A inesperada demissão de uma ministra com o destino traçado
Foi uma demissão inesperada, sobretudo pela hora em que as redações receberam o comunicado de Marta Temido. Não me recordo de uma nota destas à 1:18 da manhã.
A gota de água tornou-se evidente. Horas antes, fora noticiada a morte de uma grávida de 34 anos quando estava a ser transferida do Hospital de Santa Maria para o Hospital São Francisco Xavier por falta de vagas no serviço de neonatologia do segundo maior hospital português.
Mas há muito que Marta Temido tinha o destino traçado. Bastava ter perdido os apoios que a seguraram, como perdeu, para cair em desgraça. Isolada, não teve outra solução.
Inexperiente em matérias de governação, é casada com o conhecido socialista e sampaísta Jorge Simões, especialista em saúde pública, amigo pessoal de Correia de Campos e ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde. Jorge Simões nunca se incomodou em publicar ataques mordazes no Facebook para defender a mulher. Quem os conhece sabe que Jorge Simões sempre foi o ministro-sombra da Saúde, durante o legado do casal, a ponto de, nos últimos tempos, se ter zangado com vários “camaradas” por terem abandonado a mulher.
Para um especialista em saúde pública, Jorge Simões poderia ter sido, pelo menos, um pouco mais visionário, e percebido que a sua estrela-cadente iria cair assim que o pretexto da pandemia deixasse de ser um verdadeiro pretexto para o caos do SNS.
Mas o maior erro não foi naturalmente do marido, porque o amor é cego. O verdadeiro erro foi de António Costa que reconduziu Marta Temido neste Governo sem antecipar o que seria evidente após o efeito da pandemia.
Apesar de terem sido feitas muitas contratações, há mais de um milhão de portugueses que continuam sem médico de família e outros tantos milhares que ficaram sem tratamentos oncológicos e morreram em situações de absoluta indignidade.
A resposta ao caos foi sempre a propaganda: esconderam-se números, apresentaram-se justificações desconexas e Marta Temido passou a ser odiada pela classe que “segura” qualquer ministro da Saúde: os médicos.
Muitos diretores de serviço demitiram-se em vários hospitais, outros denunciaram casos de cegueira iminente no hospital da Guarda, por falta de cirurgias urgentes apenas porque a administração era gerida por boys do PS.
Mas apesar do caos, até junho, prevaleceu a propaganda e a ausência de respostas para problemas estruturais.
Foi preciso chegar a junho, com a divulgação das primeiras notícias sobre a rutura dos serviços de ginecologia e obstetrícia, e a morte de um bebé, para António Costa e o próprio Presidente da República, que tanto tem aparado o “jogo” deste Governo, começarem a duvidar de Marta Temido.
Para trás, ficaria a memória do último Congresso do PS em que António Costa apresentou a estrela da pandemia como sua potencial sucessora, apenas para baralhar os opositores, como Pedro Nuno Santos, Ana Catarina Mendes e Mariana Vieira da Silva, a sua favorita.
Mas Marta Temido não terá percebido que o lançamento do nome de uma ministra “barbie” para o centro da arena política era apenas mais uma das muitas manobras de bastidores em que António Costa se especializou. Ou se percebeu, disfarçou mal e continuou a comportar-se
como uma “barbie” encantada num conto de fadas, quando tudo à sua volta se desmoronava.
Basta ver os indicadores da saúde para perceber que nunca o SNS teve um défice tão elevado, mesmo nos áureos tempos pré-troika.
Em contrapartida, a resposta do SNS piorou a todos os níveis e o grau de insatisfação atingiu o ponto de a ministra ter de vir propor um CEO para gerir o caos.
Nesse dia, Marta Temido assumiu que precisava de alguém para gerir o que ela era incapaz de fazer. E assim tornou-se desnecessária. Para Marcelo Rebelo de Sousa, tornou-se evidente que a ministra perdera condições para se manter em funções e António Costa não a perdoou. Só precisa de ministros que não lhe afundem o barco e, por isso, até os melhores amigos, como Siza Vieira e Eduardo Cabrita, foram dispensados. Só que em seis meses, o barco deste Governo já sofreu vários golpes. Resta saber, quanto tempo aguenta sem naufragar.
E De despedida em despedida
Na qualidade de diretora desta revista, é também chegada a minha vez de me despedir de si, caro leitor.
Este foi o meu último editorial e, por isso, agradeço a todos os leitores e telespetadores que me acompanharam nesta fase de criação de uma multiplataforma em que a SÁBADO deu lugar também a um programa de investigação em horário nobre.
Nos últimos oito meses, demos um passo de gigante num País que precisa, cada vez mais, de um jornalismo ativo que dê voz a quem não tem voz. Da minha parte, saio de consciência tranquila, com a certeza de ter dado o melhor de mim para garantir o sucesso deste produto de informação.
Agradeço ainda a todos os extraordinários jornalistas da SÁBADO, pela paciência com que me receberam e pela paixão à profissão, que sei que os move, em dias tão difíceis como aqueles que vivemos. ●