O exército de cãezinhos
Um batalhão de ativistas do teclado com a foto de perfil com um shiba inu, que se autodenominam fellas e dizem pertencer à NAFO, chegou para incomodar o Kremlin, que já desconfia da CIA. Mas qualquer um pode ser um fella.
Um cãozinho de raça shiba inu, em formato de banda desenhada, de camuflado e por vezes armado, é uma estrela improvável num cenário de guerra, mas não na da Ucrânia. O fenómeno da multiplicação de cães-guerreiros digitais em perseguição de desinformação russa e em defesa da causa ucraniana dominou o Twitter e tem contrariado a narrativa do Kremlin com memes, vídeos no TikTok e muito humor. Caso prático: o embaixador russo em Viena, Mikhail Ulyanov, escreveu que os Estados Unidos promoviam fake news, e que a Rússia só invadira a Ucrânia em resposta à agressão de Kiev. Quando alguém lhe respondeu que estava a tentar reescrever a história, o embaixador ripostou: “You pronounced this nonsense. Not me.” (Tu pronunciaste este disparate. Não eu.) Os perfis identificados com os cãezinhos repararam, a frase foi transformada em meme, partilhada milhares de vezes e, face à avalanche, o diplomata achou por bem apagar a sua conta por uma semana. Regressou já feito estrela involuntária: agora até há T-shirts a imortalizar a sua frase.
Mas de onde vêm tantos shiba inus, ao ponto de os posts serem aos milhares por dia? Não vêm, que se saiba, de uma manobra da CIA – apesar de a agência russa Ria Novosti já ter noticiado que se tratava de uma operação dos serviços secretos ocidentais. O movimento espontâneo nas redes sociais surgiu como forma de apoiar o exército ucraniano. Em maio, foi criada a NAFO – um trocadilho com NATO – que designa North Atlantic Fellas Organization, que criava avatares para foto de perfil de utilizadores do Twitter que apoias- sem, via Paypall, a Legião Georgiana, uma unidade do exército. Os “fellas” (tipos) da NAFO são quem o quiser ser: qualquer anónimo, mas também especialistas em política internacional, jornalistas ou políticos. Um donativo dá direito a que os promotores façam um desenho à medida. Já surgiram com perfil shiba inu um congressista americano (Adam Kizinger), o ex-Presidente da Estónia Toomas Hendrik Ilves e o ministro da Defesa ucraniano Oleksii Reznikov.
Uma resistência que incomoda
O movimento já foi explicado na imprensa internacional, pela novidade: o normal era que os bots (perfis falsos criados automaticamente) e propagandistas que faziam parte do arsenal de desestabilização internacional de Vladimir Putin ficassem sem resposta nas redes sociais. Agora, a resistência online em massa e em modo humorístico incomodou o suficiente para ser notada, e atacada, pelos meios oficias russos.
“O grupo já conseguiu qualquer coisa. Tornou-se uma força nas redes sociais contra a propaganda russa”, resumiu ao Politico Benjamin Tallis, investigador do Instituto para a Paz e Política de Segurança da Universidade de Hamburgo. Tallis, um académico sério e reputado, tem o seu próprio avatar-cão. Parte da explicação para o sucesso dos shiba inus é esse caráter aberto e inorgânico: qualquer um pode tornar-se ativista digital #NAFO. Já há até um Tuga Fella. ●