca de 40 minutos de carro do centro da cidade, em pleno Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, freguesia de Alcanede. Considerada a maior sala subterrânea do País, a gruta – que se pode visitar mediante marcação prévia – apresenta, a cerca de 50 metros de profundidade, uma enorme profusão de formações rochosas invulgares. Nas proximidades, em Vale de Meios, pode ainda apreciar uma jazida com pegadas de dinossauros – é só marcar por mail: pnsacvisitas@gmail.com.
Também vale a pena passar pelas salinas de Rio Maior, a meia hora de carro do centro de Santarém, no sopé da serra dos Candeeiros. Fenómeno da natureza, ficam a 30 quilómetros do mar, em linha reta, são as únicas interiores existentes em Portugal e das últimas em funcionamento na Europa. A primeira referência à sua existência data de 1177, conforme atestam os cartazes da zona envolvente, mas pensa-se que o aproveitamento do sal-gema já seria feito desde a Pré-história.
DORMIR NO CENTRO
De regresso ao centro histórico da cidade, recomenda-se uma unidade hoteleira que nos faz sentir em casa. É a Casa Brava, resultante da recuperação de um edifício centenário, onde viveram três gerações.
O espaço, que homenageia a bravura dos ribatejanos, segue as tradições locais, tanto na decoração como na atitude: à chegada, os hóspedes são brindados com produtos regionais, do vinho ao queijo e aos doces pampilhos. Composto por cinco apartamentos T1, dispõe de piscina exterior, onde também se realizam sessões de ioga.
Foi lá que nos sugeriram o último ponto desta viagem: a aldeia piscatória de Caneiras, junto ao Tejo, onde a cultura avieira, com as suas casas construídas em cima de estacas, devido às constantes cheias, continua viva. A cinco quilómetros do centro da cidade, o percurso até lá merece ser feito a pé. ●
Para conhecer a cultura avieira, basta fazer um percurso a pé de cinco quilómetros, a partir do centro de Santarém, e descobrir a aldeia piscatória de Caneiras, junto ao Tejo