“A TRANSIÇÃO ENERGÉTICA TEM DE GARANTIR A SEGURANÇA DE ABASTECIMENTO E O ACESSO ÀS NOVAS ENERGIAS”
A transição energética da Galp está em curso. Teresa Abecasis, COO Comercial da Galp, explica a mudança que está a ser feita para transformar a empresa num ator de relevo na nova economia sustentável.
“O hidrogénio pode ser fundamental para alimentar algumas formas de mobilidade, mas também para alimentar a energia de indústrias para as quais é necessária uma grande energia térmica, que até hoje não é possível fornecer através de uma eletrificação direta.” Teresa Abecasis, COO Comercial da Galp
que a transição energética e a mobilidade sustentável sejam uma realidade e um sucesso, as empresas energéticas precisam de agir. Teresa Abecasis, COO Comercial da Galp, explica em entrevista a Pedro Mendonça Pinto a visão de todo o processo de mudança associada à empresa de combustíveis fósseis para se assumir como uma empresa relevante no mercado mundial de energia verde. A administradora reconhece que a guerra na Ucrânia demonstrou que a transição energética já não é só sobre alterações climáticas, é também sobre a segurança de abastecimento de energia.
Que análise faz do estado da transição energética em Portugal e qual o papel de uma empresa como a Galp?
É um tema muito importante, não só para o nosso país como para o mundo. Portugal é reconhecido do ponto de vista internacional como um bom exemplo em termos do percurso que tem feito na transição energética. Em 2004-2005, quando se começaram a discutir as primeiras feed in tarifs para energias renováveis, Portugal teve este passo muito corajoso de as pôr em prática, o que permitiu o desenvolvimento das energias renováveis de forma acelerada. Mesmo mais tarde, quando veio a crise financeira e Espanha voltou um pouco atrás nestes apoios, Portugal manteve-se muito firme e continuou a promover as energias renováveis. Há uma crença muito grande entre os nossos governantes, mas também na sociedade civil e nas empresas de que, efetivamente, Portugal tem aqui uma oportunidade de ouro. O Plano Nacional de Energia e Clima estabelece metas muito ambiciosas de crescimento das energias renováveis, nomeadamente 47% de incorporação de energias renováveis no consumo, e este valor provavelmente ainda irá crescer quando pensamos nos novos objetivos da União Europeia. Portanto, tem sido feito um processo muito grande e vamos continuar a assistir a novos leilões para capacidade solar, pois queremos crescer de 2 para 9 gigas, e continuar a ver novas tecnologias a emergirem. O Governo tem o objetivo de estudar o offshore como uma tecnologia possível e isso também é muito interessante. Em relação ao próprio hidrogénio, exisPara tem planos bastantes ambiciosos para que Portugal se coloque no radar do que pode ser uma economia global do hidrogénio. Estamos a fazer um caminho muito interessante, com muita coragem e dinamismo, nos vários setores da sociedade.
Que desafios coloca a transição energética para um modelo de economia mais verde e sustentável a uma empresa relacionada com as energias fósseis?
É fundamental olhar para o futuro, mas não precisamos de esquecer o passado para olhar para esse futuro. Pelo contrário, há muito do nosso passado como empresa que nos pode ajudar a dar passos firmes. Não vale a pena tentar parar o vento com as mãos, é necessário fazer uma transição energética de forma responsável, assegurando a segurança de abastecimento e a acessibilidade às novas formas de energia para todas as pessoas. Esta transição tem de ser justa, mas tem de ser feita e a Galp traz muitas capacidades para cima da mesa. Estamos cientes de que isto é um esforço de toda a sociedade e tanto os governos como os consumidores e empresas vão ter de participar – os governos colocando o contexto favorável do ponto de vista regulatório, os consumidores continuando a exigir dos fornecedores e governos esta transição e também mostrando consistência na sua mudança de comportamentos. Mas depois precisamos das empresas, que
“É fundamental que empresas como a Galp, que têm um passado industrial tecnológico muito forte, possam trazer estas competências para a nova transição.” Teresa Abecasis, COO Comercial da Galp
podem trazer capacidade de planeamento a longo prazo, capacidade de financiamento e capacidade industrial de gestão de grandes projetos, muito complexos, de hidrogénio, amónia, baterias de lítio, energias renováveis, etc. É fundamental que empresas como a Galp, que têm um passado industrial tecnológico muito forte, possam trazer estas competências para a nova transição.
O que está a fazer a Galp em termos de eletrificação, hidrogénio e biocombustíveis?
Ao nível das novas energias, a Galp está a atuar em muitas dimensões. A primeira foi que, num par de anos, tornámo-nos um dos maiores players de energia solar na Península Ibérica, através da aquisição de um conjunto de projetos e de uma plataforma de conhecimento que nos permitiu continuar a avançar nessa área. Muito recentemente, adicionámos um portefólio de desenvolvimento de energias solares no Brasil, o que também aumenta muito a nossa capacidade. Queremos chegar a 2025 com 6 gigawatts de capacidade instalada e a 2030 com 12 gigawatts de capacidade de produção de eletricidade a partir de fundos renováveis. Este é um dos grandes pilares da nossa transição energética. Mas o hidrogénio é também um vetor de desenvolvimento para a Galp. É um vetor energético que pode ser muito útil na mobilidade, pois existe um conjunto de combustíveis derivados do hidrogénio. Não nos podemos esquecer de que o hidrogénio verde é produzido através dos dois grandes elementos que existem na natureza em muita abundância: a água e o sol, ou seja, quase que por magia conseguimos criar toda a energia de que o mundo precisa. O hidrogénio pode ser fundamental para alimentar algumas formas de mobilidade, mas também para alimentar a energia de indústrias para as quais é necessária uma grande energia térmica, que até hoje não é possível fornecer através de uma eletrificação direta, portanto, tem sido o gás natural a entrar neste processo. Estamos a atuar também ao nível da mobilidade elétrica, outro grande eixo em que podemos ter um impacto muito grande. Os transportes continuam a ser uma das grandes fontes de emissão de dióxido de carbono, portanto, a mobilidade elétrica permite fazer esta descarbonização e aqui estamos a atuar na cadeia de valor das baterias de lítio, pretendendo tornar-nos um fornecedor deste tipo de baterias que irão alimentar grande parte dos veículos elétricos. Também estamos a apostar na infraestrutura de carregamento, que é fundamental para as pessoas saberem que vão conseguir carregar o carro quando tiverem de fazer uma viagem, e, portanto, optar por um carro elétrico.
Quais são as áreas de transporte que a Galp sente estar a ajudar, a transformar e a executar de uma forma mais rápida e com mais sucesso? Quais os processos que podem demorar mais tempo?
Há uns que já têm a solução bastante estabelecida. Hoje, quando falamos do transporte de passageiros, já é muito consensual que a descarbonização vai passar por veículos elétricos, por isso aqui o grande desafio é massificar o acesso à infraestrutura de carregamento. Parece simples, mas não é. Neste momento, temos 4 mil pontos de carregamento em Portugal, e precisamos de os multiplicar por 10 ou 20 para conseguirmos efetivamente ter uma estrutura que permita que todos tenhamos acesso a carregadores elétricos, conscientes de que menos de 20% das pessoas têm condições para carregar nas próprias casas. As cidades foram construídas há muitos séculos e temos de respeitar o urbanismo que existe, criando soluções que permitam o acesso dos carregadores a todos. Estamos a desenvolver alguns projetos-piloto muito interessantes, que têm a ver com utilizar “mobiliário urbano”, como, por exemplo, postos de iluminação para colocar carregadores elétricos ou os próprios passeios para colocar a infraestrutura de carregamento, porque o ideal era estacionarmos em qualquer sítio da cidade e ter tomadas para carregar o carro. Diria que essa é a área onde estamos a conseguir dar passos mais firmes, porque a tecnologia ou solução final está muito estabelecida. Na aviação, estamos a dar passos naquilo que são as soluções mais de curto prazo, como o combustível de aviação sustentável (SAF), mas também estamos a trabalhar em tecnologia mais de longo prazo, muita dela não estabelecida e ainda sem processos industriais estruturados, para produzir os combustíveis sintéticos, que permitem descarbonizar a partir de hidrogénio e de dióxido de carbono, que captamos da atmosfera ou de resíduos. Tanto para a aviação como para a marinha, poderão vir a ser as soluções de futuro e dessas ainda estamos um bocadinho mais afastados .