SÁBADO

AS NOSSAS PREFERÊNCI­AS

- ÂNGELA MARQUES

Por ele , tudo na vida era assim: ou sim ou sopas. E porque isso não é coisa que se consiga disfarçar junto dos amigos, nenhum de nós estranhou quando ele disse, naquela roda de piquenique, que tinha um jogo para nos propor. Nesse jogo – percebê-lo-íamos não muito tempo depois –, ele seria uma espécie de Deus e nós os seus peões. Ambicioso, ele.

O jogo resumia-se bem: entre duas opções impossívei­s, teríamos de escolher a mais possível de imaginar. E por mais prosaico que o jogo se nos apresentas­se (afinal ele é normalment­e designado como “Preferias” e da sua origem e tradição o Google não sabe muito), era também o único programa em cima da manta.

E como acontece sempre que um “Preferias” é um bom “Preferias”, aquele piquenique transformo­u-se num imenso Prós e Contras da vida real (ou irreal, porque ninguém terá, efetivamen­te, de escolher, pelo menos em breve, se vai ter uma casa forrada a espelhos ou se opta por vestir-se de amarelo dos pés à cabeça até ao último dos seus dias). Tratávamos ali pequenas questões mas também grandes temas, sempre debaixo de uma deliciosa algazarra.

Ele, no seu altar improvisad­o, decidia se, quando e como poderíamos abrir exceções e acrescenta­r alíneas aos desafios lançados para a fogueira – porque não se pode dar muitas opções a gente criativa, havia sempre um “mas posso...?”.

A grande questão do jogo, aquela que separaria as águas como nenhuma outra, acabaria por ser uma dois níveis acima do absurdo: “Preferiam saber falar todas as línguas do mundo (e assim poder falar com qualquer pessoa) ou perceber tudo que os animais vos dissessem (e assim pode trocar umas ideias com eles)?” Não interessa agora que argumentos foram usados na discussão (e se, mais de 160 anos depois, Darwin continua a ser o coelho na cartola), mas a sensação que ficou foi uma e só uma: não há nada que nos diga mais sobre os nossos amigos do que a forma como eles veem a possibilid­ade de serem confrontad­os pelos seus animais domésticos ao chegar a casa. ●

ELE TINHA UM JOGO PARA NOS PROPOR. NESSE JOGO, ELE SERIA UMA ESPÉCIE DE DEUS E NÓS OS SEUS PEÕES. AMBICIOSO, ELE

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