O SPIN DE VERÃO QUE SOOU MAL
Do “é estrutural” ao “agora é que vai ser”, várias justificações do governo geraram críticas. O mata-borrão foi de férias, aponta um especialista.
Asaída de Marta Temido fecha um ciclo pontuado por frases e gafes de ministros que suscitaram um coro de críticas da oposição, nas redes sociais e na opinião publicada. Alguns exemplos: o Parque Natural da Serra da Estrela vai ficar ainda melhor (Mariana Vieira da Silva); de acordo com o algoritmo, até se previa que ardesse mais 30% do que ardeu (Patrícia Gaspar); e o SNS tem problemas, mas muitos têm origem em decisões já dos anos 80 (esta da autoria da própria Temido). O verão, do ponto de vista da comunicação, não foi feliz para o spin do executivo – a forma de apresentar a sua narrativa. Correu mal? Os especialistas acham que sim.
“Falta coordenação. Nestes casos todos, são momentos em que o ‘mata-borrão’ está de férias, ou fora, e acentua-se a descoordenação política”, aponta Rui Calafate, consultor em comunicação. O mata-borrão, traduza-se, foi o termo usado por Marcelo Rebelo de Sousa para definir a forma como António Costa consegue absorver os problemas. “Veja-se o caso do anúncio da solução para o novo aeroporto, em que António Costa estava em Espanha – e depois o ministro [Pedro Nuno Santos] voltou atrás e engoliu um sapo. E agora está de férias”, exemplifica Calafate. E as tentativas de correção não parecem ter resultado: “Foi contratado um diretor de comunicação do governo, com assento nas reuniões de coordenação política. Não se nota.”
Do ponto de vista da mensagem, Calafate aponta dois elementos em comum a vários destes casos e que contribuem para que a mensagem não passe bem. Um, a “relativização”. “É palavra mais importante. O Estaline dizia que um morto é uma tragédia, um milhão é uma estatística. Não é. Sabemos que o que se passa no SNS é um problema com décadas, mas há falhanços que não têm desculpa.”
Também Mariana Vieira da Silva foi pela relativização – e errou. “É uma ministra que nos habituou, até pela exposição prolongada durante
“A resposta já está no terreno para deixar este parque natural [da Serra da Estrela] melhor do que já estava.”
Mariana Vieira da Silva, sobre incêndio na Serra da Estrela, 22 de agosto
“Parte dos problemas nos serviços de urgências vai estar resolvida a partir de segunda-feira.”
António Costa, 17 de junho
[problemas de hoje] resultam de “uma escolha que foi feita há várias décadas, nos anos 80.” Marta Temido, 25 de agosto
a pandemia, a um registo de comunicação cautelosa, discreta, séria, austera, diria de perfil baixo. Pouco expansiva, mas segura, um pouco como a engenharia que associamos aos alemães, uma engenharia fiável.” Por isso a surpresa do despiste. “Depois de sete dias de um fogo a lavrar no Parque Natural da Serra da Estrela, sabendo a tragédia que isso representa para a comunidade, é difícil dizer que “vai ficar tudo bem”. Foi um erro de “excesso de confiança, de tentativa de relativização dos problemas”.
Mas não se pode relativizar tudo. O mesmo vale, por exemplo, para Patrícia Gaspar: “Face a um problema com a dimensão da Serra da Estrela, a defesa não pode ser com estatísticas. Se for para defender o governo com algoritmos e estatísticas, então que se escolha um robot”, ironiza. O que leva à segunda falha que aponta ao governo nestes casos: “Faltou compaixão. Não se pode, num momento de tragédia, vir com um algoritmo.”
Ainda assim, não valoriza em excesso alguns “episódios de comunicação menos feliz ou de descoordenação”: “É menos grave do que a crise e a situação de inflação galopante que vamos viver”, avisa.
Como, no caso de Marta Temido, não foram os lapsos linguísticos o mais determinante, mas os problemas no SNS.
Forma e substância
Os erros e os ministros não são todos iguais, assinala o politólogo António Costa Pinto. “No caso de Mariana Vieira da Silva, é o que podemos considerar uma gafe linguística de performance. Mas há situações mais graves, como o caso de Pedro Nuno Santos ou a polémica
“A seca é estrutural.” Duarte Cordeiro, 21 de junho
“Não podemos esquecer que há um problema estrutural atrás dos incêndios.”
António Costa, 13 de julho
“Os algoritmos e dados dizem que a área ardida que deveríamos ter deveria ser 30% superior.”
Patrícia Gaspar, 19 de agosto
“Esta situação foi criada por erros de comunicação.” Pedro Nuno Santos, 30 de junho
“SE FOR PARA DEFENDER O GOVERNO COM ALGORITMOS, ENTÃO QUE SE ESCOLHA UM ROBOT”, APONTA RUI CALAFATE
da contratação do consultor pelo ministro das Finanças.” Estes, mais do que os anteriores, permitem um diagnóstico mais duro para o governo: “Nota-se uma ausência de centralização da comunicação do governo. O primeiro ministro tenta evitar que as estratégias de cada ministro não sejam coordenadas e eficazes – ora, o que se vê, é que isso não tem acontecido.” E regressa à hierarquia: “Nos casos em que é sobretudo um problema de linguagem menos feliz que está em causa, a sociedade desvaloriza. Assim como erros de ministros principiantes, ou independentes, que vêm de fora da máquina. Mas dizer, tentando relativizar, “esperávamos muito pior”, enfim... ninguém diz tal, é um erro de comunicação política. Agora, erros como o de Pedro Nuno Santos ou de Medina têm um impacto maior, um, de conflito interno, outro, de clamorosa ineficácia governamental.”
Desculpas vs. responsabilidade
João Gomes de Almeida, que tem uma empresa de comunicação que tem feito campanhas de comunicação política para vários partidos, não individualiza as críticas mas dá um conselho geral face ao que se tem passado no governo: “Perante uma catástrofe há uma tendência natural do político para a tentar minimizar aos olhos da opinião pública, e a comparação é a forma mais simples de o fazer, e por isso também a mais comum. Isto não quer dizer que seja a melhor forma.” O spin funciona melhor “quando é credível aos olhos da opinião pública, em vez de ser apenas desculpabilizador do agente político.” Portanto, há que preferir a humildade e a clareza a “subterfúgios e fanfarronice”.
E a alternativa, quando alguma coisa corre mal? “Quando um político erra, quer seja fruto de uma ação ou de uma inação, deve sempre assumi-lo publicamente e o melhor spin que pode fazer é demonstrar duas coisas: 1) está já a arranjar uma solução 2) está já a tomar medidas para garantir que não se repete.” ●
“NOTA-SE UMA AUSÊNCIA DE CENTRALIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO DO GOVERNO”, CONSTATA COSTA PINTO